Dia dos Pais
Sempre achei que todo mundo tivesse pai, fato mais que lógico. Uma pesquisa desmente essa impressão: muita gente não tem pai conhecido ou declarado. São os chamados filhos-da-mãe.
Conheci alguns filhos-da-mãe, no bom sentido do termo. Tinham o problema da ausência do nome do pai nos documentos e experimentavam certa retração ao preencher fichas com seus dados pessoais. Mas não me lembro de um só deles com crises existenciais em razão desse fato. No máximo não tocavam no assunto que, de resto, interessava mesmo só a eles.
Um filho-da-mãe muito especial chamava-se Riberto. Digo chamava-se porque há anos não o vejo e sabe-se lá por onde anda ele. Esse Riberto foi criado por sua mãe com excesso de zelo. Era ela mãe com disposição para suprir a falta de pai e levava isso muito a sério, a ponto de exigir do filho algum excesso de masculinidade. Ele tinha que ser homem de verdade e pronto. Mas todos sabem como é a natureza: em crianças existe certo mimetismo em relação às pessoas que as circundam. Vai daí que Riberto, naturalmente afeiçoado à mãe como dele se esperava, não ficou imune a alguns trejeitos mais vistos em mulheres.
Não, o Riberto nunca foi homossexual. Mas era o tipo que comumente chamamos de “uma verdadeira moça”. Sujeito ótimo, lhano no trato, educadíssimo, grande amigo em todas as situações. Terá demorado mais que os outros rapazes a iniciar-se naquilo que alguns preferem caracterizar simplesmente como “vida”. Mas o fez e com algum estardalhaço, creio que para demonstrar aos amigos o grupo ao qual pertencia.
Faltou pai ao Riberto. Há pais de todo tipo. Alguns vivem perto dos filhos e ainda assim são ausentes. Às vezes isso acontece em função de barreiras verdadeiramente intransponíveis de comunicação. Pais e filhos que não falam a mesma língua raramente chegam a se entender. Mesmo durante grandes crises familiares – a morte de ente querido de ambos é uma delas – não conseguem estabelecer contato. As causas são as diferenças de pontos de vista, muitas vezes coisas de “pele” fundadas em naturais repulsas. Nem sempre dá para entender a situação e esforços para unir gênios incompatíveis resultam infrutíferos.
As refeições familiares em ocasiões especiais, quando a turma toda se reúne, podem render cenas impagáveis. Mário de Andrade nos deixou o excelente conto “O peru de natal” no qual relata a primeira ceia em família, após a morte do pai. No mais, todo mundo conhece o esquema: as coisas vão muito bem até que alguém puxa um assunto ou acontece alguma coisa velha e já sem importância, mas que serve como estopim para esquentar os ânimos ou mudar o rumo da comemoração. E não adianta combinarem antes que desta vez a comemoração acontecerá sem nenhum incidente. Depois de duas cervejas…
Em contraposição existem os bons almoços, aqueles em que pessoas que se amam trocam afabilidades e muito carinho. Aliás, esse é o espírito do dia dos pais, reunião na qual a família se reúne para homenagear o cidadão que, vida afora, segurou todas as pontas como se diz por aí.
Hoje é o dia do almoço com os pais e o jeito é torcer para que todos sejam felizes. Eu que não tenho mais pai vou aproveitar para me lembrar dele e tentar completar o vazio de nossas conversas com as palavras que nunca nos dissemos. Tínhamos temperamentos diversos demais, acreditávamos em valores díspares e víamos o mundo e a vida sob óticas diferentes. Mais para o fim da vida dele tentamos alguma coisa e dou-me por feliz com o pouco que conseguimos.
Então aí está: sobre a mesa a fotografia de meu pai, daqui a pouco o almoço com os filhos.
Uma coisa é preciso deixar claro: pai é uma instituição que passa por crises, mas resiste. E como pais falecidos ou não atuantes fazem falta às suas famílias.