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Em tempos de flagelados fantasmas
Não adianta: continuamos assombrados pelos fantasmas do futebol. A seleção perdeu e, três dias depois, a mídia escrita não trata de outra coisa. Há, sim, um esforço para retornar às manchetes sobre economia e assuntos políticos. Mas, a coisa anda devagar. Dunga ainda está entranhado nas goelas dos brasileiros, não desce de jeito nenhum, vai ser difícil digeri-lo, tirar a imagem dele da memória.
Agora, mais que nunca, o autoritarismo de Dunga vem à tona e o insucesso é explicado pela política de reclusão dos jogadores, imposta pelo técnico. De repente o escondido Jorginho, o auxiliar de Dunga, é retirado das sombras e se fala sobre a traição dele ao grupo por ter trazido sua família à África do Sul, contrariando tudo o que pregava ao grupo.
Os jogadores da seleção chegaram ao Brasil hoje e não foram bem recebidos. Ninguém entende o descontrole emocional daquele segundo tempo contra a Holanda e pede-se socorro aos psicólogos de plantão: deve existir uma explicação para tanta desgraça ocorrida num lapso de 45 minutos que se eternizam nas nossas memórias.
Querendo fugir dos fantasmas do futebol – por favor, inventem outra coisa para que esqueçamos a Copa – dou de cara com os flagelados fantasmas. Quem são eles? Trata-se de gente que está se aproveitando da tragédia provocada pelas chuvas em Alagoas. De repente, na destruída cidade de Palmares, aparecem pessoas de outros lugares que se infiltram nos abrigos dos verdadeiros flagelados para compartilhar da ajuda que esses vêm recebendo.
Tempos diabólicos esses, não? Fantasmagóricos mesmo. Seria engraçado não fosse horrível.
Dunga, flagelados fantasmas, ora…
A mão uruguaia
Pertenço à geração que cresceu achando que o Uruguai foi um dos maiores responsáveis pelo tal complexo de vira-lata dos brasileiros. Os uruguaios estragaram a festa brasileira de 50 na tragédia que ficou conhecida como “Maracanazo”. Nomes como os de Obdulio Varela e Ghiggia, jogadores uruguaios, assombraram os sonhos futebolísticos do Brasil por muito tempo. Meu tio assistiu à final de 50, no Maracanã, e falava de Obdulio como de um super-homem. Mil vezes descreveu o tapa de Obdulio na cara do defensor brasileiro Bigode, coisa que nem mesmo sei se de fato aconteceu. E aquela escapada de Ghiggia pela direita, colocando a bola no fundo das redes do goleiro Barbosa, entrou para a história do Brasil talvez como fato mais impactante que batalhas travadas durante a Guerra do Paraguai.
Depois disso o Brasil venceu duas Copas e aconteceu 70. De repente o timaço brasileiro de 70 teve que se defrontar justamente com o Uruguai, em partida do mata-mata. Rapaz, ninguém dormiu. Não importava que os jogadores de 70 sequer se lembrassem da tragédia de 50: era a alma brasileira que estava contaminada pela derrota anterior e uma espécie de fantasma pairava sobre as cabeças. No fim o Brasil venceu o jogo e, dois jogos depois, sagrou-se campeão mundial.
Fiz as pazes com o Uruguai muito devagar. Creio que o armistício começou quando conheci Montevidéu e pude entender um pouco a natureza daquela gente boa que divide fronteira com o Brasil. E não pude deixar de me apaixonar por um país pequeno, cuja população é de cerca de 3 milhões de habitantes, comparável a algum Estado brasileiro. A partir daí acompanhei com tristeza as dificuldades do Uruguai, os reflexos da ditadura que vigorou no país por muito tempo e o verdadeiro desmanche do futebol uruguaio que levou de roldão equipes tradicionais como o Penãrol e o Nacional. E como não simpatizar com os grandes jogadores uruguaios que fizeram história nos clubes brasileiros? Pedro Rocha, Dario Pereira, Lugano, quem se esquece deles?
Então veio o jogo de ontem entre as seleções de Gana e do Uruguai. Creio que muita gente torceu por Gana, pela África, pelo complexo de miséria que, aliás, não é o caso de Gana. Outros torceram por Gana porque ainda não perdoaram ao Uruguai o feito de 1950. De modo geral, exceto pela solidariedade latino-americana, pode-se dizer que o Uruguai entrou em campo praticamente sozinho para jogar contra Gana. De fato, era visível a torcida pela seleção africana para a qual penderam os povos de língua inglesa, por exemplo.
Pois torci pelas ruas de Montevidéu, por Punta Del Este, pelo pequeno Uruguai que, enfim, recupera seu prestígio diante do mundo. Vi com alegria o renascimento da famosa raça uruguaia, a busca da vitória quando ela já parecia impossível. A mão do jogador Suárez que se levantou para impedir a entrada da bola nas redes uruguaias, no último instante da prorrogação, entra para a história como um dos momentos mais significativos de todas as Copas.
Os noticiários da noite de ontem mostraram a alegria do povo nas ruas de Montevidéu. As imagens funcionaram como bálsamo num dia de tristeza no Brasil cuja seleção foi, em campo, o retrato exato, irretocável, das limitações do homem escolhido para comandá-la.
O grande silêncio
O que há por aí é um grande silêncio. É preciso lembrar que muitas vezes o silêncio fala mais que turbilhões de palavras. O silêncio tem seus meios de se expressar: ele permite a comunicação pelos gestos, pelo olhar, tantas vezes pela simples curvatura do corpo ou um gesto apenas simbólico.
O grande silêncio de hoje começou logo após a derrota da seleção brasileira. No começo deixou-se macular pelo choro, por lágrimas e faces contraídas: o tal silêncio às vezes ruidoso nascido de revolta e inconformismo. Depois, tudo foi se tornando calmo, plácido, como um corpo que já não respira, não se bate, torna-se frio e expressivo dentro de sua profunda falta de expressão.
O silêncio que se abateu hoje sobre a nação foi o de derrota, irmão gêmeo de esperanças falidas, de desejos negados, de sonhos acabados. De tão grande, tão imenso e voraz, o silêncio tornou-se agressivo, asfixiante.
Ele está agora lá fora, nas ruas, no coração dos homens. Traz consigo o significado da decepção, de amores subitamente desfeitos, de sexo interrompido.
Hoje a nação torcedora do Brasil não pode gozar. O coito com a bola foi interrompido por uns caras mal ajambrados, coloridos de laranja extravagante, intrusos que acenderam a luz alaranjada antes da consumação carnal do desejo coletivo.
Foi assim que o Brasil perdeu e a Holanda ganhou. E agora este silêncio, a sensação aguda de algo perdido e irremediável, de colapso de talento, da falta de amor próprio de um povo que parece só ser solidário através de uma bola rolando.
Elano triste
Aí está a foto de Elano, em close, no alto da primeira página. Impossível demonstrar tristeza maior que a desse jogador de repente impedido de jogar por causa de uma contusão.
Não importa o que se diga. Os clichês, “pátria de chuteiras”, “ufanismo verde-amarelo” e “o patriotismo é o último refúgio dos canalhas” não se confundem com a realidade de um homem isolado cujo drama é não poder jogar.
“A espera de um milagre” deixa de ser título de filme para se transformar nas palavras do médico da seleção: ele garante que só por milagre Elano voltará a jogar nesta Copa.
Não é preciso gostar de Elano, nem aprovar o futebol dele. Não importa se ele é essencial ou não para a seleção. O que vale é essa foto ao acaso, foto de drama que diz mais que todas essas bandeiras do Brasil penduradas por aí, meio sem que se saiba por que, como se estivéssemos vivendo uma enorme festa junina verde-amarela.
A foto nos lembra que de que há um brasileiro sofrendo na África e isso vale mais que muitos discursos e abraços oportunistas. Não importa se Elano está triste porque não pode jogar ou porque não pode defender o Brasil. Na verdade nem mesmo o drama importa: o que vale é essa tristeza na face do homem, exibida a todos nós, fazendo-nos lembrar de que nem tudo é glória, que o mal pode acontecer até mesmo através de um jogador de outra seleção que, de repente, maldosamente arrebenta com a perna de um seu colega de profissão.
“Cala a boca Galvão”
Termina o jogo entre as seleções do Brasil e de Portugal. Jogo fraco, sem emoções, entediante, sonolento. Alguém ao meu lado fala em acordo entre compadres. Outra pessoa corrige: acordo de comadres.
Alguns jogadores do Brasil saem de campo com aspecto triunfante: o que importa é o resultado, a classificação em primeiro lugar no grupo. Os comentaristas das redes de televisão batem na mesma tecla: não havia porque se arriscar se o empate favorecia o Brasil. Ninguém nega a falta de criatividade dos jogadores e o futebol burocrático da seleção. Mas existe uma desculpa: é Copa do Mundo, o que vale é a classificação.
Na TV Globo, o narrador Galvão Bueno lembra que o Brasil pode não ter jogado bem, mas que, no próximo jogo, venha quem vier, haveremos de vencer. Afinal é o Brasil. O ufanismo verde-amarelo parece ser constitucional no narrador.
A frase “Cala a boca Galvão” tornou-se um dos tops da internet. Seria interessante conhecer o perfil econômico das pessoas que concordam com ela. Sendo o veículo a internet é de imaginar que maioria dos adeptos do “Cala a boca Galvão” pertença a classes de melhor formação. Se assim for o fato se justifica: é às pessoas mais bem informadas que incomoda o ufanismo de Galvão Bueno. Brasileiros capazes de enxergar a realidade do país, encoberta pela nuvem de grande progresso que se propaga por aí, são os mais descontentes com a tal “pátria de chuteiras” ou o “sou brasileiro” inscrito nas bandeirinhas pregadas nos carros.
É significativo o número de pessoas que não está torcendo pelo Brasil. O desencanto tem a ver com fatores como o ufanismo, a confusão entre patriotismo e feitos da seleção, o fato dos jogadores serem desconhecidos por atuarem no exterior e o técnico Dunga, em cujo bloco ninguém quer desfilar.
Dentro desse contexto, o ufanismo fácil de Galvão Bueno surge como piada de mau gosto. Galvão faz lembrar aquele Dr. Pangloss para quem se vive no melhor mundo possível. Talvez por essa posição utópica o narrador esportivo venha sendo tão lembrado através da campanha “Cala a boca Galvão”.
Uma coisa não se pode negar: o Galvão é proprietário de um otimismo invejável.
Religião, futebol, comunicação, esoterismo
O Brasil não vai ganhar a Copa 2010. Quem diz isso? O oráculo. Mas, baseia-se em que o grande oráculo? Terá visto nas cartas, nos búzios, na configuração desfavorável das estrelas? E o Cruzeiro do Sul, a cruz brasileira pregada no céu, não vai ajudar em nada?
As respostas a essas e outras perguntas ficam por conta do oráculo. Do pouco que obtivemos, através de fontes privilegiadas, pode-se apenas dizer que o oráculo apoiou-se, em sua previsão, na confusão reinante na seleção brasileira e fora dela. Veja-se o caso do jogador Kaká que desabafou dizendo-se discriminado por conta de sua fé religiosa. E que dizer do pau que está comendo entre o Dunga e a Rede Globo? E o pessoal que investiu grana alta no patrocínio da seleção e agora reclama dos treinos fechados nos quais é vedado o acesso da imprensa?
Como se observa até a religião está metida na confusão. E a FIFA não está dizendo amém, daí proibir comemorações em nome de Jesus ou de quem quer que seja. Enquanto isso o Dunga faz pé firme na sua obstinada cruzada pelo silêncio e reclusão dos jogadores: o que importa é a concentração, estar vidrado no jogo, entregar-se de corpo e alma aos 90 minutos que trarão glória ao Brasil.
O que o Dunga não sabe é que existem outros meios de chamar a turma aos brios. Lembram-se? Depois da participação vexaminosa da seleção na Copa de 66 estávamos em frangalhos. O João Saldanha, jornalista e técnico da seleção durante as eliminatórias para a Copa de 70, conseguiu unir o grupo criando uma história na qual os jogadores surgiam como feras. Eram “as feras” pra cá, “as feras” pra lá. Esse mote logrou incendiar a alma nacional, de repente éramos todos, jogadores e torcida, feras, raçudos, imbatíveis. E o Brasil foi o que foi na Copa de 70.
Talvez o oráculo esteja certo e o Brasil não venha a ser campeão. Quem pode com os astros se não estiverem favoráveis? Mas de uma coisa estejam todos certos: se o hexacampeonato mundial não vier, a decepção não será grande. Isso fica patente quando se observa o envolvimento do povo por ocasião dos jogos da seleção. Há, sim, grande interesse, mas nada parecido com aqueles 90 milhões em ação. Aquela febre de fanatismo que a televisão mostra depois das vitórias não está tão difundida assim. Então, não há como negar: o fato é que Dunga e seus pupilos não empolgam. Pode até ser que dependendo dos resultados dos próximos jogos a situação mude e todo o país passe a vibrar com a seleção. Mas não sei não, talvez só o oráculo tenha resposta para isso, ele que é tão bom em fazer previsões.
A dor de dente dos jogadores
O pau comeu no bar da esquina, perto de casa: um cidadão comemorou o gol da Coréia em meio a fanáticos torcedores do Brasil que assistiam ao jogo pela televisão. O rapaz do quarto andar do prédio onde moro, aquele que anda sem camisa para mostrar a enorme tatuagem no braço, estava lá e me contou que deram uns sopapos no tal cidadão. Não aconteceria não fosse a cervejada - disse-me o rapaz.
Talvez, talvez. Certa vez fui assistir a um jogo no Morumbi entre São Paulo e o Botafogo de Ribeirão Preto. Na época o anel superior do estádio era identificado como arquibancada – hoje me parece que é geral. Pois comprei uma “bancada” de um cambista e lá fui eu para o anel superior, sentando-me no meio da torcida tricolor. Acontece que fui para o estádio sem pensar no assunto e, na ocasião, vestia uma camisa verde. Foi o que bastou para o pessoal da torcida organizada determinar que eu fosse um palmeirense infiltrado. Depois de muita discussão, não tive outro remédio: tirei a camisa verde e me arranjei com uma do São Paulo que os organizados me deram. Tive sorte: os caras ainda estavam sóbrios, a cervejada veio depois e aí eu já estava integrado.
O rapaz da tatuagem no braço me disse que o cidadão que apanhou não tinha jeito de torcedor da Coréia. Nem olho puxado ele tinha - disse o rapaz. De minha parte, não sei não. Hoje em dia não se pode confiar em ninguém. Não vi o cidadão, mas pode bem ser que ele seja algum estrangeiro que esteve na Coréia ou coisa assim e se apaixonou pelo lugar. O mais provável, porém, é que seja alguém que se irritou com o jeito de jogar do Brasil e tomou a arriscada decisão de torcer contra, bem ali, dentro do bar.
É possível. Leio nos jornais que há gente torcendo contra porque tem arrepios só em pensar que, se o Brasil for campeão, o Dunga poderá ser eternizado no cargo de técnico da seleção. Aliás, escrevem que essa seleção é a cara do técnico: burocrática, laboriosa, empenhada e nada criativa. Isso equivale mais ou menos a dizer que os onze do Brasil jogaram com dores nos dentes, daí que queriam que a coisa terminasse logo para ir ao dentista. Ou coisa parecida. Mas, que os dentes atrapalharam, isso atrapalharam como se viu, tal o desapego dos valentes rapazes com a bola durante o jogo.
E os coreanos? Rapaz, sobre os coreanos o melhor é apenas dizer que são coreanos, embora eu não seja capaz de distingui-los de outros povos orientais. No fim, como se diz por aí, é tudo japonês e pronto. Agora, quanto a chutar bola pode-se dizer, sem medo de errar, que os coreanos não são do ramo. Não faria diferença se a bola fosse só um pouquinho mais achatada ou coisa que o valha. Ainda assim, um daqueles caras de uniforme vermelho de repente arrancou e meteu a bola nas redes brasileiras. Foi quando o tal cidadão comemorou ali no bar da esquina e foi agraciado com uns sopapos em nome na nacionalidade brasileira ultrajada.
O rapaz do quarto andar não vestiu a camisa para entrar no elevador. Entramos no de serviço e, notando que ele estava arrepiado, perguntei se não estava com frio. A resposta dele foi estranha:
- Pô, os nossos jogadores aguentaram sensação térmica de 5º abaixo de zero.
Não compreendi bem a relação de solidariedade e não dissemos mais nada.
Depois do jogo, na televisão só se falava da seleção. Vi jogadores dando entrevistas e pensei em dentes cariados. Jogar com dor de dente é duro, tolhe a criatividade, a coisa não anda e até a Coréia vira ameaça. Só uma coisa assim pode explicar a atuação dos brasileiros.
Abaixo as vuvuzelas
Imagino o que seja atravessar boa parte o mundo para assistir aos jogos da Copa do Mundo sob o ininterrupto ruído das vuvuzelas. A coisa é brava. Aquele som de fundo, constante, que se ouve durante a transmissão dos jogos pela televisão já é irritante. Ao vivo, então, como será?
Um amigo me responde: não queira saber. O que me deixa perplexo é o fato de um camarada pagar ingresso caro para ver um jogo e passar todo o tempo soprando uma vuvuzela. Vá lá que seja gostoso uma vuvuzelada ou outra; mas, o tempo todo? E o jogo?
Noticiou-se que a FIFA está decidindo sobre a proibição das vuvuzelas. São muitas as reclamações e existem os direitos daqueles que não querem ser atormentados com tanto barulho. Entretanto, o mal está feito: o novo instrumento existe e corre-se o risco de que seu uso se espalhe pelo mundo.
Aqui perto de casa tem um palmeirense proprietário de uma corneta. Cada vez que acontecia um gol do Palmeiras, ele saía à janela e nos agraciava com um solo longo e profundo. Depois o Palmeiras foi caindo, gols rareando e o torcedor decidiu vingar-se de todo mundo, cornetando até nos gols dos adversários. Foi o jeito que ele escolheu para protestar, há que se entender uma alma palmeirense ferida.
Mas, a coisa não parou por aí. O fato é que esse meu vizinho, torcedor do “Verdão”, tomou gosto pela sua corneta e passou a tocá-la toda vez que acontece um gol, em qualquer jogo. Ele não perde oportunidades para soprar o seu malvado instrumento cujo som entra nas nossas casas em tom de desafio do tipo “eu posso, ninguém me impede”.
É assim que agora, durante a Copa, estamos sendo duplamente prendados com o som das vuvuzelas e o da corneta do palmeirense, simultâneos.
Segundo meu amigo a minha bronca com as vuvuzelas está ligada à minha pregressa irritação com a corneta do meu vizinho. Não sei não, pode até ser. Na verdade eu gostaria que este texto pudesse ser acompanhado do som da corneta que agora pouco soou aqui, ao lado da minha casa. Tenho certeza de que, então, você entenderia melhor o que estou dizendo.
Finalmente, rogo a atenção das autoridades brasileiras para que mandem vigiar aeroportos, portos e as nossas fronteiras no sentido de impedir a entrada de vuvuzelas no país. Que sejam criadas leis terríveis e aplicadas penas máximas aos empresários que produzirem vuvuzelas em território nacional. A vuvuzela é uma praga que se espalha, daí a obrigação do governo em impedir a sua disseminação. Além disso, já temos cornetas comuns, para que vuvuzelas?
Espero que me ouçam antes que todos fiquem surdos de tanto ouvir o barulho provocado pelas tais vuvuzelas.
Muito obrigado pela atenção.
A colher de cada um
Não adianta: Copa em andamento, não se fala noutra coisa, o assunto é futebol. De repente a bola governa os interesses, resultados de jogos calam fundo na opinião. Ninguém está livre, mesmo os que detestam futebol tal a pressão do tema em todos os meios de comunicação.
A Copa do Mundo desperta toda sorte de análises e comentários. Existe o caso – específico – dos profissionais que ganham a vida escrevendo ou narrando coisas do esporte. São jornalistas esportivos de ofício e todo mundo sabe o que deles se espera, alguns mais lúcidos, outros menos dotados e uns poucos até obtusos. Isso sem falar nos narradores de jogos pela televisão e pelo rádio, alguns deles bastante criticados. Ao titular da Globo, Galvão Bueno, os críticos não perdoam os excessos de ufanismo. Mas o Galvão parece não ligar: ele é do jeito que todo mundo sabe, mudar seria bobagem.
O mais impressionante fica por conta de gente subitamente convertida em analista esportivo. Trata-se de pessoas que normalmente não trabalham na área, mas que na época de Copas se arvoram entendidos. Meu amigo, se duvida, abra os jornais deste domingo: encontrará análises variadas sobre o futebol em si, as circunstâncias que o cercam, a importância do esporte, o esporte como traço de identidade nacional, as relações entre o futebol e o samba como expressões culturais, o papel da mestiçagem na formação dos craques nacionais, o complexo de vira-lata, a inesquecível tragédia de 1950 e por aí afora.
Nada demais nisso tudo, não fossem as impropriedades publicadas no calor da hora, no afã de participar de uma imensa cobertura que cubra todos os aspectos da competição. Entre as impropriedades talvez a pior seja a relacionada com a atual situação da África do Sul, país sede da Copa e nem por isso livre de grandes problemas e tensões internas. Não faltam na imprensa sociólogos de última hora interessados em retratar a realidade sul-africana, dimensionando-a em acordo com as necessidades de suas reportagens..
Meu amigo, a Copa do Mundo é um vendaval de impressões e notícias. As fantásticas ferramentas tecnológicas utilizadas para a cobertura do evento abrem um leque praticamente infinito de possibilidades para apresentações. Disso tudo o melhor fica por conta das mais de trinta câmeras utilizadas para a transmissão dos jogos. As imagens, tomadas de diferentes ângulos e em alta resolução, são realmente espetaculares. Olhe que ficam bem melhores quando se tira o som da televisão para escapar de algumas narrações e do chatíssimo e insuportável barulho de fundo provocado pelas vuvuzelas.
Esse pequeno artigo não pretende isentar-se das críticas nele contidas. Ele não passa de mais um escrito “no afã de participar da imensa cobertura”.
O dia dos namorados e a Copa
Provavelmente não exista situação mais esclarecedora das diferenças entre os gostos de homens e mulheres que o período de realização da Copa do Mundo. Ninguém é louco de dizer que mulheres não gostam de futebol, mas o interesse da maioria delas está longe do dos homens. Quem discorda que acompanhe a rotina nas casas brasileiras neste fim de semana em que se realizam vários jogos pela Copa do Mundo. Agora olhem para a lente da verdade e respondam: quem são os loucos que acordaram cedo, num sábado muito frio, para assistir ao terrível embate entre as seleções da Coréia do Sul e a da Grécia?
Pois é. Mas, para dar força à argumentação, pelo amor de Deus imaginem que hoje, dia dos namorados, o Brasil tivesse um jogo contra a Argentina, pela Copa do Mundo, justamente às 21h30. Como ficaria a situação dos casais, o movimento dos restaurantes, as baladas, os encontros marcados e tudo o mais? Já pensaram em quantas relações desfeitas poderia resultar um joguinho desses, bem nesta noite, contra os hermanos?
Há quem discorde, há quem discorde. Existe a turma do deixa disso para quem o brasileiro é um tipo inventivo e ajeitaria as coisas. Mas um joguinho desses, Brasil X Argentina, justamente na noite do dia dos namorados, convenhamos que fica difícil, muito difícil.
Por essas e outras devemos muito comemorar esta noite do dia dos namorados. Rapazes, vocês estão livres de qualquer pressão, não serão obrigados a fingir que o jogo é secundário, que em nenhuma hipótese vocês dividiriam a atenção para com as pessoas amadas, ainda mais por uma besteira como um jogo de futebol. Nem precisarão estar em algum lugar com elas, olhando para todo lado atrás de uma telinha com a transmissão do jogo. Portanto, comemorem porque o mundo é bom, a justiça existe e cada coisa tem a sua hora e está em seu lugar.
E não se esqueçam de amanhã de manhã, exatamente às 8h30, de perguntar a elas - caso estejam acordadas - se não querem ficar aos seus lados assistindo ao grande jogo entre a Argélia e a Eslovênia.
Perguntem. Será uma grande demonstração de amor se elas toparem.