Arquivo para ‘Futebol’ tag
Maradona e Pelé
A velha rivalidade entre brasileiros e argentinos continua em pé. Já somos mais bem encarados quando visitamos a Argentina, fato muito ligado ao real forte e à importância que o Brasil vai assumindo no contexto mundial. No momento a encrenca situa-se no setor de importações com as exigências e restrições do governo argentino à entrada de produtos brasileiros em seu país. No mais, os “hermanos” são boa gente e perderam aquela mania de superioridade que tinham há alguns anos. Verdade que o calote econômico dado pela Argentina e a pobreza que se tornou visível no país mudou o aspecto do povo em geral. Já não se vê nas ruas de Buenos Aires o apuro de costumes e elegância de outros tempos, embora a cidade continue fantástica para quem a visita.
Mas, como em outros tempos, a rivalidade mostra-se mais escancarada no futebol. Verdade que os times brasileiros e argentinos já não são bons como os de antigamente. A razão disso é a conhecida emigração dos melhores jogadores dos dois países para a Europa atraídos que são eles pelos altos salários pagos no velho continente. Talvez por isso um jogo de time brasileiro importante contra o Boca Juniors, por exemplo, não cause mais tanto frisson.
Agora o que não morre, o que não termina, é a rivalidade em torno do fato de quem terá sido o maior craque da história do futebol mundial. Essa rivalidade é o tempo todo alimentada pelas críticas de Maradona a Pelé que, por sua vez, não se faz de rogado. Maradona não suporta a supremacia de opiniões sobre Pelé, tido em todo o mundo como incomparável. O fato de hoje, envolvendo a disputa entre os dois antigos craques, diz respeito a uma reação de Maradona a uma declaração de Pelé que, evitando comparações com Messi, afirmou ter nascido para jogar futebol, como Beethoven nasceu para escrever música e Michelangelo para pintar. Ao que Maradona, atualmente técnico de um time dos Emirados Árabes, respondeu comparando-se a grandes astros do rock e recomendando a Pelé mudar de médico, pois estaria até tomando seus remédios e horários errados.
A opinião do torcedor? Bem, vi os dois jogarem. Deixando de lado – na medida do possível – o fato de ser brasileiro sou capaz de jurar diante de qualquer tribunal que Pelé foi incomparável. Maradona? Fantástico jogador, maravilhoso com a bola nos pés, grande ídolo do futebol mundial e que seria de fato o primeiro caso Pelé não tivesse existido.
O mundo de Maradona seria perfeito sem a existência anterior de Pelé nos gramados de futebol. Mas, feliz ou infelizmente, a vida é assim, ela parece se divertir ao opor contrários e circunstâncias. Para o par existe o ímpar, para o certo o errado a por aí vai.
Mas, não deixa de ser curiosa essa batalha intestina entre jogadores pela glória de ter sido o maior de todos os tempos.
Repórteres de campo
Confesso que muitas vezes desligo a televisão e passo a ouvir os jogos de futebol pelo rádio. Acontece quando o meu time joga: fico nervoso vendo o baixo rendimento da equipe pela televisão. Aí passo ao rádio e me entrego aos lances descritos por locutores, comentaristas e repórteres de campo.
Não custa lembrar que pertenço à geração que cresceu ouvindo esportes pelo rádio. Grandes locutores do passado como Pedro Luís, Edson Leite e Fiori Giglioti tiveram carreiras memoráveis. Hoje em dia também dispomos de bons locutores de futebol embora e talvez mais que antigamente, acrescentando emoção maior que o real aos lances narrados.
As entrevistas de bastidores, as falas de técnicos e jogadores antes e depois dos jogos não deixam de ser interessantes. São elas que alimentam a paixão de um público sempre ávido de novidades. Em função disso os programas de rádio que têm como tema o futebol contam com boa audiência. O futebol é paixão nacional e ponto final.
É parte integrante da cobertura radiofônica dos esportes praticados no país a atividade dos chamados repórteres de campo a quem cabem entrevistas com cartolas, técnicos e jogadores. Embora não se possa generalizar não será demais dizer que ultimamente alguns desses profissionais têm se aplicado em obter declarações bombásticas e conflituosas. Em alguns casos acontece até mesmo de o repórter insistir em alguma colocação quando não se empenhar em colocar na boca do entrevistado uma opinião que não é bem a dele. Outro dia mesmo, após um jogo do Palmeiras, um repórter abordou o jogador Valdívia e a todo transe quis arrancar dele revide a uma declaração que teria sido feita por outro jogador. Valdívia defendeu-se dizendo coisas como “que bom para ele”, nitidamente constrangido pela insistência de um repórter que se negava a deixá-lo em paz enquanto não obtivesse uma declaração que daria pano para manga ao longo da semana.
O futebol precisa da mídia, assim como essa vive do futebol. A rivalidade entre torcidas tem o lado bom de tornar o esporte mais interessante e disputado, isso quando não descamba para a violência e a bestialidade. Notícias que alimentem as paixões, desde que sinceras e honestas, contribuem para que o esporte mantenha o seu público cativo. O futebol por si só é grande demais e não precisa de emulações que ferem indivíduos em suas atividades profissionais. Sendo verdade que figuras do esporte são personagens públicos daí a privacidade delas sempre correr o risco de ser devassada, ainda assim entrevistas e comentários tendenciosos devem ser evitados.
Hoje mesmo ouvi pelo rádio a entrevista de um presidente de clube de futebol na qual o repórter aplicava-se em sintetizar as declarações obtidas. Coisa do tipo: então o Sr. está afirmando que… Pois não houve uma dessas sínteses do repórter que não fosse corrigida pelo presidente, dizendo que não afirmara exatamente aquilo. Recentemente uma jovem repórter cujo trabalho consiste em noticiar as atividades de um grane time do interior foi questionada, durante a sua participação em programa esportivo, sobre se tinha alguma notícia sobre noitadas de jogadores e assim por diante. Dizendo que nada sabia sobre isso foi a ela recomendado que “ficasse de olho” porque o público precisa ser informado.
As emissoras de rádio sempre contaram com ótimos repórteres, alguns muito talentosos e inesquecíveis. Muitos deles estão em atividade, daí não se poder generalizar o modo inadequado de buscar notícias que faz parte da rotina de uns poucos.
Seleção em crise
Não há dúvida: os tempos são outros. Falar em crise na seleção brasileira em função da escassez de vitórias contra rivais importantes é novidade. Saudosismo não movimenta moinhos, mas não faz mal a ninguém. O problema é que já vão longe os tempos em que a seleção era orgulho nacional. Orgulho duplo: do povo pelo país ter uma grande seleção; dos jogadores por fazerem parte da seleção. Hoje em dia…
Mas o que é? O dinheiro? O endeusamento de jogadores que estão aquém da fama? Os técnicos que nunca enxergam o que todo mundo vê? A cartolagem? A CBF?
Ao time que perdeu a última Copa parecia faltar brio. Sabe aquela coisa de morrer em campo se preciso for? Tudo muito calculado, estudado, cada coisa em seu lugar, a emoção deixada de lado. Foi assim que choramos, nós torcedores, por gente que pouco se importou com as nossas lágrimas.
Agora o desenho começa a ser redesenhado com os mesmos contornos. Dunga repousa no esquecimento, Mano vai levando em frente sua trajetória sem brilho. Os temíveis brasileiros já não são temidos. Aqueles gringos já não entram em campo com receio de jogar contra um time que, de repente, assim do nada, é capaz de inventar coisas do arco da velha, jogadas brilhantes e eternas.
O futebol do Brasil virou burocrático. É como cumprir horário na repartição, atendendo o público com azedume. Repartição pública, mas com salários altíssimos, tão altos que o olhar dos funcionários não ultrapassa as linhas que delimitam o campo de futebol. Para eles parece existir apenas a grama verde, onde correm, e os ganhos a receber. O coração da torcida, o nosso coração, isso é outra coisa.
Aí acontece de os jogadores da seleção sub-20 jogarem a própria vida em campo na atual Copa do Mundo da categoria. É a redenção do futebol, a redenção nacional. De repente volta a brilhar a velha camisa, suada de esforço genuíno. E a decisão vai para os pênaltis. Com que raça, com que orgulho e sentimento aqueles meninos mandam a bola para as redes. Fazem-nos esquecer da gente crescida da seleção principal, do descaso das bolas para o alto e para fora na cobrança dos pênaltis.
Foi o comentarista Casagrande quem lembrou que jogador de futebol vive da bola. Daquela que vai para o alto, ou para fora, dela mesmo. Ele disse isso no momento em que o Brasil foi desclassificado na Copa América. Lembrou que tudo o que ganhou na vida, enquanto jogador de futebol, foi dado pela bola. Grande lição. A ser ouvida por quem corre atrás dela. Por quem ganha dinheiro com ela.
Enfim e como se diz por aí: o Brasil espera que cada um cumpra com o seu dever.
Prá frente Brasil! Salve a seleção!
Paulo Borges
1968. Recém-chegado a São Paulo eu não passava de um rapazote que, quando o dinheiro muito curto permitia, ia ao Estádio do Pacaembu para ver o Santos jogar. Considero um dos grandes privilégios da minha vida a oportunidade de ter visto Pelé jogar.
Na noite de 6 de março, uma quarta-feira de cinzas, realizou-se, no Pacaembu, um jogo entre as equipes do Santos e do Corinthians. E lá estava eu, no meio de uma multidão que lotava as gerais do estádio – hoje o mesmo espaço é conhecido como arquibancadas.
Naquela noite o Corinthians defrontava-se com um enorme desafio porque há 11 anos não vencia o Santos de Pelé, episódio esse que ficou conhecido como “tabu”. Tinham, portanto, os craques corintianos a missão quase impossível de vencer um esquadrão que terá jogado o mais fino e inspirado futebol de todos os tempos no Brasil.
Foi um jogo e tanto. O 0X0 perdurou até que um jogador recém-contratado pelo Corinthians, Paulo Borges, acertou uma bomba da intermediária, no ângulo direito do gol santista. Esse gol nunca me saiu da cabeça. Borges bateu forte com o pé esquerdo e a bola alcançou as redes do gol onde hoje fica o tobogã, lado oposto aos portões de entrada do estádio. Mas, o mais impressionante, foi o que se viu em seguida: a multidão, até então quieta e preocupada, explodiu numa alegria incontida. A gente simples das gerais realmente entrou em êxtase, jogando para cima o que tinha nas mãos. Foi assim que vi muitas marmitas atiradas para alto, utensílios de gente sofrida que, de repente, ajudavam a extravasar tensões há muito reprimidas.
O Corinthians venceu o jogo por 2X0. Na saída vi inúmeras faces molhadas por lágrimas de alegria pura, comoção geral ante um fato cuja grandeza entraria para a história do futebol. Era o fim do “tabu”.
Paulo Borges, aquele que ergueu a massa de torcedores levando-os à alucinação, morreu sexta-feira passada, aos 66 anos de idade. Dele trago a imagem de um jovem magro e muito ágil, descendo pelo lado esquerdo do ataque corintiano até o momento mágico em que dispara o tremendo e indefensável chute que resulta em gol. É ali que o deixo, sempre com a bola, preparando-se para o chute, batendo nela com o pé esquerdo, fazendo marmitas voarem e olhos verterem lágrimas de alegria.
Ê Mazembe
Ê Mazenbe, Ê Mazenbe, Ê Mazenbe…
Ê Mazenbe é o grito da torcida do Mazembe, time do futebol do Congo. Não ouvi esse grito hoje a tarde, durante o jogo do Mazembe com o Internacional-RS. Não ouvi porque a turma do contra não conhece o grito da torcida do Mazembe. O que a turma do contra fez foi soltar foguetes na hora dos dois gols do Mazembe.
Afinal, quem são os caras da turma do contra? Ora, são todos os que torcem contra o Inter, aqueles para quem o clube gaúcho nem deveria estar disputando o Mundial da FIFA.
Houve tempo em que se um time brasileiro jogava contra equipes estrangeiras, as torcidas se uniam em prol da nacionalidade. Tratava-se da valorização do nosso futebol. Deixavam-se as rixas de lado, como se faz numa guerra na qual adversários se unem para defender o próprio país. Aqui aconteceu durante a Revolução de 1894 quando marinheiros, chefiados pelo Almirante Custódio de Mello, bombardearam a cidade do Rio de Janeiro. Por ocasião do episódio, conhecido como Revolta da Esquadra, ocupava a presidência da República o Marechal Floriano Peixoto que passou à história como um sujeito durão, curto e grosso como se diz. Pois, estavam governo e revoltosos em ação guerreira quando a frota inglesa, ancorada no Rio de Janeiro ameaçou intervir, entendendo que o tiroteio prejudicava os negócios ingleses na então capital do Brasil. Nessa hora, grave hora, imediatamente Custódio e Floriano pronunciaram-se, isoladamente, pela defesa do país. Quer dizer: primeiro contra os ingleses, depois voltamos ao nosso quebra-pau.
No futebol também era assim. Imagine se o Botafogo do Rio fosse jogar contra um time estrangeiro: ficava-se do lado do Botafogo. Quando o Santos venceu o Milan naquela célebre final, realizada no Maracanã, em 1963, os cariocas estavam lá, lotando o estádio e torcendo pelo Santos.
Creio que em parte pela globalização que desmitificou barreiras nacionais, em parte pelo Campeonato Brasileiro que intensificou rixas entre equipes de Estados diferentes, hoje em dia tornou-se difícil torcer por um time brasileiro, mormente se ele destaca-se demais. Talvez por isso, hoje tenham mandado para os ares foguetes na hora dos gols do Mazembe. Pelo mesmo motivo viu–se pessoas alegres com a surpreendente derrota do clube brasileiro.
Encontrei agora a pouco o meu vizinho do terceiro andar. Ele é santista roxo, adora o Neymar e conta, em off, que o Santos está recebendo dinheiro da Inglaterra, coisa que, sinceramente, desconheço. Relatou-me o vizinho que torceu para o Mazembe e, depois do jogo, assistiu e ouviu a todas as reportagens. Divertiu-se com o choro dos jogadores do Inter e vibrou com a alegria dos gremistas, rivais do Inter no Rio Grande. Como se vê, o meu vizinho foi fundo. Ele é daqueles que dá o beliscão e depois confere a pele para ver se ficou bem vermelha e dolorida.
Papo entrado em despedida, o meu vizinho perguntou se eu gostei da vitória do Mazembe. Pulei fora, disse que não vi um jogo que, afinal, não me interessava em nada. Logo em seguida chegamos ao terceiro andar e ele saiu do elevador. Então, sozinho e sem ninguém por perto, continuei a minha curta viagem, repetindo baixinho para ninguém ouvir:
-Ê Mazembe, Ê Mazembe.
O caso Neymar
Pelo simples fato de existir o craque Neymar atira pesadas farpas em conceitos e preconceitos ligados à educação. Falta a ele amadurecimento, estamos criando um monstro e por aí vão as inúmeras opiniões sobre o jogador do Santos. Há quem o defenda, dizendo que está-se a exigir demais de pessoa tão jovem, que a educação dele pertence apenas ao pai e a ninguém mais.
O caso Neymar vende. Existem bonecos Neymar, crianças cortam o cabelo “a la Neymar” e os noticiários cedem, diariamente, grande espaço ao jogador. É quando os sociólogos e pedagogos de plantão entram em cena para confrontar a celebridade precoce de Neymar como o fato de ele não estar preparado para tanta badalação. Existe, também, o salário de Neymar que informa-se ser de 1 milhão por mês, livre de impostos. E, ainda, o fato de Neymar não ter ido jogar num clube inglês, sob a desculpa de dirigentes e familiares de que tudo tem o seu tempo, melhor ficar por aqui até amadurecer, crescer no seu ambiente, etecetera e tal.
Mas, não é só isso. Neymar está cercado por muitas problematizações, a maioria relacionada com a sua juventude e sucesso precoce. Os adversários em campo o culpam pela irreverência despropositada como o caso de um chapéu dado em momento de bola parada. Por seu turno, Neymar reclama que batem muito nele, isso sob a complacência dos juízes que o deixam apanhar para valer sem fazer nada.
Por último – veja-se que está muito longe de qualquer último nessa história – Neymar se desentendeu com o técnico, revoltou-se porque foi impedido de bater um pênalti, bateu boca no vestiário - dizem que até atirou uma garrafa - vai-se lá saber o que de fato aconteceu. O técnico exigiu punição, a diretoria achou demais e o técnico foi demitido.
Se todos esses fatos forem colocados num liquidificador e, depois, batidos com boa velocidade, creio que teremos um estrato do que se passa na cabeça do Neymar. Jovem demais e dotado de prodigiosa familiaridade com a pelota, está ele agora naquela parte inicial do estrelismo, na qual a estrela pesa demais sobre a cabeça. Não dão a ele folga e todo mundo acha – inclusive eu – que se pode dizer alguma coisa a respeito, quem sabe interpretar tudo e achar uma explicação ou caminho que ponha as coisas em seus devidos lugares.
Neymar é, no momento, só um menino com acesso de rebeldia, de grau maior que a prevista para a idade por conta da fama de que goza. É ídolo de pés de barro, mas não adianta avisá-lo sobre isso porque, nesse caso, o aprendizado não se faz por via oral, fica por conta da vida. É bom lembrar que tudo o que Neymar sabe é chutar bola, aliás é bem isso que todo mundo espera dele. Então, se queremos de fato ajudá-lo, vamos deixar o rapaz em paz, parar com toda essa badalação, diminuir o espaço no noticiário, parar de correr tanto atrás dele, fazendo estardalhaço sobre tudo o que se relaciona a ele. Quem sabe tratando o rapaz como um ser humano normal ele possa descer das nuvens e jogar, jogar muito, fazer à perfeição o que ele sabe.
Simples assim? Pode não ser, mas pode ajudar.
Atrás da bola
São dois gols, ambos tendo por traves pares de chinelos velhos. Entre um e outro poucos metros, as laterais do campo duas paredes acinzentadas.
Isso mesmo, o campo de futebol é um corredor, parte externa do apartamento onde mora o zelador, fundo do prédio, último andar. O jogador dos dois times é um menino que corre de um lado para outro com uma bola de borracha nos pés. No vai-e-vem, entre um gol e outro, ora ele usa a camisa de um time, ora de outro. Controlando a bola de repente ele é o craque de um dos times, depois do outro, dizendo nomes de jogadores que repete em voz alta, arfando o peito, correndo para fazer gols e mudar o placar.
Agora é o time da porta da cozinha que desce em direção ao gol do time da janela do quarto e faz um golaço; na volta o time da janela desconta, coloca a bola entre as traves do gol da porta da cozinha e o jogo está empatado. O menino corre de um lado para outro fazendo gols que soma, um a um. Até que chega ao 7×7 e se distrai com o cachorro que atravessa o campo, não sem protestos da torcida e dos jogadores. O menino, nesse momento juiz e locutor, expulsa o animalzinho do campo e prende-o enquanto irradia o fato em voz alta.
Os jogadores esperam o reinício da partida e voltam a correr. Os gols se sucedem, gol aqui, gol lá, num jogo que parece estar fadado a ficar sempre empatado. A coisa toda continua até que uma voz de mulher ecoa no estádio: é a mãe do menino que o chama para o jantar. É hora de acabar o jogo, justamente no momento em que o juiz marca um pênalti contra o time da porta da cozinha.
São 47 minutos do segundo tempo e o pênalti vai decidir o campeonato. O menino, jogador do time da janela do quarto, coloca a bola na marca de cal e olha para o gol à sua frente. No meio dos chinelos que demarcam o gol está um goleiro enorme que usa roupa preta e luvas. O menino não se impressiona com ele. Vai para a bola, bate forte e é gol. Segue-se o ruído da torcida vibrando nas arquibancadas, o abraço dos jogadores e o apito final que dá a vitória e o campeonato ao time da janela.
Mas, não há tempo para erguer a taça. A mãe vem ralhar com o menino e, em um minuto, ele está sentado diante do prato de comida, transpirando muito, mas feliz pela vitória do time da janela do seu quarto sobre o da porta da cozinha cujo técnico é ela, a mãe dele.
Fim de carreira
O tema é recorrente, mas não deixa de impressionar. Trata-se do encerramento de carreira de jogadores de futebol. Chega o tempo de parar e, em geral, a decisão vai sendo adiada, até que o desgaste físico se torna irreversível.
Talvez nenhuma atividade seja tão maldosa com os seres humanos quanto o esporte profissional. Grandes ídolos, habituados à badalação, quando não idolatria do público, da noite para o dia transformam-se em página virada, sendo condenados ao ostracismo. Afora uns poucos que, por uma razão ou outra, depois de parar conquistam algum espaço na mídia a maioria retorna ao convívio dos mortais comuns, longe dos holofotes.
O esporte profissional que agracia os melhores com fama e muito dinheiro é também um devorador de homens. A glória que se apoia em dotes físicos sucumbe na velocidade do envelhecimento. As exceções glorificadas como Pelé - o eterno ídolo - e alguns outros não passam de casos isolados.
Escrevo sobre isso após ler que David Beckham, agora com 37 anos e há cinco meses parado por conta de uma contusão, está de volta ao futebol. Beckham, um dos maiores jogadores de futebol, teve o seu ápice em 1999 quando conquistou vários títulos e recebeu premiações pelo seu desempenho. Outro jogador que tem chamado muita atenção pela proximidade do fim de sua carreira é o artilheiro Ronaldo, idolatrado pela torcida corintiana.
É verdade que nesta vida tudo tem um fim, o tempo não volta etc. Imagino que o período de transição que separa atletas do término de suas carreiras seja muito difícil. A situação envolve uma precoce, mas bem papável sensação de velhice precoce, de perda da força, talvez até de aniquilamento naqueles que não se preparam para a despedida.
O esporte profissional de que tanto gostamos e nos diverte reserva aos seus praticantes uma espécie de acerto de contas com o tempo que passa. Mas nem por isso deixa de ser belo, emocionante, um grande show que não pode parar ainda que ao preço do constante renovamento das suas peças.
Es lo que hay
Há um tremendo quebra-pau na Argentina em torno da lei para o casamento gay. A presidente Cristina Kishner apóia o casamento gay e convocou ma manifestação popular, no Obelisco, em favor da aprovação; a igreja, representada pelos bispos, protesta contra uma lei que considera não natural e contra os preceitos religiosos. Do outro lado, os favoráveis à lei comparam a ação dos bispos à Inquisição. No meio da tarde saiu a notícia de que o parlamento não deixou passar a lei que já tinha a aprovação do governo.
Mas, o grande assunto é Maradona. Grondona, o todo poderoso presidente da AFA (Associação de Futebol Argentino), deixou nas mãos de Maradona a decisão de afastar-se ou não do cargo de técnico da seleção. A voz pública condena Maradona: pesquisas mostram que a maior parte dos argentinos quer o “Pibe” fora da seleção. Não perdoam ao técnico a desorganização do time que contava com excelentes jogadores, mas foi arrasado pela Alemanha. Há quem diga que muitas pessoas, entre elas Grondona, fizeram Maradona acreditar que é “Deus” e o “Pibe” age como tal.
O fato é que, exceto pelos programas esportivos e notícias em jornais, pouco se fala em futebol em Buenos Aires. Os motoristas de táxi, sempre muito conversadores, falam sobre tudo menos futebol. Os mais politizados falam sobre a onda de frio que atingiu Buenos Aires e a falta de abrigo para os pobres que enfrentam temperaturas muito baixas em plena rua. E comparam a situação dos pobres com os militares que “até campo de golfe têm”.
No mais o tango corre solto nos locais visitados por turistas e nota-se, nos argentinos, certo gosto amargo em relação ao país de que tanto se orgulham. A Argentina vai deixando de ser a de antes embora a bela Buenos Aires resista bravamente e continue encantando aos que a visitam.
Ainda a seleção
Estão sendo levantadas as mais variadas hipóteses para explicar a derrota da seleção na Copa do Mundo. É hora de encontrar culpados para que se exorcize o fracasso. Infelizmente o tempo parece passar muito devagar, deixando largos espaços para a curtição. No fundo o que se quer é esquecer, retornar às competições regionais e empolgar-se com a fúria dos clubes. Todo mundo sabe que o melhor remédio para a derrota é uma rápida vitória que distraia a atenção.
Dunga e sua trupe foram demitidos, mas resistem a converterem-se em passado: ainda estão nos noticiários e Dunga exibe aquela sua certeza olímpica de ter feito o seu papel com acerto. Se não deu, não deu. Pena que esse simplismo envolva as esperanças de toda a torcida brasileira.
Das muitas teorias que tenho lido e ouvido sobre a derrota da seleção a que me pareceu mais interessante foi a de um senhor que mora aqui no prédio. Habitualmente carrancudo, nos últimos dias ele tem-se dado o desfrute de sorrisos contidos e alguma fluência no palavreado. De fato, deixou de lado os breves acenos de cabeça para revelar-se torcedor aflito da seleção em busca de uma explicação que o satisfaça em relação ao que denomina “a tragédia da África do Sul”.
Devo reconhecer que a explicação do meu vizinho, se não consistente, é engenhosa. Apela ele para a posição do Brasil no mundo, relacionando-a com o atual insucesso da seleção. Para ele o Brasil sempre foi um país atrasado, subdesenvolvido, daí a energia nacional canalizar-se para setores onde a genética do povo mostrou-se mais favorável. Entre esses setores, o esportivo - em particular o futebol - tornou-se, ao longo dos anos, parte da alma nacional e expressão máxima da nacionalidade. Não por acaso o país converteu-se em pólo exportador de craques e alcançou resultados expressivos em competições internacionais.
A coisa foi bem até que o país começou a romper com o seu calamitoso passado: de subdesenvolvido a emergente, de excluído a membro dos principais grupos econômicos do mundo. Com passos rápidos o Brasil se torna uma potência ainda que internamente persistam as desigualdades etc.
Ocorre que para tudo nesse mundo há um ponto de equilíbrio e a balança pende para um ou outro lado, isso não se pode evitar. Segundo o meu vizinho o peso da melhora do país teve como resultado natural a perda de motivação para outras formas de expressão, entre elas e principalmente o futebol. Já não se precisa das chuteiras para lembrar ao mundo que o Brasil existe. Tal constatação, ainda que subliminarmente, incorporou-se ao modo de ser dos jogadores brasileiros sob cujos ombros já não pesa a responsabilidade de provar que o Brasil existe.
- Por isso aconteceu o fracasso e era natural que assim fosse – decretou o meu vizinho.
No fim perguntei a ele se a sua teoria poderia ser usada para prever o próximo campeão mundial. Ele não pensou para responder:
- O Uruguai.
Tentei ponderar que das equipes que disputarão as partidas semifinais a do Uruguai é a menos provável, porque mais fraca. Disse a ele que, em minha opinião, a Alemanha está jogando muito, daí reunir condições para vencer a Copa do Mundo. Ao que ele respondeu:
- Você está se esquecendo da balança. O Uruguai é o Brasil de ontem. O país precisa da vitória para dizer que existe e isso fará da seleção uruguaia a campeã do mundo.
Não nos dissemos mais nada. Não preciso dizer que acho isso uma loucura, mas não nego que ficarei intrigado se a seleção uruguaia sagrar-se campeã mundial.