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Morumbi na berlinda: basta!
São-paulinos e são-paulinas uni-vos: é hora de defender o Morumbi das aviltantes críticas que diariamente recebe da FIFA e interessados em deslocar o jogo de abertura da Copa 2014 de São Paulo.
Internamente isso já está virando uma nova Revolução de 1932: todo mundo contra São Paulo, encabeçados pela CBF. Deixando de lado as paixões, o fato é que a FIFA exige a execução de um projeto de mais de R$ 632 mi. Todo esse dinheiro saindo das costas do tricolor, com alguns apoios já garantidos. Concordem que é muita grana para um clube particular que, entre outras glórias, é proprietário do maior estádio de futebol do Estado. Daí que o São Paulo se dispõe a encarar um projeto de R$ 250 mi, anteriormente aprovado pela FIFA. É quando o Comitê Organizador da Copa vem a público para dizer que o Estado mais rico do país corre o risco e ficar sem nenhum jogo da Copa 14.
Olhem não se trata de nacionalismo barato, nem de amor exagerado ao Estado de São Paulo, muito menos de simples paixão tricolor. Afinal, quem são esses caras que entram na casa dos outros dando ordens, ditando regras e ameaçando? Fora com eles.
Nessa história de realização de Copa do Mundo o que assusta é a premissa de que a FIFA está fazendo um grande favor ao país por deixá-lo sediar a Copa. É bem isso, não se enganem. Vá lá que a FIFA tem que zelar pela qualidade da competição, pela organização, segurança e tudo o mais, afinal a Copa é um evento mundial assistido por quase todos os terráqueos. Entretanto, isso não dá direito a excessos, regras absolutas e esse ar europeu de superioridade, justamente sobre a nação tricolor e o Morumbi.
E que se calem esses traidores do Estado que querem, a todo custo, um estadiozinho em Pirituba pela balela de R$ 1 bi de custo, isso quando exsitem outras prioridades para o emprego do dinheiro público.
Que me perdoem se não sou bom de contas, mas se para fazer um estádio novo o custo é de R$1 bi, uma reforma de R$ 632 mi representa quase um desmanche do Morumbi. Do que se conclui que com mais uns R$ 300 mi o negócio seria derrubar o Morumbi e fazer um estádio novo, lá mesmo. Absurdo, absurdo!
São-paulinos e são-paulinas é hora de dizer aos diretores do tricolor que mandem esse negócio de Copa às favas. Amamos futebol, adoramos Copa do Mundo, mas em primeiro lugar estão os interesses tricolores.
Assim seja!
Os novos heróis nacionais
Noite de domingo. A frente fria que fez cair temperaturas nos Estados do Sul chegou à região Sudeste. Ontem choveu, hoje tivemos tempo bom e frio.
Não só porque é noite de domingo – amanhã, bem cedo, a rotina nos espera – mas, também, porque faz frio, não saímos de casa e o jeito é ligar a televisão e dar uma olhada no que está acontecendo.
O grande assunto é a Copa do Mundo que está para ser iniciada. Reportagens transmitidas diretamente da África do Sul caracterizam-se pelo esforço em apresentar o país sede da Copa aos brasileiros. Como não poderia deixar de ser o apartheid é a toda hora lembrado e as notícias giram em torno do contraste entre a minoria bem de vida e a maioria que vive em extrema pobreza. É sempre citado o esforço do governo sul-africano para melhorar as condições de vida da população. Brancos de ascendência inglesa mostram-se céticos quando entrevistados; negros dizem que o apartheid continua vivo.
Por vezes o assunto é a natureza, com ênfase para a fauna da África do Sul rica em animais como elefantes, girafas, rinocerontes etc. Entretanto, o grande destaque das reportagens transmitidas da África do Sul resume-se aos acontecimentos relacionados ao dia-a-dia da seleção brasileira. Mais que isso, engendrou-se na mídia uma forma de endeusamento dos jogadores que são apresentados como modelos de sucesso e verdadeiros heróis nacionais.
Sendo a maioria, senão a quase totalidade, dos jogadores oriundos de famílias pobres ou no máximo remediadas, não é difícil compor a trajetória de ascensão dos ídolos populares que defenderão a honra verde-amarela dentro das quatro linhas. Isso é feito com a participação das famílias dos jogadores, pessoas do povo, chamados a relatar a luta e o esforço de seus filhos ou parentes para chegar a jogar na seleção. Também importa a escalada a um status financeiro invejável: pessoas pobres e boas de bola que saíram de condições quase miseráveis para hoje jogar em grandes clubes da Europa, sendo pagos a peso de ouro pelos seus chutes ou defesas.
Nada haveria contra esse tipo de reportagem não fosse ela a exploração banal de sucessos merecidos, mas que não servem como exemplo aos milhões de deserdados que nenhuma oportunidade têm - ou talvez nunca terão - de modificar, ainda que minimamente, suas situações financeiras.
Afinal, a quem interessa a história pessoal desse ou daquele jogador que hoje ganha rios de dinheiro e transitoriamente foi convocado para jogar pela seleção nacional? O que se está a ver, não passa da exploração da imagem de ídolos populares que, por mais que se queira, continuam sendo jogadores de futebol, excelentes em suas profissões, mas jogadores.
O Brasil passa por fase de ufanismo excessivo e perigoso, fato verificado em várias áreas. É como se tudo estivesse se ajeitando depressa e problemas tão conhecidos deixassem de existir. Uma corrente de ufanismo é sempre boa quando nascida de expectativas naturais; entretanto, esse movimento goela abaixo, a forma descabida de apresentar o que se faz em prol do país como realizações espetaculares nada têm de sério e produtivo.
Por fim, o futebol nada tem a ver com isso tudo. Resumindo: jogador joga; nós torcemos. O resto é figuração ou exploração pura e simples da paciência dos espectadores.
Do que mais se fala
De futebol; e de política. A coisa é tanta que, momentaneamente, o assunto mulher caiu para o terceiro lugar. Verdade que “mulher” está em terceiro, mas pegando rebarba em futebol que hoje ocupa o primeiro lugar. É que entre umas e outras “mulher” sempre aparece no discurso dos homens. Não é?
Pois está todo mundo correndo atrás de comparações entre as estratégias adotadas pelo técnico da Argentina – Maradona – e o do Brasil – o inimitável Dunga. Enquanto Maradona declara que, nas folgas, os seus jogadores poderão praticar sexo, beber vinho e comer churrasco, Dunga se sai com uma das suas. Assim falou Dunga:
- Nem todo mundo gosta de sexo, nem todo mundo gosta de tomar vinho ou de sorvete.
Ele disse isso se referindo ao que os jogadores da seleção brasileira poderão fazer nas suas folgas. Notem que se trata de uma declaração e tanto porque nos leva a supor que alguns dos valorosos craques da seleção nacional talvez sejam extraterrestres. Não que não seja possível a existência de gente que não aprecie sexo, vinho e outras boas coisas da vida. Convenhamos, porém, que esses rapazes estão, como se diz, na força do homem. Daí…
A colunista Barbara Gancia ataca o assunto na “Folha de São Paulo” de hoje e declara que vai torcer pela Argentina, seleção muito mais glamorosa. Não se pode concordar com extremismo de tal porte: torcer pelos arqui-rivais hermanos é simplesmente demais. Mas concordo que a cada dia vai ficando difícil torcer pela seleção brasileira. A verdade é que não está em formação a tal “corrente pra frente” e Dunga surge à frente da seleção como aqueles monges radicais de certos filmes que correm o risco de levar seus seguidores a um grande desastre.
Não vou torcer pelo Brasil, pela primeira vez na minha vida. Conservo bem vivas na memória as imagens de descaso da seleção de 2006 que mais parecia ilhada nas presunções pessoais dos jogadores, naquela época assemelhando-se a mercenários contratados, a peso de ouro, para uma missão que absolutamente não interessava a eles. Pois a isso se soma, agora, a “Era Dunga” que, cá entre nós, é demais para qualquer um.
Bem, torcer pela Argentina nem pensar. Em assim sendo escolhi uma seleção que me pareceu simpática e cuja vitória se revestiria de grande importância para o seu país: a seleção da África do Sul. Cheguei a essa conclusão após assistir ao filme “Invictus” dirigido pelo Clint Eastwood. Em “Invictus” Eastwood recompõe o período inicial do governo de Nelson Mandela na África do Sul. Recém saído do regime de apartheid - e estando muito vivo do ódio inter-racial - tinha Mandela a difícil missão de unir o seu povo. A saída encontrada pelo então presidente foi justamente a união do país através do rúgbi, esporte nacional da África do Sul. Grande filme, grande diretor, excelentes atuações de atores destacando-se Morgan Freeman no papel de Nelson Mandela.
Foi a partir de “Invictus” que escolhi a África do Sul como a minha seleção na Copa. Continuo firme na minha decisão de não mais torcer pelo Brasil. Entretanto, confesso que tenho receio de alguma recaída. Como ficarei quando a seleção entrar em campo? Será que naquela hora suprema, hora entre tantas nas quais nas nossas cabeças se passam os filmes das participações do Brasil em todas as Copas, as grande vitórias, as derrotas que tanto nos abalaram, será que naquela maldita e bendita hora conseguirei ficar indiferente?
Quem sabe, não?
Que nada. Avante África do Sul!
Uruguai X Argentina
Cinco da tarde. Onde eu gostaria de estar agora? Ora, Montevidéu, naturalmente. Acontece que o clima que precede os grandes jogos é mágico, feito para ser vivido e bem aproveitado. Dá para sentir daqui o desespero da torcida argentina invadindo o Uruguai; do mesmo modo não é impossível respirar-se o ar de necessidade de vitória que rola entre os uruguaios.
Futebol tem disso: consegue catalisar a emoção de um povo inteiro, estabelecendo entre as pessoas um laço de unidade que nenhuma outra manifestação logra realizar. Estão, pois, os uruguaios em pé de guerra, atrás de uma classificação que, preferencialmente, desclassifique a Argentina.
Imagino o clima de agora nas ruas de Montevidéu; imagino milhares de pessoas que já se deslocam para o velho estádio Centenário, palco de tantas glórias do pequeno país do Sul; e imagino Buenos Aires, tão cosmopolita, com o orgulho de sua seleção nacional abalado pelos péssimos resultados que têm conseguido.
Quem vai ganhar? Guerra é guerra, não adianta especular. Se tivesse que apostar num bolão, não saberia que placar colocar. Mas não preciso mentir que a minha preferência pende para o lado do Uruguai. Aliás, creio que não só a minha, mas a de todo mundo por aqui de vez que, no futebol, a Argentina é a nossa maior rival.
Também não adianta mentir sobre o fato de que se a Argentina não for classificada para a próxima Copa do Mundo haverá muita alegria entre os brasileiros. E comemorações.
A hora do grande e decisivo jogo se aproxima. Que vença o melhor? Ah, sim, desde que seja a equipe que veste a camisa da Celeste Olímpica.
Resenha de domingo
Nos domingos os jornais apresentam resenhas, destacando os principais assuntos da semana anterior. Há a intenção de reflexão sobre alguns temas como se a parada domingueira nos permitisse pensar menos apaixonadamente sobre coisas que nos chamaram a atenção durante a semana.
A mesma coisa acontece ao leitor. De repente ele se sente fora da agitação e, acomodado em seu lugar de descanso, aos seus olhos desfilam acontecimentos em que busca encontrar alguma lógica quando não algo que seja de consenso geral. Não adianta: somos dominados por certa necessidade de ordem que justifique o nosso empenho diário no que quer que seja. O caos não nos interessa na medida em que nossos esforços parecem inúteis e a própria vida pode figurar inútil. Nasce daí a necessidade de governo, de instituições confiáveis e de homens que nos representem com dignidade. Radicalismos e polarizações são até aceitáveis, mas dentro que um contexto maior no qual predominem variantes de interesse geral.
É seguindo premissas como essas que olhamos para os fatos recentemente acontecidos e a muito deles repudiamos. Logo de início nos deparamos com a interminável crise em Honduras e o fracasso da OEA em resolvê-la. Eis aí uma situação de caos inaceitável em que a polarização entre o presidente deposto – ainda hoje enfurnado na embaixada brasileira - e os golpistas afeta duramente as atividades do povo hondurenho. Trata-se de um caldeirão cujo conteúdo se aquece em fogo brando, mas que, a qualquer descuido, pode ferver e resultar em banho de sangue.
Na semana em que o presidente norte-americano Barak Obama recebeu o Prêmio Nobel da Paz – para muitos precoce - fala-se bastante sobre as realizações da Copa do Mundo de 2014 no Brasil e a das Olimpíadas de 2016 no Rio de Janeiro. Corre por aí, principalmente nos meios governamentais, a euforia do tipo país vencedor, país que dá certo, país que conquista o seu lugar entre as nações do mundo. Há quem condene o ufanismo e aponte os gastos milionários necessários para a realização dos dois eventos como grande desperdício num país onde, para falar o mínimo, a educação, a saúde e a pobreza estão no pé em que estão. Mas o mundo é dos ricos e mesmo os pobres que ascendem a postos regularmente ocupados pelas gentes de dinheiro se esquecem das passadas misérias.
Passa por retrógrado aquele que se posiciona contra a realização de eventos de repercussão mundial e que de fato atrairão a atenção do mundo sobre o país. Há uma frase que vem ganhando corpo para justificar os empreendimentos em questão: é preciso pensar grande.
Assuntos como esses voltam no domingo. Também voltam as notícias sobre o aumento brutal no número de motocicletas que circulam nas ruas e a falta completa de respeito dos motoqueiros aos pedestres, daí os atropelamentos; voltam notícias sobre crimes bárbaros como a chacina em Curitiba no qual um grupo de rapazes, por motivos fúteis, matou sete pessoas, entre elas um bebê; volta o pré-sal cercado por atitudes que sugerem corrupção; volta a sucessão presidencial e o esforço do governo para emprestar sentido eleitoreiro a cada avanço do país; volta a formidável crise do ENEM cuja prova adiada interferiu nos sonhos e destinos de milhares de jovens…
Notícias boas? Juro que existem. Durante a semana um gerente de banco me perguntou como eu via o país de hoje em relação ao de décadas passadas. Respondi com alegria que as coisas melhoraram muito, que ele pensasse nos anos em que a inflação mensal chegava a 80%, na tal dívida do FMI que afogava o país, na ditadura, na repressão e tortura, na restrição à liberdade de imprensa, nas crises do petróleo, no plano Collor, nos fiscais do Sarney, nas prateleiras vazias dos supermercados, no overnight e em tanta coisa que felizmente se tornou passado.
O gerente, muito moço, me olhou desconfiado. Progredimos muito, sim – eu disse. Acrescentei que, bem ou mal, isso foi obra de muita gente, de muitos governos e, principalmente, do esforço da população, com erros, acertos e até mesmo a corrupção de sempre. Aliás - completei - é bom lembrar-se disso porque nos dias de hoje o que se diz é que tudo aconteceu de repente, talvez até o descobrimento do Brasil por Cabral tenha sido negociado com o governo.
Arre!
Ao meu tio Edésio - notícias sobre o futebol
Escrevo para dar noticias sobre o seu esporte favorito: o futebol.
Em primeiro lugar vou falar sobre o seu time do coração, o São Paulo, que o senhor em momento inspirado apelidou de “Colosso”. Pois o Colosso vai mais ou menos bem, obrigado. Depois de ganhar pela sexta vez o Campeonato Brasileiro, o Colosso se acomodou e deu para perder competições. Foi assim com o Campeonato Paulista e a Taça Libertadores da América. Agora o Colosso está na disputa do Campeonato Brasileiro, mas com tantos altos e baixos que o melhor é não acreditar muito que ele possa vir a ser campeão.
Na verdade, tio, o futebol mudou muito de uns anos para cá. Cada vez mais um grande negócio, o futebol de hoje globalizou-se no pior sentido do termo: os bons jogadores atuam fora de seus países e só se reúnem para jogar pelas seleções nacionais. Posso garantir que o senhor acharia realmente incrível o fato de a Seleção Brasileira entrar em campo, hoje em dia, sem nenhum jogador atuando no Brasil. Pois isso acontece muitas vezes dado que os jogadores estão mais para caixeiros-viajantes de sua arte que atletas de futebol.
Tudo muito diferente, tio, dos bons tempos em que sabíamos as escalações dos times e quem jogava nessa ou naquela posição. E olhe que isso tem afetado até mesmo o amor à camisa: acredite o senhor que, na última Copa do Mundo, o Brasil foi desclassificado e os jogadores saíram de campo como se tivessem participado de um jogo de várzea, alguns muito sorridentes. Atrás deles um país inteiro torcendo e sofrendo. Tio, eu não me envergonho de confessar: quando vi aquilo me senti um grande idiota por ter torcido pelo Brasil. Pode uma coisa dessas?
Mas, voltemos ao Colosso. O grande clube está envolvido com a realização da Copa do Mundo de 2014 que acontecerá aqui no Brasil. O senhor deve se lembrar bem do Morumbi, o campo sagrado dos tricolores. Lembra-se, também, da dureza que foi o período de construção do estádio durante o qual o senhor e outros tricolores fanáticos sofreram muito porque o Colosso não tinha dinheiro para montar um bom time. Anos e anos de luta e sofrimento da torcida resultaram na posse de um grande estádio, orgulho da cidade de São Paulo e palco de jogos memoráveis. Pois agora, o Morumbi é o estádio mais cotado para a realização de jogos da futura Copa do Mundo na cidade de São Paulo.
Entretanto, meu caro tio, não é que um tal Joseph Blatter, presidente da FIFA, deu de falar mal do Morumbi, dizendo que não serve para a Copa e outras barbaridades? O mais triste é que tem muita gente de outros estados vibrando, o que é inaceitável – trata-se da velha rivalidade. A verdade é que Blatter rebaixou o estádio que tem o apoio do governo do Estado e da prefeitura da capital. Tem gente por aí falando em lobby de outros estados contra São Paulo. No final das contas o que a FIFA diz é que o estádio não tem condições de abrigar 65 mil pessoas e assim por diante. Os dirigentes do Colosso discordam, afirmando que o clube fará a sua lição de casa e atenderá às exigências da FIFA até a realização da Copa.
Aliás, tio, não custa nada contar para o senhor alguma coisa sobre a FIFA. Imagine que essa entidade negociou com “alguém” do governo - que ninguém diz quem é - a isenção total de impostos para patrocinadores, fornecedores, enfim todas as empresas ligadas à realização da Copa do Mundo. Trata-se de muito dinheiro, uma enormidade de negócios. Só que agora o pessoal da Receita Federal, que pelo jeito acaba de saber disso, está se opondo a esse absurdo. Ainda bem. Imagine o senhor que todos nós aqui damos um duro desgraçado e o governo do país nos impõe uma das mais altas taxas de impostos do mundo. Ai vem para cá essa turma toda e, na cara dura, é favorecida. Pode? O senhor não acha um absurdo?
Pois é. Mas, tio Edésio, isso não é tudo. Veja que tamanha desfaçatez baseia-se numa exigência da FIFA para a realização da Copa no Brasil, exigência essa que foi aceita por “algum negociador” que certamente não agiu sozinho. Esse(s) negociador(res) deve(m) ter até um chefe, tio, embora nisso as coisas não tenham mudado porque “neste pais” ninguém sabe de nada quando a podridão vem à tona.
O que espanta é que a FIFA, presidida pelo tal Blatter (o Havelange deles), não é um negócio pequeno, muito pelo contrário. A entidade movimenta por ano cerca de metade do PIB da Argentina, país que faz parte do G-20, o grupo de países que conversa sobre a economia do mundo. É dinheiro prá caramba que a FIFA movimenta, muito mais que o PIB anual de inúmeros países.
Diante disso tudo, a alegria que resta é a de dar a louca nos jogadores e o Colosso vencer o campeonato deste ano. Se acontecer, prometo escrever contando tudo para que o senhor comemore aí.
Tio Edésio eu raramente escrevo cartas, o senhor sabe como é isso. Mas hoje me deu vontade de enviar essas mal traçadas. O senhor nos deixou há muito tempo e o mundo em que vivemos está bem diferente daquele que o senhor conheceu. Mas, não se preocupe: continuo o mesmo cara de sempre, talvez um pouco fora de moda por acreditar em valores que têm sido esquecidos por boa parte das pessoas.
Essas são as notícias aqui da terra que eu queria passar para o senhor que, tenho certeza, continua sendo um grande apaixonado pelo futebol.
Um grande abraço e muita saudade.
Futebol e crise
Está acontecendo no Irã: a crise política em que o governo é acusado de fraude nas eleições chega ao futebol. Os jogadores que usaram fitas verdes (sinal de simpatia com a oposição) estão banidos para sempre da seleção nacional do Irã. Entre eles está o melhor jogador e ídolo do país.
Coisa sempre indefinida é o tal termômetro da crise. Na economia, por exemplo, ele quase nunca funciona. Especulações aparecem e analistas se debruçam sobre índices, mas o cara que lê o jornal fica sempre com a sensação de estar num barco sem rumo, governado pela força das ondas. Além disso, todo mundo sabe que economista no leme é sempre um perigo.
E para as crises no futebol, existe termômetro? Creio que vários deles possam ser citados, mas o melhor é representado pela torcida dos outros times. Quando torcedores rivais diminuem a gozação e mostram certa pena do time para o qual torcemos fica claro que a crise é tremenda.
Isso é o que está acontecendo com o São Paulo atualmente. No início as derrotas do time vencedor causaram frisson nas torcidas adversárias. Mais resultados ruins e a demissão do técnico campeão tiraram um pouco a graça das gozações. Derrota que vira rotina é desgraça e aí o torcedor adversário começa a se ver chutando cachorro morto.
Na cabeça dos torcedores do São Paulo a crise vai passar, tem que passar e logo. Entretanto, outra nuvem negra paira sobre a nação tricolor. Trata-se da opção de o clube empenhar-se na reforma do Morumbi, gastando uma fortuna que não possui. A própria diretoria já avisa que os gastos da reforma exigida pela FIFA refletirão sobre o elenco. Aí sim a torcida poderá ter idéia do que é uma verdadeira crise, com termômetro ou sem ele.
Os mais novos não sabem, mas durante a construção do Morumbi o São Paulo ficou alguns anos sem dar alegrias à sua torcida. A coisa ficou muito feia. Para que se tenha idéia, anos depois o presidente do clube na época da construção do estádio, Laudo Natel - depois governador do Estado de São Paulo - contou que certo dia, ao chegar em casa, depois de uma partida em que o São Paulo venceu o Taubaté, ouviu da sua mulher a seguinte pergunta:
- Quanto foi?
- 5 a 1, respondeu ele.
E ela:
- Quem fez o nosso?
Então é isso. Existem coisas um tanto difíceis de compreender para o cidadão comum. Afinal, na ponta do lápis qual é a relação de custo/benefício com a realização da Copa do Mundo no Brasil? Para um clube particular como o São Paulo que vai custear a reforma do estádio, como fica a situação? E para o Brasil, país no qual impera a desigualdade social e onde setores como a educação, a saúde e a segurança reclamam grandes investimentos o que representa a realização da Copa do Mundo?
Respostas e cálculos devem existir, certamente vantajosos para as partes envolvidas. Se tudo estiver em acordo, ótimo. Afinal, a nossa paixão pelo futebol não tem limites.