política brasileira at Blog Ayrton Marcondes

Arquivo para ‘política brasileira’ tag

E a ideologia?

escreva o seu comentário

Fica difícil falar-se em ideologia tão grande tem-se tornado a confusão de conceitos.  Direita e esquerda, por exemplo, tornaram-se palavras ambíguas tantas as concessões a que se dão direito os que falam em nome delas. E que dizer dos radicalismos? Veja-se o caso do norueguês que matou 77 pessoas em nome da salvação da Europa, cujo discurso ofende todos os princípios. Os tempos atuais parecem desafiar os sociólogos de plantão exigindo deles a criação de novas terminologias que deem conta da multidão de oportunistas que confundem credos ou os utilizam ao sabor de suas prioridades e necessidades. Na faina de que o que importa é vencer danem-se as convicções, embaralhem-se as ideologias, afinal tudo parece valer nesse mundo onde o faz de conta vem sendo praticado e aceito com tanta naturalidade.

No fundo o que falta talvez seja mesmo convicção. Ajuda muito o desconhecimento teórico, a adoção de linhas de pensamento apreendidas de orelhada. Lemas marxistas servem a movimentos que neles se apoiam. Termos como elite e burguesia adaptam-se a variados discursos. Pura fachada, mas que fazer?  E por aí vai.

No Brasil a crise de identidade política assusta porque os lemes do país passam por mãos de pessoas que não sustentam em pé o que falam sentadas. Trata-se dos discursos de ocasião dirigidos a quem na verdade não perde tempo em ouvi-los porque, no fundo, cada qual está mesmo preocupado é com a solução de seus próprios problemas.

Quem leu os jornais de ontem viu escancaradas nas primeiras páginas a foto do ex-presidente Lula ao lado de Paulo Maluf. Duas imagens de homens com significados próprios pelos quais se tornaram conhecidos, extremos distantes, representantes de ideias e métodos de ação diferentes. Não custa lembrar de que Lula aplicou no passado os piores adjetivos em relação à pessoa de Maluf que, afinal, sobrevive politicamente graças à sua invejável ousadia e, porque não dizê-lo, habilidade e inteligência. Lula, por outro lado, tem sido o paradigma de um novo tempo no país, encantando as massas que nele depositam toda a sua confiança. E eis que acontece o impossível, uma aliança de ocasião entre esses dois homens.

O acordo entre Lula e Maluf assusta-nos porque expõe o inaceitável jogo no qual os fins justificam os meios. Além disso, demonstra-nos que convicções não passam de fachada e que ideologias políticas caem por terra no momento em que o interesse maior de vitória nas urnas passa a ser prioritário.

Luiza Erundina desistiu de ser candidata à vice-prefeita na chapa do PT por não aceitar o acordo com Maluf. Ontem ela declarou que a essa altura Lula já teria o percebido “o fora que deu” ao se associar àquele a quem sempre classificou com os piores adjetivos.

Afinal, em quem acreditar?

O julgamento do mensalão vem aí

escreva o seu comentário

Difícil de acreditar, mas o julgamento do mensalão será iniciado no primeiro dia de agosto. Não custa lembrar que a data não é promissora porque agosto é considerado azarado dada a ocorrência no mês de fatos terríveis a começar pelo suicídio do presidente Getúlio Vargas em 1954, a renúncia do presidente Jânio Quadros em 1961 e a morte em acidente do presidente Juscelino Kubistchek em 1976. Isso sem falar no lançamento, em 1945, pelos EUA, da bomba atômica sobre Hiroshima e na renúncia do presidente norte-americano Richard Nixon, em 1974. Tudo isso e muito mais em agosto. Pode?

Mas, o caso é que passados sete anos desde que o país foi sacudido por verdadeiro tsunami de denúncias, enfim o STF se diz em condições de julgar os atores daquela enorme confusão que ainda hoje nos deixa perplexos. E o STF fará isso porque caso não o faça muitos crimes estarão em breve prescritos e os próprios ministros se dizem preocupados com o julgamento da opinião pública sobre o Judiciário brasileiro.

Nada contra o STF e seus ministros, gente de proa do Poder Judiciário. Mas, a bem da verdade, é mesmo difícil de acreditar que finalmente os envolvidos naquela grande tramoia na qual se sobressaem a formação de quadrilha e a movimentação de fortunas em dinheiro venham a ser punidos. Até porque este nosso Brasil é o país onde reina a impunidade por mais que esse fato seja negado. Contribui para a afirmação anterior o próprio atraso no julgamento do mensalão, afinal os cidadãos do país foram agredidos, semanas a fio, por um rosário de denúncias que escancarou aos quatro ventos o alto nível de corrupção que envolvia até o primeiro escalão da República. Interessante que até hoje o então presidente da República negue as acusações e as atribua a um movimento espúrio da oposição que tentaria afastá-lo do poder. Mas, isso são águas passadas, aliás, tudo isso é passado e a ver como digladiarão a partir de agosto grandes eminências jurídicas do país durante os embates entre defesas e acusações sobre crimes tristemente públicos.

O que não desce pela garganta é a desfaçatez disso tudo. Não dá para engolir que todo aquele transe envolvendo as denúncias sobre o mensalão tenha ficado em espera durante tanto tempo para só agora vir a ser julgado. E isso porque dois ministros do STF estão para se aposentar, o risco de prescrição dos crimes aproxima-se, sem falar nos interesses envolvidos pelos quais não se quer o julgamento em ano eleitoral.

Todo mundo está careca de saber sobre tudo o que está escrito acima. Nenhuma novidade. Entretanto, agora que finalmente o caso será julgado espera-se que os verdadeiros responsáveis pelo episódio que sufocou a nação sejam punidos. Afinal, acreditamos que existam culpados porque, caso contrário, tudo aquilo que se viu e ouviu não terá passado de invenção com o intuito de denegrir a classe política do país.

A ver como se comportará o STF a partir de agosto. Estranho o fato de que agora quem estará na berlinda é a Justiça do país.

A frequência do inesperado

escreva o seu comentário

O Brasil não conhece o Brasil, diz a letra de “Querelas do Brasil”. Pelo jeito talvez nunca venha a se conhecer. Por quê? Convenhamos que este seja um país  no qual mesmo fatos inesperados primam por ser frequentes, desafiando a lógica dos acontecimentos.

A quem discorda disso peço a gentileza de me explicar essa história toda envolvendo o ex-presidente do STF e o ex-presidente da República, de quebra com a participação de um ex-ministro de governo. Pois esses dois homens de importância reconhecida estão envolvidos em denúncia de constrangimento para adiar a data do julgamento do mensalão. O ex-presidente do STF, Gilmar Mendes, veio a público dizer que foi constrangido pelo ex-presidente da República, Lula, para adiar o julgamento do mensalão em troca de uma ajuda para se livrar de sua ligação com Carlinhos Cachoeira. Lula apenas declarou-se estarrecido com a acusação. Já o ex-ministro, Nelson Jobim, presente ao encontro dos dois declara não ter ciência sobre o acontecido.

Disse uma repórter que se trata de situação na qual os três envolvidos ficam mal. Prefiro achar que quem fica mesmo mal é o país. Acontecimentos dessa natureza, envolvendo pessoas do primeiro escalão político e jurídico do país, escancaram, aos mortais comuns, o lado avesso das intrigas que permeiam as trocas de favores entre poderes constituídos. Fornecem, também, assunto a toda sorte de ocupados e desocupados de plantão. Pergunta-se por aí afora, por exemplo, sobre quem, afinal, está mentindo nessa história de constrangimento. No Congresso a oposição já se articula para tentar convocar o ex-presidente Lula para depor na CPI fato que certamente não virá a ocorrer. Em todo caso importa dizer que caso as coisas tenham ocorrido conforme relata o ex-presidente do STF tem-se em tela ação intolerável do ex-presidente da República.

Mas, voltemos ao começo para lembrar que neste vasto território brasileiro fatos estranhos acontecem e mesmo coisas inesperadas são muito, muitíssimo, frequentes. Claro que se está a falar sobre fatos que chegam ao conhecimento público porque dá bem para imaginar quanta coisa nos escapa nesse imbróglio que é a política brasileira, tão consumida pela corrupção.

Por dias melhores

escreva o seu comentário

É verdade que as coisas estão melhoradas no Brasil. Negar avanços fica do jeito que gostam os caras eternamente do contra para quem a cada novo dia há um abismo a se transpor. Os grandes problemas do país continuam a existir, sim, mas, cá entre nós, onde é que nesse mundo de Deus não existem problemas?

Entretanto, haja paciência para se conviver com escândalos. Parece até que o normal seja o aparecimento de um escandalozinho a cada semestre, isso para animar as conversas e dar assunto aos cronistas de plantão. Mas, para o cidadão, o cara que dá duro na vida, o que trabalha e de quem se exige que faça tudo certo, para esse o que passa é que não dá para aguentar tanta história de desfaçatez.

Acontece que não sabemos no que e em quem acreditar. Imagine um país em que uma CPI seja instaurada com regras estranhas e com a finalidade de roubar atenção ao julgamento de outro grande escândalo que há anos se arrasta nos meandros da Justiça. Essa situação não se assemelha àqueles roteiros enrolados de filmes norte-americanos nos quais você fica sem saber quem é do bem e quem é do mal? O que nos leva a perguntar: quem, afinal, neste Brasil é do bem e quem é do mal?

Pois aí está o Procurador Geral da República negando-se a comparecer á CPI do Cachoeira porque entende que o que querem mesmo é desviar a atenção sobre o próximo julgamento do mensalão. Também corre a notícia da intenção de converter a CPI em “CPI da imprensa”. E por aí vai. Quanto a nós, meros espectadores dessa balbúrdia diária, organizada com o nosso rico dinheirinho, o que nos resta é trabalhar para o bem do Brasil (e do nosso).

Assim passam esses dias que nos fazem sonhar com um porvir mais calmo, os tais dias melhores que talvez nunca venham a se consumar. Dias de boas notícias, de consenso, de justiça feita, das coisas em seus devidos lugares, bandido na cadeia, gente boa em cargos públicos etc.

Mas, o bom é que não se perde a esperança. A esperança está no DNA dos brasileiros, daí sobrevivermos a todas as desgraças.

Milagres acontecem, não é verdade? Então, quem sabe, a longo prazo, num futuro não tão distante…

Escrito por Ayrton Marcondes

10 maio, 2012 às 12:25 pm

escreva o seu comentário

Pernas de políticos

escreva o seu comentário

Quem não viu ou não se lembra da foto do ex-presidente Jânio Quadros, flagrada num momento em que as pernas dele estavam torcidas e os pés virados para lados diferentes? Jânio era de fato um tipo muito estranho, talvez por ser muito diferente tão adorado pelos seus patrícios que o conduziram à presidência da República. Mas, Jânio trairia a confiança de seus eleitores renunciando à presidência num episódio que ainda hoje suscita especulações apaixonadas. Da renúncia de Jânio ao começo da ditatura militar passaram-se apenas três anos, nos quais o governo do então presidente João Goulart deu assunto a valer para historiadores, biógrafos e toda sorte de escribas que têm tratado do assunto.

O caso é que a estranha foto de Jânio é exibida em quase toda vez que se decide citá-lo e mostrar a sua impressionante figura. Ela parece revelar o verdadeiro Jânio, proprietário de muitas esquisitices que compunham o seu modo de ser. Inteligente, possuidor de uma verve fantástica que utilizava em seus pronunciamentos, era todo ele a imagem escancarada do inesperado, daquele a quem não se sabe bem o que poderá fazer em seguida.  

Mas, nos últimos tempos quem tem frequentado a berlinda é o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab. Tendo saído do DEM e fundado um novo partido, o PSD, Kassab tem sido criticado por gregos e troianos pelo seu senso de oportunismo, negociando alianças na base do que poderá render mais politicamente. Nada de projeto político para o país, nada de convicções: a aliança a ser estabelecida para as próximas eleições municipais poderá ser feita com o PT ou com o PSDB, isso tudo dependendo dos juros políticos conseguidos na negociação. Isso é o que se propaga, o que se fala por aí.

Entretanto, as coisas não andam tão bem para Kassab que, aparentemente, mudou muito desde o tempo em que assumiu a prefeitura de São Paulo. Pois não é que entre tantas coisas que atraem a atenção sobre ele o prefeito conseguiu repetir a famosa cena da foto de Jânio?

Aconteceu ontem, na catedral da Sé, onde o prefeito estava para assistir à missa rezada por ocasião do aniversário da cidade de São Paulo. A foto mostra o prefeito com as pernas torcidas e os pés apontando para direções diferentes, posição muito semelhante à de Jânio na célebre foto dele já citada.

Se fotos estranhas representarem algum tipo de revelação é bom que Kassab se cuide porque a Jânio aconteceu renunciar. Kassab vive no momento a sua indefinição em relação a quem se aliar, ele que é o patrono do novo PSD. Além disso, tem enfrentado críticas e protestos. Ontem mesmo, ao sair da catedral, enfrentou uma chuva de ovos atirados por manifestantes que protestavam contra a ação na Cracolândia e a reintegração de posse em São José dos Campos.  Ainda bem que nenhum ovo atingiu o prefeito, mas os seguranças dele passaram por muitos apuros.

Mas, fica aí um aviso sobre pernas de políticos. Achávamos que, em relação às pernas, Jânio fosse único, fato desmentido por Gilberto Kassab. O melhor é daqui pra frente observarmos melhor as pernas de políticos. Talvez elas tenham muito a nos informar, ajudando-nos a votar com mais consciência nas próximas eleições.

Memórias apagadas

escreva o seu comentário

O ministro do Trabalho comparece ao Senado e admite falha de memória em relação a declarações que fez há poucos dias, no mesmo lugar e diante das mesmas pessoas. Fato inquietante. Pior impossível, não?

Mas, o ministro continua em seu cargo, no governo, embora a pressão da oposição para que renuncie ou, ainda, seja afastado pela presidente da República.

Interessante observar o compasso da circulação dos fatos. O ministro está a caminho de sua saída e fica cada vez mais sem apoio, sozinho diante das circunstâncias. Ele tenta se defender, contando uma história inacreditável sobre falha de sua memória. No fundo é impossível que alguém seriamente acredite na versão atual dos fatos dada pelo ministro. Existe, sim, um contingente de pessoas que interesseiramente, acredita. Mas, o caminho da demissão está traçado só restando esperar a marcha dos acontecimentos.

A política é assim, plena de entradas e saídas, nem tanto surpreendente. O mais interessante é que as memórias sobre os acontecimentos, mesmo os mais recentes, se apagam com velocidade impressionante. No caso do ministro não é só a falha de memória dele que interessa: depois que ele sair de seu cargo os holofotes o deixarão para trás e também os acontecimentos em que esteve envolvido cairão no esquecimento. Quem duvida que se lembre de casos terríveis envolvendo corrupção cujos autores ainda hoje esperam por punição.

Do que se torna justo afirmar que tudo isso parece mais uma grande encenação. Entra ministro, sai ministro depois acusações sérias, mas é como se nada tivesse acontecido. A lógica de tudo parece ser a de que a vida continua e ponto final.

Chroma key

escreva o seu comentário

O chroma key é um recurso muito útil para  quem trabalha com filmes e fotos.  Trata-se de um fundo de cor azul ou verde, bastante uniforme, que é colocado atrás de quem está sendo filmado ou fotografado. O interessante é que esse fundo pode ser posteriormente retirado, colocando-se em seu lugar uma imagem de interesse, uma paisagem por exemplo. Filmes de ação utilizam muito o chroma key: atores gravam cenas de perigo diante de um fundo azul ou verde que depois é substituído por imagens futuristas etc.

Eis aí uma coisa que poderia ser feita no Brasil, envolvendo inúmeras situações ligadas às atividade política no país. Seria muito interessante se entrevistas de personagens públicas envolvidas em falcatruas fossem gravadas com um fundo removível para depois serem editadas com motivos adequados ao contexto, grades por exemplo. Cairiam bem, também, imagens de presídios e mesmo algumas tomadas ao vivo durante assaltos a bancos. Outra sugestão seria utilizar como fundo pessoas em intermináveis filas esperando por atendimento, enfermarias lotadas e em péssimas condições, casebres onde vivem famílias enormes e assim por diante. Nesse caso o editor de imagens estaria apostando no contraste entre o enriquecimento ilícito e a miséria que assola grande parte da população do país.

Pode ser que a sugestão de uso do chroma key não cole. Imagino que políticos, por exemplo, não se sujeitarão a conceder entrevistas sem saber de antemão que imagens serão utilizadas como pano de fundo às suas declarações. É pena porque o que se quer é transparência: todo mundo sabe da importância de imagens que contextualizem cenas, se possível até com efeitos sonoros que proporcionem melhor efeito às palavras emitidas pelos declarantes.

 No momento está na berlinda o Ministro de Esportes, acusado, em entrevista concedida à “Revista Veja”, de ter recebido propina. O ministro nega, mas o acusador diz ter provas que apresentará nos dias seguintes. Como ficaria o caso do ministro em termos de uso de chroma key? Bem, no momento não há porque se duvidar da inocência dele que, assim espero, venha a se confirmar. Portanto, para a edição de uma entrevista dele com possibilidade de troca de fundo o melhor é trocar o verde ou o azul, por imagem ligada ao esporte, a da construção do Itaquerão, por exemplo. Entretanto, se as coisas se complicarem nos próximos dias e sobre o comportamento do ministro pairar alguma dúvida aí será hora de mudar o fundo por algo contundente que, por enquanto, nem imagino.

Eis aí mais um ministro do governo Dilma sendo acusado. Do jeito que as coisas vão pode ser que talvez um dia, no futuro, se alguém tiver a ideia de tirar uma foto do Brasil, o melhor venha a ser mudar o fundo, trocando o azul das águas que banham o litoral por algo de cor mais forte, roxo, por exemplo.

Só para lembrar

escreva o seu comentário

Renan Calheiros no Conselho de Ética, cúpula petista favorável ao retorno de Delubio Soares ao partido, políticos mudando de sigla a meio caminho de seus mandatos. A política brasileira continua a de sempre e não invejo os comentaristas políticos que diariamente esgrimam nos meios de comunicação, tentando explicar o inexplicável.

Enquanto isso a oposição se esfacela, tropeçando em seus próprios calcanhares. Nenhuma novidade no front, nenhuma proposta nova, tudo como dantes no quartel de Abrantes. As duas frases anteriores espelham a política brasileira atual: um achado de lugares-comuns dos quais se locupleta um público cada vez mais desinteressado.

Existem meias-verdades que podem tornar-se úteis, quem sabe até se converterem em verdades completas. A coisa se passa como naquele poema do Drummond que fala sobre uma porta pela qual só pode passar metade da verdade, nunca uma verdade inteira. No final das contas as duas meias podem depois se juntar e não se sabe bem no que vai dar. A ideia do poema se aplica bem à política: estamos sempre sendo informados de parte de um fato que passa a ser pelo menos metade da verdade sobre ele. A outra metade vem mais tarde, em geral com aval de gente importante. Nesse sentido o caso do Delúbio é exemplar. A primeira meia-verdade era a de que ele estava sendo injustiçado. Assim, com o dedo da Justiça apontado para ele, mas defendido até pelo presidente, ele passou pela porta. A segunda meia-verdade é essa de agora quando líderes do PT decidem colocar fim ao exílio do antigo tesoureiro. Na reunião do partido a acontecer no próximo final da semana Delúbio será reincorporado e a segunda metade atravessará a porta. O que não se sabe é no que vai dar quando as duas meias se juntarem e a impunidade brilhar na escuridão.

Em todo caso não custa lembrar: houve um tempo em que fomos bombardeados por notícias sobre corrupção, políticos renunciaram para não serem cassados e tesoureiros foram afastados de seus cargos. Monumentais acusações fizeram tremer a República e botaram no chinelo aquela outra história de corrupção, a do PC Farias, que derrubou um presidente.  Mas, agora a tempestade passou, os que se molharam trocaram de roupa e estão de volta. Caras limpas, como se nada houvera acontecido, página virada, sorrisos largos como convém aos ressuscitados.

A República do Batom

escreva o seu comentário

Senhoras e Senhores, Irmãos de Opa, Membros da Confraria dos Contribuintes do Imposto de Renda, Cidadãos e Cidadãs da Terra Brasilis: está em curso a constituição de uma nova nomenclatura política no Brasil, a começar pela denominação de República do Batom.

Pensando bem, a eleição de uma mulher para o cargo de presidente da República não poderia dar noutra coisa. Nada contra mulheres no poder, pelo amor de Deus. Mas há que se acostumar com novas maneiras de ser porque, queira-se ou não, o chamado sexo frágil acaba de dominar um dos últimos redutos da masculinidade e virilidade nacional.

Fato de tal magnitude obviamente não passa sem novas caracterizações. Uma delas, muito importante, refere-se a mudanças léxicas no modo de expressar opiniões sobre pessoas e situações. Nesse sentido há que se elogiar a nova presidente por ter dado o pontapé inicial: ela nomeou como “três porquinhos” os três coordenadores de sua campanha. O apelido caiu bem dado que os três estão bem gordinhos. Coisa de mulher. Coisa de mulher presidente da República.

O que há de vir depois disso não se sabe, mas é previsível. O presidente do Banco Central, aquele cara dos juros altos, logo, logo vai virar Tio Patinhas. Para a cambada de políticos que vive metida em mensalões, aprovação de obras públicas sem licitação, troca de favores, nepotismo, dinheiro escondido na meia etc, para essa quadrilha toda a comparação com os Irmãos Metralha cairia muito bem. E por aí vai.

Quando da vitória de Dilma o jornal “The Economist” cobrou dela para que não fosse apenas “um Lula com batom”. Pediu demais, mas quem sabe. Em todo caso, seria muito bom se a nova presidente contasse com um pouco da sorte do presidente a quem vai substituir. Nos oito anos em que esteve à frente do governo Lula contou com muita calmaria no cenário internacional e passou bem pela crise que afetou os mercados. Agora fala-se em nova crise global com a quebradeira na Irlanda. Internamente a dívida pública é alta e há que se considerar os perigos das muitas concessões feitas pelo governo atual em várias áreas: elas poderão se constituir num forte percalço à administração da nova presidente.

Mas, que ninguém se preocupe: não se trata de nada que não se resolva com prime, uma boa base, pó fino e natural, blush, rímel e um batom de cor forte, mas que não chegue a ser berrante. O povo gosta e o mais importante é ser feliz.

Quem sabe!

O afastamento de Tasso

escreva o seu comentário

Eleição no Brasil não é coisa simples, não. Em primeiro lugar estão os candidatos, fauna variada e capaz de surpreender. Ao lado de gente muito boa, pululam candidatos cuja vitória nas urnas depende da decisão do STF sobre a lei da Ficha Limpa; há os que são favorecidos pelos votos de legenda; os que renunciaram anteriormente para não serem cassados e agora concorreram a novos cargos públicos; o incrível caso do palhaço Tiririca que recebeu mais de 1 milhão de votos, sobre quem paira a suspeita de ser analfabeto; e assim por diante.

O tempo passa e, bem ou mal, algumas caras se renovam na política enquanto outras se afastam. Na eleição de domingo dois grandes caciques regionais não foram reeleitos para o Senado: Marco Maciel e Tasso Jereissati. Maciel recebeu homenagem no Congresso por sua longa carreira política, tendo ocupado, inclusive, a vice-presidência da República. A imagem de Jereissati confunde-se com a de seu estado, o Ceará, onde sempre foi figura proeminente.

De Marco Maciel vi uma foto tirada enquanto discursava no Congresso; já Tasso veio a público no dia seguinte para fazer declaração realmente bombástica: não mais será candidato a cargos públicos. Afasta-se, assim, o grande empresário e político cearense de sua atividade política, embora com a ressalva de que fará de tudo para eleger José Serra presidente. No mais, afirmou, passará a levar uma vida mais tranquila.

Os jornais cearenses trouxeram em manchete de primeira página a desistência de Tasso. Falou-se em fim de uma era. A atitude do político cearense, de todo inesperada, provocou comoção pública, levando seus companheiros de partido a lamentar pelo fato.

O homem que apareceu na televisão para anunciar que não mais se canditará a cargos eletivos era a própria imagem da derrota e ressentimento. Habituado a vencer e contando com o respeito de seus concidadãos, pesou a ele demais a derrota. Uma noite mal dormida e a decepção de quem sempre manteve trajetória de defesa do bem público levaram-no à decisão, certamente apressada.

 O fato é que a política é verdadeiro ópio do qual não é fácil se separar. O derrotado de hoje pode ser o vitorioso de amanhã e vice-versa; políticos que se afastaram voltaram a governos carregados pelos braços do povo. Considerando-se fatos da natureza dos citados torna-se justo perguntar se a desistência de Tasso Jereissati é definitiva. Provavelmente ela o é, no íntimo do homem, firme em sua decisão tanto como se espera dele; não o será, entretanto, no animal político que coabita, sob a mesma pele, com o homem.

Na vida dos políticos sempre existe a possibilidade de um chamado ao qual não se pode ignorar. Joaquim Nabuco, monarquista até a raiz dos cabelos, negava-se a servir ao regime republicano: questão de ideologia, de formação, de vergonha, de perfil. Entretanto, quando o país precisou de quem o defendesse em questões internacionais Nabuco não pode se recusar a servir sua pátria.

Por ora fica assim. A ver o que o futuro reserva ao senhor Tasso Jereissati.