Fotos antigas
Elas estão dentro de um envelope, numa gaveta esperando por você. Com o tempo tornaram-se amareladas, muitas delas um tanto apagadas. Mas as pessoas estão lá. Aqui um avô flagrado para sempre num sorriso que se eternizou numa última memória; ali uma tia que foi morar longe e veio em visita aos parentes, ocasião em que foi fotografada. Na seguinte você mesmo, mais novo, cheio de vida e esperanças, sugerindo que o futuro que só agora você conhece não precisaria, necessariamente, ter sido como foi.
Fotos de pessoas, casas, ruas inteiras, imagens sobrepostas por outras mais novas, recentes. É assim que épocas desaparecem, amarelando-se, apagando-se, deixando de existir, cedendo lugar ao novo que um dia também desaparecerá.
Aí está a Av. Paulista com suas árvores frondosas, talvez numa tarde morna na qual tudo o que se pode ver é uma carroça preguiçosamente puxada por um burro. No entorno, ricos palacetes, dentro deles gente orgulhosa de estar ali num tempo de dinheiros em alta pelos bons negócios das fazendas de café. Tudo isso continua vivo nas páginas de um álbum de fotografias antigas, testemunho de uma época aprisionada entre as capas duras com as quais um editor houve por bem delimitar as margens do passado.
As velhas fotografias são passaporte seguro para o passado. Elas permitem a você reencontrar pessoas queridas, muitas delas há tempos esquecidas. É como se caminhar numa rua cuja paisagem de repente se transforma e o colorido converte-se em preto-e-branco. Você percebe que entrou em outra realidade, mundo virtual e refeito, no qual pode dialogar com os mortos. Tudo isso ao alcance da imaginação despertada pelo contato visual com fotos impressas em papel.
Mas fotos antigas também servem para trazer lembranças indesejáveis. Lembrei-me disso ao saber da morte de Edward Kennedy dias atrás. As exéquias do senador norte-americano realizaram-se com toda pompa e circunstâncias devidas a um grande homem público que se destacou pela sua combatividade. Ele representava, na opinião de analistas, a alma do Partido Democrata e converteu-se, ao longo dos anos, num esteio moral do mesmo partido.
Entretanto, tinha o senador em seu passado uma mácula devida ao famoso acidente em que faleceu uma ex-secretária. Ted Kennedy dirigia o carro. Pois na maioria das notas sobre a morte do senador liam-se referências ao acidente, ainda que para demonstrar como alguém que cometeu algo errado pode superar-se. Nem no momento de sua morte Edward Kennedy livrou-se do estigma de ter abandonado a ex-secretaria Mary Jo Kopechne à própria sorte no interior do rio onde caiu o carro.
Na época de sua ocorrência o acidente de rendeu material abundante aos fotógrafos de jornais que flagraram a retirada do carro do rio e o resgate do corpo da vítima. Todas as fotos estão disponíveis na internet funcionando como memória permanente de um fato que maculou a trajetória do senador agora morto.