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Pobre Zimbábue
No que o Brasil faz 2X0 contra o Zimbábue os meninos da escola explodem de alegria. Não importa que seja jogo treino e o adversário o nunca temível Zimbábue. O que vale é bola na rede e o grito profundo: Goooool… Brasillllll!
Ao lado do campo Dunga, com cara de gente sadia, bate palmas e sorri um de seus escassos sorrisos. O locutor da TV desmancha-se, afinal é a seleção.
Ninguém olha para as arquibancadas onde estão os naturais de Zimbábue, país governado pelo ditador Robert Mugabe. A vida por lá não é fácil: campeia a pobreza demonstrada por todos os indicadores econômicos.
Não se nega que a presença da seleção brasileira sirva para trazer alegria ao sofrido povo do Zimabábue. Mas, que me perdoem os torcedores brasileiros, vou torcer para que o Zimabábue esboce pelo menos uma reação no segundo tempo, proporcionando alegria ainda maior à sua torcida.
Isso pode ser chamado de falsa solidariedade com a África ou, se quiserem, sentimento de culpa pela pobreza dos outros. Mas, não importa: o que vale é ver a turma de Zimbábue feliz, ainda que só por um instante.
Dos usos de “nosso(a)”
Foi um amigo, professor universitário e conversador brilhante, quem me advertiu, tempos atrás, sobre os perigos do uso indiscriminado da palavra “nosso(a)”. Segundo ele tomamos coisas que não nos pertencem de fato como nossas. Dessa posse, por vezes indevida, resulta a assunção de responsabilidades que não nos pertencem.
O meu amigo deu exemplos. Referiu-se à mania que temos de dizer “nosso governo” quando, na verdade, trata-se do governo do país, exercido por determinadas pessoas e não necessariamente “nosso”. Do mesmo modo – disse ele – fala-se em “nosso exército”: trata-se de um tremendo arroubo de posse sobre o exército brasileiro que, aliás, pertence ao país e não exatamente a nós, habitantes da mesma terra.
Lembrei-me disso ao assistir um debate pela televisão no qual o ex-chanceler Celso Lafer referiu-se à “nossa” política externa. Discutia-se o acordo firmado pelo Brasil com o Irã e os participantes tomavam como “nosso” o desempenho da atual chancelaria brasileira. O fato é que a ocasião revelou-se muito propícia para uma reflexão sobre o uso do pronome possessivo dado que a posição do governo em relação ao Irã não é de consenso. Afinal, fomos “nós brasileiros’ que fizemos o acordo com o Irã? É válido dizer que atos de política externa são “nossos”? Segundo o meu amigo coisas assim carecem de sentido e o emprego de “nosso(a)” é totalmente indevido.
Mas, não há exemplo melhor que o proporcionado pela ocasião em que se aproxima a realização da Copa do Mundo. A “nossa” seleção está para entrar em campo defendendo as cores nacionais. Provavelmente inexista qualquer outra coisa no país cuja posse seja dividida entre tanta gente. O fato é que nos sentimos donos da seleção: a vitória dela é “nossa” vitória. Quase não se diz: a seleção ganhou; prefere-se: ganhamos. O curioso é que nesse apaixonado ato de posse da seleção inexiste qualquer domínio de cada um de nós. Tornamo-nos proprietários de algo que em verdade não nos pertence e sobre cujo destino não nos é dado interferir. Vá lá: a seleção é do país, ou da CBF, na pior das hipóteses do Dunga.
Confesso que não tenho opinião fechada sobre esse assunto. O que fiz foi reproduzir o discurso de um amigo com o qual não sei se concordo inteiramente. Fica, portanto, em aberto, sujeito a revisão. De minha parte o máximo que posso dizer é que depois da conversa com o meu amigo tenho usado o “nosso(a)” com mais parcimônia. Longe de mim apropriar-me do que não me pertence.
A Trilogia Dunga
Já vimos “A Identidade Dunga” manifesta em entrevistas – algumas infelizmente lamentáveis - e atitudes. No momento assistimos ao segundo filme da série cujo título é “A Supremacia Dunga”. O roteiro não foge ao esperado: do alto comando do técnico da seleção brasileira emanam decisões como a da reclusão dos atletas, entrevistas apenas com porta-vozes ensaiados, restrições ao acesso do público e imprensa, enfim tudo o que é preciso a quem se prepara para enfrentar uma guerra.
Estamos diante de um curioso caso de retrocesso. À divulgada anarquia que cercou a passagem da seleção na Copa de 2006, parte-se para a linha dura da qual participam principalmente eleitos obedientes. Agora a prioridade nem sempre anda de braços com o talento: dá-se preferência aos mais aplicados. É o imperativo do funcionalismo público no futebol com premiação dos mais cumpridores.
Tudo isso indica que sociólogos e afins precisam trabalhar mais a realidade do país. Um novo painel de atitudes começa a vigorar em vários setores, destacando-se a política e o futebol. Novas regras são ditadas à luz do dia, muitas vezes contrapondo-se a leis. O presidente da República insurge-se contra as leis eleitorais e é seguidamente advertido sem que isso tenha maior repercussão. O técnico da seleção propõe normas arcaicas e parece não importar a ele a desaprovação da imensa torcida brasileira.
Sobre o país de Lula e Dunga pairam novas e desconcertantes luzes. Será assim aquilo a que chamamos de futuro? Deixando de lado a política, a ver o que sucederá no futebol. A Copa está aí e a sorte de Dunga foi lançada. Sem cintura como é o técnico cobrará empenho e vitória, ciente de que deixou para trás o talento de novos jogadores em ascensão, talvez porque falte a eles alguma evangelização.
Copa iniciada será hora do fim da trilogia com o filme “Ultimato Dunga”. O enredo? Ah, só no decorrer da Copa saberemos.
Pobre imensa torcida apaixonada pelo futebol! Mas não duvideis, ó incautos: de repente até pode dar certo porque o país atravessa maré de boa e parece ter força para resistir a tudo.
A fala de Dunga
Em meados dos anos 70, vigorando a ditadura, fui a Belo Horizonte para assistir ao jogo final do Campeonato Brasileiro entre o Atlético-MG e o São Paulo. No avião cruzei com radialistas, repórteres esportivos e homens de televisão: todos eles previam uma vitória fácil do Atlético, mais time, melhor campanha e assim por diante. De fato o Atlético tinha uma equipe invejável na qual despontavam jogadores como Toninho Cerezo e Reinaldo.
Foi a primeira vez que tive oportunidade de presenciar a trepidação de quase toda uma cidade em torno de um jogo de futebol. Belo Horizonte era quase toda ela alvinegra. Bandeiras e camisas do Atlético estavam por toda parte e não se falava noutra coisa que não o jogo do dia seguinte. Vitória certa, festa preparada, os atleticanos deliciavam-se com antecedência, saboreando um título que, supunham, jamais lhes escaparia.
Na noite que antecedeu o jogo fui jantar com amigos mineiros, gente boa e torcedores fanáticos do Atlético. No restaurante realizava-se verdadeira festa com vozerio muito alto, às vezes entrecortado pela vibração coletiva aos gritos de “Atléticooooo”. Foi durante esse jantar que ouvi de um dos amigos, engenheiro na época trabalhando numa estatal, um comentário ao qual preferi silenciar. Falando de si mesmo e suas realizações o amigo emitiu a seguinte opinião sobre o governo e o país de então:
- Veja bem, sou favorável a esse governo que aí está. Antes dos militares o Brasil era uma bagunça. Eu estudei e me formei durante esse governo e consegui emprego numa estatal. Eu me sinto devedor ao governo que me proporcionou essas oportunidades. É o melhor governo que poderíamos ter.
Sem negar realizações dos governos militares, na época estávamos sob a vigência da ditadura. Os tais “anos de chumbo” eram peso muito grande dado o cerceamento de liberdades individuais, torturas etc. Aliás, o melhor mesmo era não tocar em assuntos de natureza política. Assim, nada disse ao amigo em relação à sua afirmação. Mas nunca me esqueci do que ele disse e vida afora julguei ter ele perdido excelente oportunidade de ficar quieto.
Lembrei-me do meu amigo e de sua fala ao ler as declarações de Dunga, o atual técnico da Seleção Brasileira. Em entrevista concedida logo após a divulgação dos nomes dos jogadores convocados para a Copa de 2010, Dunga deu-se ao desfrute de dizer coisas sobre assuntos fora de sua área de atuação. Dizendo que não poderia opinar sobre a ditadura e a escravidão justificou-se o técnico:
- Quem esteve lá, quem sofreu, esse sim pode dar opinião. Eu não posso dizer que a ditadura era boa, ou ruim (se) eu quero que volte. Só quem viveu é que pode nos dar a resposta. É a mesma coisa que eu falar sobre a época da escravidão, eu não vivi, como é que eu vou dizer, ah era ruim, era bom, não sei.
Eis aí outro caso em que uma pessoa perdeu excelente oportunidade de ficar calada. Não que se espere muito do técnico, mas…
Ah, ia me esquecendo: o jogo. A partida final foi realizada num domingo, 05/03/1978. Decidia-se o título brasileiro de 1977. No tempo normal houve o empate por 0X0. O jogo foi decidido através de cobranças de pênaltis, cabendo a vitória ao São Paulo que, na ocasião, sagrou-se campeão brasileiro.
A convocação da seleção
Aproxima-se a convocação dos jogadores brasileiros que participarão da Copa do Mundo de 2010. Como em épocas anteriores há um frenesi em torno dos nomes que sairão da cabeça do técnico Dunga. A coisa chega ao ponto de se refazerem os passos de Dunga ao longo de sua vida com o intuito de entender porque ele é do jeito que é. Ontem, um jornal de São Paulo publicou extensa matéria sobre o técnico, abarcando desde o seu nascimento em Ijuí até os dias de hoje.
Não se discute o fato de que o futebol é paixão nacional. Mais que isso, a seleção ainda retém certa fantasia de nacionalismo caboclo que chega até ser bem-vinda nesses despersonalizados tempos de globalização e dissolução de fronteiras. Nada pode unir tanto os brasileiros quanto os tais noventa minutos em que a “seleção canarinho do Brasil” entra em campo para combater antigos ranços de inferioridade que hoje, graças a Deus, estão sendo abandonados.
O fato é que a torcida brasileira ainda está doída pelo resultado da última Copa. Se os sentimentos nacionais mantiveram-se intactos o mesmo não aconteceu com a nova geração de jogadores hoje intercionalizados e quiçá desenraizados. Trata-se de pessoas que ganham muito dinheiro jogando em clubes estrangeiros, profissionais demais para o gosto popular. Por vezes eles são tão profissionais que se esquecem do verdadeiro profissionalismo, aquele ligado à representação social do esporte que praticam.
Mas, está chegando a hora da convocação. Quem serão os craques que desta vez defenderão o Brasil? Quem serão os soldados escolhidos para mais essa campanha imarcescível em que as nossas cores estarão em confronto com antigos rivais?
É aí que entra o técnico Dunga, aquele que é como é segundo se diz. Mas, o que não se pode olvidar numa hora dessas é que Dunga, mais que tudo, é técnico e sabemos que essa estirpe tem por norma não agir em acordo com aquela que pode ser considerada a opinião nacional. Quem não se lembra de Claúdio Coutinho, do Lazaroni, do Parreira e tantos outros que permaneceram surdos à opinião geral da torcida brasileira?
Pois Dunga está a um passo de escolher o seu partido: ficar entre os técnicos que ouvem ou os que não ouvem. O país clama pela presença de Ganso e Neymar na seleção, mas Dunga, talvez fazendo-se de mais importante do que já é no momento, não dá nenhum sinal de que cederá nesse sentido. Aliá, a opinião dele é que não seria justo deixar de lado os que concorreram para que o Brasil atingisse o atual estágio em que está; não seria justo ignorar o esforço dos jogadores que classificaram o Brasil.
Futebol é momento, instante de quem está jogando bem. O máximo que podemos desejar é bons sonos a Dunga, clareza nas suas interpretações, menos dureza. Quem sabe ele ouve a multidão e dessa vez o Brasil sai daqui com o time que o povo quer.
Grandes Jogos: Seleção Brasileira X Seleção de São Paulo, 1977
16 de junho de 1977. O clima no futebol brasileiro não era dos melhores. As diferenças de opinião apaixonavam as multidões. Desnecessário dizer que, como sempre, a torcida tinha o seu quinhão de razão. O futebol tem desses mistérios: há um momento em que, de repente, surge um consenso, algo gerado pela visão coletiva e que é sempre acompanhado pela surdez dos dirigentes. Todo mundo vê, todo mundo sabe, o óbvio ululante de que nos falou Nelson Rodrigues instala-se. Então, dois ou três homens que detêm nas mãos o poder de mudar as coisas discordam. E dá no que dá, no choro das multidões, nas discussões acaloradas, nas bebedeiras infernais que podem terminar até em morte.
Aquele inverno de 77 não foi um inverno feliz. Estávamos no coração da ditadura. O Almirante Heleno Nunes comandava a CBD. Perdêramos a Copa de 1974 e os princípios de individualidade e criatividade, nossas históricas características, eram condenados. O fabuloso futebol de equipe da Holanda que nos derrotara na famosa Batalha de Dortmund abalara as crenças na individualidade.
Foi desse limbo que emergiu Cláudio Coutinho. Homem moldado sob a rigidez militar, preparador físico bem sucedido e afinado com o método de Cooper, foi chamado para comandar a seleção nacional. Entronizado como técnico fez-se doutrinador de uma teoria de futebol coletivo, posicionamentos não rígidos etc. Coutinho foi mais longe: criou terminologia própria para esquemas de jogadas. Foi assim que termos como “overlapping” e “ponto futuro”, hoje felizmente sepultados, foram incorporados à história do futebol brasileiro.
Coutinho convocou para a futura Copa de 78 jogadores que mais se adequassem, segundo a sua opinião, ao futebol coletivo. Por essa razão, por exemplo, preferiu a garra de Chicão ao grande futebol de Falcão, na época o melhor armador do futebol brasileiro. Obviamente, as opiniões de Coutinho não coincidiam com as da maioria da torcida brasileira que era contrária aos seus métodos.
Foi dentro desse clima que se realizou o jogo entre a seleção brasileira e a seleção paulista. Era uma quinta-feira e um público de quase 103 mil pessoas compareceu ao Morumbi para torcer pela seleção paulista. Todo o inconformismo da torcida paulista com Coutinho se traduzia na necessidade de derrotar a seleção brasileira. Tratava-se de guerra entre irmãos, porém necessária. Aliás, desde o começo do jogo o grande público rendeu homenagens a Cláudio Coutinho: mais de 100 mil pessoas repetiam em uníssono aquele um, dois, três, mil, queremos que o Coutinho vá para….
E foi um jogo e tanto. A seleção nacional começou o jogo com a seguinte escalação: Leão, Zé Maria, Luis Pereira, Amaral e Rodrigues Neto; Toninho Cerezo, Zico e Rivelino; Zé Mario, Roberto Dinamite e Paulo Cesar. Os paulistas tinham: Valdir Peres, Gilberto, Beto Fuscão, Zé Eduardo e Claúdio Mineiro; Badeco, Ademir da Guia e Palhinha; Vaguinho, Enéas e Zé Sérgio.
A partida foi eletrizante desde o primeiro minuto. Os paulistas seguraram bem a seleção nacional no primeiro tempo que terminou empatado em 0 a 0. A linha de São Paulo era leve e terrível, atuando com dois pontas avançados (justamente o oposto daquilo em que acreditava Coutinho) e tinha no meio o fenomenal Enéas. Infelizmente para os paulistas do outro lado havia Luis Pereira, um dos maiores centrais da história do nosso futebol. Pereira tirava tudo, toda a trama dos dois pontas com Enéas terminava em seus pés ou nos seus cortes pelo alto.
Por outro lado, a seleção brasileira contava com jogadores excepcionais. Rivelino, Zico e Cerezo compunham um meio de campo de dar inveja a qualquer equipe em qualquer época. Daí que o jogo foi uma sequência de lá e cá, realmente emocionante.
No segundo tempo foram realizadas substituições nos dois times. Entre elas impressionou muito a troca de Zico por Paulo Isidoro. Era de se ver Isidoro, então craque do Atlético Mineiro, cruzando a linha média paulista, correndo de um lado para outro com a bola, infernizando a defesa contrária.
A seleção nacional emudeceu o Morumbi logo no início do segundo tempo com um gol de Paulo Cesar. Mas os paulistas se recuperaram através de um pênalti convertido por Cláudio Mineiro.
O jogo terminou empatado em um gol para cada lado. No final houve um escanteio para os paulistas. Zé Sérgio cobrou maravilhosamente, mas Luis Pereira, sempre ele, tirou de cabeça e desfez o sonho de vitória dos torcedores locais.
Na saída do Morumbi o público mostrava-se conformado. Se as teorias de Coutinho não serviam, os valores individuais continuavam dando consistência à seleção nacional. Seria assim durante a Copa de 78 na Argentina. Mas isso já é outra história.