Pai e filho
A revista Playboy comemora 34 anos no Brasil e destaca reportagens, entrevistas e momentos importantes durante esse período. Um deles é o das capas mais vendidas na história da revista entre as quais se destaca a em que apareceu Adriane Galisteu.
O ano era o de 1995 e eu estava em Recife, viagem a serviço. Tinha na cidade um amigo, Jacinto, a quem conhecera anos antes em São Paulo. Esse Jacinto sempre foi pessoa muito interessante: oriundo do interior de Pernambuco teve infância pobre e enfrentou o diabo para se estabelecer na capital. Tudo isso regado a sérios problemas em relação à fé, numa trajetória digna de José Lins do Rego ou outro escritor do nordeste. O fato é que o Jacinto entrou para um seminário pretendendo ordenar-se padre. A meio caminho apaixonou-se por uma moça que, segundo ele, correspondeu aos seus sentimentos. A demora em decidir-se entre o clero e o casamento foi a razão de perder o grande amor de sua vida: casou-se ela com um estrangeiro e foi morar no exterior.
Jacinto não se ordenou padre. Aborrecido e julgando-se sem a fé necessária para o cumprimento dos deveres do ofício, abandonou o seminário após a notícia do casamento da amada. Casou-se alguns anos depois e passou a viver a estranha compulsão de espera do retorno da moça por quem se apaixonara. E não é que, certo dia, veio ela a Recife e o procurou? Pois, assim aconteceu: anualmente vinha ela do exterior, com o marido, visitar a família. Nos poucos dias na cidade, arranjava um jeito de encontra-se com o velho amor. Jacinto e ela tornaram-se amantes de uma vez por ano, coisa que só uma paixão absurda pode explicar. E ele sofria muito com isso, ano após ano sem notícias, até que ela vinha e por alguns momentos Jacinto experimentava a grande felicidade de sua profunda paixão.
Não sei no que deu essa história de vez que há muito não encontro o Jacinto. Mas a Playboy de agosto de 1995 fez-me lembrar dele. Estávamos, eu Jacinto, num bar defronte à praia de Boa Viagem e conversávamos. Falávamos sobre a ironia de amores não consumados quando Jacinto mencionou um pedido feito pelo filho dele: o menino de 12 anos de idade pedira ao pai, pelo amor de Deus, a revista da Adriane Galisteu.
- Já viu a revista – perguntou Jacinto
- Vi a capa nas bancas – respondi.
- E aí, compro para o menino?
- Por que não?
- Sei lá, tão criança…
Não tivemos outro assunto no decorrer de nosso encontro. Falamos sobre o despertar precoce dos anseios sexuais estimulados pela proliferação de fotografias de mulheres nuas. Jacinto resistia à idéia de que o filho passasse à imensa maioria de consumidores de revistas de temas eróticos. Para ele tratava-se de uma deformação que, cedo ou tarde, influiria nos costumes banalizando algo que tinha muito de sublime, ou seja, o descobrimento progressivo dos encantos da mulher e a delícia de imaginar o que se quer, mas não se pode ver. Nisso, dizia o meu amigo, reside a essência e todo o prazer do pecado.
No fim Jacinto acabou dando ao filho a revista e com esse gesto logrou abrir com o menino um importante canal de comunicação para o resto da vida.
Ecos de um anoitecer num bar da praia de Boa Viagem. Ainda me lembro da imensa lua brilhando sobre o mar e do barulho das ondas batendo nas muretas. Só não me lembro da Playboy de agosto, nem se, afinal, vi o seu conteúdo. Era o ano de 1995, a vida tinha virado de cabeça pra baixo, mas isso já é outra história.