O Dia do Solteiro
Ontem, 15 de agosto, foi o dia do solteiro. Conheci solteiros renhidos dispostos aos maiores sacrifícios para manter a sua condição. Isso não é fácil de vez que o coração nem sempre segue as regras impostas pelo pensamento: a pessoa promete não se casar de jeito nenhum, mas…
Celibatário inveterado foi um descendente de italianos, que, segundo contava, escapou do casamento por pouco. A história é semelhante a outras: não quer se casar, a vida vai passando, namoro aqui, namoro ali, até que aparece alguém que mina as resistências de um ser avesso ao matrimônio. O Vicente - esse o nome do grande celibatário – encantou-se por uma italianinha. Resistiu muito até ser vencido e decidir-se.
O episódio deu-se ao tempo de um hábito que hoje vai a desuso: ao noivo competia pedir a mão da noiva. Na noite de natal Vicente foi à casa da noiva para obter o consentimento do pai dela. Casa de italianos é reduto certo de boa comida e vinhos. Comeram e beberam todos e, em meio às festividades, Vicente tentou algumas vezes entrar no assunto do casamento. Mal começava e todos riam achando que ele estivesse bêbado. No fim desistiu e voltou para casa sem o compromisso firmado.
Vicente nunca mais se casou. Quando perguntado sobre a noite em que esteve para amarrar-se repetia a mesma história com tanta graça que ríamos muito dele. Mas via-se alguma tristeza em seus olhos, talvez pela dúvida sobre como seria a sua vida caso, naquela noite, o pai italiano o tivesse ouvido.
Sempre achei que a palavra solteiro(a) devesse ser aplicada exclusivamente àqueles que nunca se casaram. Para mim esses são os verdadeiros e constituem uma linhagem. Aos que foram casados e não são mais seriam reservados os termos separado, desquitado e divorciado. Aurélio Buarque de Holanda Ferreira não entende assim. Para o dicionarista tudo é a mesma coisa: separado, desquitado e divorciado são sinônimos de solteiro. O mesmo entendimento se encontra no dicionário de Antonio Houaiss.
No mais, as pessoas parecem concordar com os dicionaristas. Pessoas que já foram casadas e estão sozinhas dizem-se solteiras, às vezes reforçam a condição através da palavra solteiríssima(o) - o que pode ser tomado como algum tipo insinuação.
Homens e mulheres sós em geral apontam benefícios em seu modo de viver. Fazem parte do elenco de vantagens a possibilidade de desfrutar liberdade, aspectos financeiros, distanciamento de hábitos desagradáveis e irritantes do parceiro etc. A isso se acrescenta o fato de que ser solteiro não necessariamente signifique viver isolado, em solidão. Existem muitos meios de tornar a vida interessante e ouço de pessoas que vivem só maravilhas sobre escolher momentos de convívio e reservar-se o direito de estar sozinho.
A crescente complexidade das relações humanas motivada pelo ritmo frenético do dia-a-dia em sociedade inevitavelmente interfere nos paradigmas que herdamos sobre o modo de viver, constituir família, relacionar-se com parentes a e planejar o futuro pessoal. Às circunstâncias casado e solteiro somam-se, de modo crescente, outras formas de relacionamento condicionadas por fatores como praticidade e mesmo filosofia de vida. Entretanto, o bom e velho casamento resiste e permanece como sonho de milhares de pessoas.
Mas relacionamentos amorosos e vida conjugal não são coisas simples. Numa de suas crônicas Machado de Assis fala com entusiasmo sobre a emancipação da mulher. Diz o escritor:
“Melhor notícia do que essa é a de ter sido aprovada, na Bahia, uma senhora que fez exame de dentista. Registro o acontecimento, com o mesmo prazer que tomo nota de outros análogos; vai-se acabando a tradição, que excluía o belo sexo do exercício de funções até agora unicamente masculinas. É um traço característico do século: a mulher está perdendo a superstição do homem.”
Aplauso pela imprensa, nem tanto prazer pela emancipação em casa: conta-se que Machado tinha muito ciúme de sua mulher – Carolina - e detestava que ela saísse à rua.
Há quem diga que todo esse assunto é estéril. É possível sentir-se sozinho estando junto assim como existem ligações amorosas profundas entre pessoas que não vivem sob o mesmo teto. Do que se conclui que cada pessoa tem o seu modo de ser e isso é o que interessa. Existe quem não consiga viver sozinho, outros não sabem ficar juntos e talvez essa constatação simplifique bem as coisas.