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O peso da convicção

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Os regimes autoritários sugerem inúmeras interrogações. Afinal, durante a vigência deles estabelecem-se regras de exceção às quais são submetidas populações inteiras. Existem, sim, dissidências que não raramente apelam para a violência como forma de reação ao poder estabelecido. Os vários movimentos terroristas em geral nascem da revolta contra um Estado estabelecido, mas nem sempre de Direito.

O assunto é pertinente. Em várias partes do mundo vigoram governos autoritários que, através do uso da força, abafam resistências incômodas. Por uso da força entenda-se a repressão em todos os graus, em geral pautada pelo assassinato puro e simples daqueles que divergem dos governos.

Os exemplos são muitos e, para ficar apenas na vizinhança, aí estão os regimes ditatoriais latino-americanos de triste memória. Ontem mesmo um canal de televisão exibia a entrevista de uma dissidente argentina que afirmava não saber explicar como sobreviveu numa época em que seus companheiros eram anestesiados e jogados de aviões nas águas do Rio da Prata.

Uma das questões mais intrigantes sobre os regimes ditatoriais diz respeito ao modo como um pequeno grupo de pessoas que chega ao poder impõe a sua vontade, apoiando-se em escalões inferiores que obedecem, às vezes cegamente, as suas ordens.  É verdade que em meio a tais escalões existem pessoas que encontram nos regimes de exceção oportunidade para o exercício da própria bestialidade: trata-se de torturadores cujo perfil parece ser talhado para períodos em que a democracia não passa de utopia e anseio reprimido da população. Mas, e os que não torturam? Como se dá a adesão aos regimes de força que imperam em várias partes do mundo ao custo de martírio de seres humanos?

Certamente existem várias respostas. Recentemente ouvi algumas durante entrevista de um dissidente iraniano, radicado em Londres, que faz uso de todos os meios a ele disponíveis para combater o governo de Abadinejad. Segundo o dissidente o governo iraniano não se sustenta por convicção, mas pelo dinheiro: os vários escalões do governo e seus subalternos pertencem a uma estrutura no qual a adesão à ideologia na verdade não importa, valem os salários e benefícios. Outra razão seria a de que os meios de protesto da oposição iraniana (internet etc.) estão sob o controle do governo.

As ditaduras latino-americanas impressionavam pelo poder de repressão e manutenção da ordem imposta pela força. No caso do Brasil foi de fato marcante o modo como os movimentos terroristas não prosperaram dada a eficiência com que foram combatidos. A questão do longo domínio ditatorial certamente terá várias explicações, entre as quais se sobressaem as características do momento histórico em que ocorreu. Se as forças que apoiaram os governos de então o fizeram mais por convicções ideológicas que outros aspectos talvez seja difícil avaliar. Entretanto, impressionava-nos o zelo com que mesmo funcionários e militares dos escalões mais baixos executavam as determinações superiores. Acreditavam no regime ou eram apenas beneficiários?

Vida de eleitor

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debateLavagem de roupa suja é uma das atividades mais marcantes do atual Congresso Nacional. A convite ou sob a ação de Comissões Parlamentares de Inquérito pessoas comparecem ao Congresso para depoimentos tantas vezes terríveis para a classe política do país e adjacências.

O interessante é que as sessões assim realizadas têm caráter verdadeiramente orgástico: a temperatura das discussões entre os parlamentares se eleva, ânimos se exaltam, graves acusações e ameaças são trocadas. O resultado? Em geral nada porque das discussões passa-se à fase de apurações e o processo é lento dadas as características do sistema judiciário do país. A meio caminho explode outra grande falcatrua que afasta do primeiro plano a anterior e tudo fica como dantes, no quartel de Abrantes. É quando presenciamos a participação na vida pública de pessoas sob as quais pesam graves acusações que, com o tempo, são mais ou menos ignoradas e olvidadas. Vai daí que continuam livrinhas por aí, às vezes sendo lembradas ou indicadas para cargos de alta relevância.

É assim que os brasileiros aprendem a rir do Brasil, coisa que parece fazer parte do espírito da nacionalidade.  De escândalo em escândalo vai-se vivendo até que ocorram novas eleições e, teoricamente, os brasileiros tenham oportunidade de punir pelo voto aqueles que maltratam a República. Teoricamente porque a manipulação de grande parte do eleitorado é efetiva, os dinheiros públicos são investidos em campanhas de candidatos escolhidos e o voto de cabresto continua a ser uma aviltante realidade no país.

No meio disso tudo fica o eleitor consciente à espera de programas dos candidatos e discussões de alto nível que o ajudem a optar pelo que for melhor para o país. Ao invés disso, o que recebe são notícias sobre corrupção, dossiês, inverdades de lado a lado e muita conversa mole jamais relacionada com os interesses maiores da população.

Não é simples a vida de eleitor no Brasil, exceto quando o voto é trocado por algum benefício.

O Rambo norte-americano

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Gary Faulkner, 51 anos, é na vida real o Rambo norte-americano. Ele foi detido no Paquistão portando uma espada, uma pistola e óculos de visão noturna. Sua intenção era caçar sozinho Osama Bin Laden. A detenção de Faulkner aconteceu numa floresta próxima à fronteira do Paquistão com a província afegã do Nuristão. É o que se lê no noticiário.

A suposição de que Bin Laden viva na fronteira entre o Paquistão e o Afeganistão levou o Rambo norte-americano a agir na região. É de se imaginar se sua missão não está ligada àquele coronel dos filmes, o amigo do Rambo a quem treinou. É o coronel que sempre adverte aos cinéfilos sobre o potencial de Rambo, ex-soldado capaz de sobreviver em condições inumanas e destruir exércitos inteiros.

Infelizmente a foto de Gary Faulkner, publicada nos jornais, não sugere que ele tenha as aptidões do Rambo do cinema. É um sujeito de cabelos longos e barba grisalha, com óculos de aro fino que dá a ele jeito de intelectual ou sonhador. Não se vê o aspecto físico, mas Faulkner não parece ser do tipo musculoso, apto a aventurar-se numa floresta sozinho, ainda mais à caça de Bin Laden.

Seria muito interessante se Faulkner capturasse Bin Laden: um só homem teria sucesso onde estrategistas e militares americanos falharam redondamente. Mais que isso, a prisão de Bin Laden por Faulkner serviria para dar credibilidade aos filmes de ação cujas cenas se mostram cada vez mais inverossímeis.

Estamos no século XXI, é preciso acreditar em algo e talvez uma missão bem sucedida do Rambo real viesse a contribuir muito para isso.

Pobre Zimbábue

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zimbabueNo que o Brasil faz 2X0 contra o Zimbábue os meninos da escola explodem de alegria. Não importa que seja jogo treino e o adversário o nunca temível Zimbábue. O que vale é bola na rede e o grito profundo: Goooool… Brasillllll!

Ao lado do campo Dunga, com cara de gente sadia, bate palmas e sorri um de seus escassos sorrisos. O locutor da TV desmancha-se, afinal é a seleção.

Ninguém olha para as arquibancadas onde estão os naturais de Zimbábue, país governado pelo ditador Robert Mugabe. A vida por lá não é fácil: campeia a pobreza demonstrada por todos os indicadores econômicos.

Não se nega que a presença da seleção brasileira sirva para trazer alegria ao sofrido povo do Zimabábue. Mas, que me perdoem os torcedores brasileiros, vou torcer para que o Zimabábue esboce pelo menos uma reação no segundo tempo, proporcionando alegria ainda maior à sua torcida.

Isso pode ser chamado de falsa solidariedade com a África ou, se quiserem, sentimento de culpa pela pobreza dos outros. Mas, não importa: o que vale é ver a turma de Zimbábue feliz, ainda que só por um instante.

Variantes de campanha eleitoral

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Recebi, por email, o link de vídeos com os pronunciamentos de José Serra e Dilma Roussef ao empresariado, em São Paulo. Gentileza da amiga Guta, filha de enormes amigos, que terminou o email ponderando a quem assistisse aos vídeos que julgasse quem poderia vir a ser melhor presidente da República.

Vá lá que não se possa ter definição do perfil do melhor candidato apenas por um pronunciamento: há que se levar em conta fatores como temática, ocasião etc. De modo que deixo de lado minha a opinião e recomendo aos interessados acesso ao link que me foi gentilmente enviado:

http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/ele-e-candidato-ela-e-candidata

Mas a campanha prossegue. Dilma abriga-se sob o manto de Lula e faz promessas em sintonia com o governo. Serra parece ter-se assustado com o empate em intenções de voto recentemente divulgado pelo Datafolha e tem partido para o ataque. Os jornais de hoje chamam a atenção para uma declaração mais bombástica do candidato tucano. Segundo ele afirmou a Bolívia é cúmplice de traficantes.

A intenção de Serra ao dizer coisa assim é justamente criticar o governo Lula e o modo de estabelecimento de parcerias do Brasil com países da América Latina. Por outro lado, a declaração gerou protestos de autoridades bolivianas: o embaixador da Bolívia no Brasil exigiu que Serra apresentasse provas.

Como se diz por aí, o circo está em plena função. Nós, eleitores, conhecemos bem esse caminho, sabemos que a temperatura vai esquentar. De minha parte só sinto que a campanha eleitoral ocorra justamente no ano das eleições presidenciais. Nesse sentido me pergunto a quem melhor servirá uma possível vitória do Brasil. A primeira impressão é que seja um prato quente para o governo e sua candidata. Entretanto, vale lembrar que estamos falando sobre política, território onde tudo pode acontecer.

A ver quem vai faturar com a vitória ou a derrota do Brasil na Copa do Mundo.

A negativa da ministra-chefe

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O depoimento da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff como testemunha no processo movido pelo Ministério Público contra 39 réus no caso do mensalão constitui-se numa peça e tanto pela natureza do seu conteúdo.

A ministra-chefe negou a existência do esquema do mensalão, dizendo ser impossível que partidos políticos exigissem “vantagem financeira”; afirmou que ex-ministro da Casa Civil e deputado cassado José Dirceu (PT-SP) é um “injustiçado”; negou conhecer o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, tido como o “operador” do esquema do mensalão; elogiou deputado Paulo Rocha (PT-PA), que renunciou ao mandato para se livrar de condenação na época do escândalo do mensalão; e defendeu o ex-deputado Professor Luisinho (PT-SP), que não se reelegeu depois da denúncia do mensalão. São informações publicadas pela imprensa.

E agora? O que nos resta para pensar? Senhora ministra-chefe, a senhora que é pré-candidata à presidência da República, considere, por favor, a situação em que ficamos todos nós, os eleitores que votarão em 2010. Afinal, em quem devemos acreditar? No depoimento que a senhora fez sobre o mensalão aí Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), sede provisória da presidência da República, em Brasília? Ou em tudo o que aconteceu naquele terrível espaço de tempo durante o qual a República teve aberto o seu ventre para a exposição de acusações terríveis que tanto nos chocaram?

Eis aí uma situação que se enquadra à perfeição dentro de um sistema binário do tipo aconteceu/não aconteceu, verdade/mentira etc. Num sistema desse tipo está-se no território que os matemáticos chamam de eventos mutuamente exclusivos, nos quais a ocorrência de um significa a não ocorrência do outro. Enfim: se existiu ou não o mensalão, e ponto final.

Dirão que não é tão simples, o evento em questão é muito complexo, etc. Mas numa coisa devemos insistir: detalhes à parte, nós precisamos saber se afinal houve ou não o mensalão porque o que está em jogo é a confiança que temos nas instituições, nos políticos, nos candidatos que se apresentarão às próximas eleições e, por que não, na imprensa.

O povo brasileiro é calmo e ordeiro, gosta de festa, adora foguetório e quase sempre esquece muito depressa tudo o que acontece, especialmente aquilo que o incomoda. Mas a história do mensalão, essa aí ainda não foi possível esquecer. Afinal, a imensa massa de brasileiros que trabalha e paga taxas muito altas de impostos foi, durante um bom tempo, bombardeada, dia e noite, por um noticiário que incriminava muita gente, envolvendo grandes somas de dinheiro público. Na época houve até gente que, para se livrar de perder o mandato, renunciou e saiu pela porta dos fundos do Congresso, esperando que a fraca memória popular os esquecesse até que pudessem voltar aos seus postos.

Então era tudo mentira? Fomos enganados por alguma campanha maléfica engendrada pela mídia? Ou a própria mídia foi enganada por gente muito esperta e usada para espalhar mentiras que abalaram o país?

Senhora ministra-chefe, eu jamais escreveria isso se o assunto não me incomodasse tanto. Entretanto, como tantas outras pessoas, eu me vejo entre duas versões irreconciliáveis sobre um mesmo fato. Espero, sinceramente, que esse assunto venha a ser esclarecido antes das eleições do ano que vem para que eu possa votar com muita consciência.

Sabe, é um voto só, um votinho. Mas é o meu.

Sondando o mundo do meu poleiro particular

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Segunda-feira. O telefone toca, são sete da manhã. Uma mulher pergunta:

- A Adair está aí?

 - Não senhora a Adair não está, aliás, nunca esteve.

- Mas o número não é…

Não a deixo terminar, coloco o fone fora do gancho, preciso dormir mais alguns minutos porque o dia vai ser longo.

Não sei quanto tempo se passa até que ouço a campainha. Levanto-me com dificuldade, vou até a porta e me preparo para ver através do olho mágico. Demoro um pouco, sempre tive medo dos olhos mágicos: e se for um assalto ou um crime planejado a ser praticado por um sujeito de sangue frio que justamente nesse momento tem o cano do revólver do outro lado da porta esperando pelo meu olho?

No corredor estão o zelador do prédio e um vizinho do andar de baixo. Vem ele se queixar de um vazamento. Reclamo que é muito cedo, que posso eu contra canos que se rebelam nas madrugadas? O vizinho me ouve, faz uma careta, não sei se de revolta ou desconsolo e diz:

- É que está caindo muita água. O senhor poderia fechar o registro até que se chame um encanador.

Fecho a porta, fecho o registro, fecho os olhos, estou de novo deitado. É quando toca o despertador, agora sim é oficial.

Levanto-me de uma vez, pego o barbeador elétrico e ligo a televisão. A comentarista de economia aparece no vídeo com um cabelo enorme e arrepiado, creio que passou a noite toda fazendo o penteado tão estranho. Ela fala sobre o crescimento da economia no Japão e anuncia o fim da crise naquele país. Em seguida aparece um repórter policial dizendo que prenderam um pedófilo com três meninas num motel. O pedófilo é um cara meio velho, cabelos brancos, gordo e tem cara de gente bem de vida. Fico pensado na mulher dele, quem sabe com a televisão ligada e vendo o marido preso, isso tudo antes das oito da manhã que é horário mais que fatídico, hora de receber notícias novas na cara sem apelação.

Chove em Niterói, a ponte que liga a cidade ao Rio tem movimento razoável. Brasília também tem sol, vejo São Paulo debaixo dos fios da ponte estaiada, carros passando pela marginal como se estivessem pregados ali repetindo o movimento de todo dia.

Termino a barba, mudo de canal porque não agüento a gritaria do intervalo comercial, alguém muito sensato e poderoso tem que proibir o aumento de volume da televisão durante os comerciais.

Estou me vestindo e pensando no café da manhã quando ouço notícias sobre o empenho do governo em perpetuar-se no poder: não foi só o aumento do bolsa-família, fecharam em torno do presidente do Senado um esquema absurdo de defesa só para garantir alianças partidárias. O presidente da República não faz outra coisa que não agir em função da continuidade do seu grupo no próximo governo, ainda que para isso tenha que sacrificar princípios que defendeu no passado e por eles foi eleito.

Ainda que apressado, arranjo tempo para um gole de café que desce quente goela abaixo queimando um pouco a língua. Então me lembro de um ensaio do historiador Eric Hobsbawm no qual ele diz que muitas vezes supomos que a experiência individual de vida também seja uma experiência coletiva.  Isso representa que cada observador tem, diz ele, o seu próprio tempo de vida, um poleiro particular a partir do qual pode sondar a mundo.

Então é isso, tenho o meu próprio poleiro para observar o mundo e acompanhar a trajetória das pessoas em tempos e circunstâncias diferentes. E se conto com essa possibilidade penso não estar tão longe de uma opinião coletiva ao repetir o que todo mundo diz por aí, ou seja, que os políticos atualmente no governo deixaram a ética de lado e fazem qualquer negócio pare se segurarem no poder. Daí que a política adotada não passa de uma série de acobertamentos e favorecimentos realizados sem qualquer escrúpulo.

Estou no elevador junto com uma mocinha que caprichou na quantidade de perfume quando penso em princípios éticos abandonados e no andamento da história. O fato é que o poder inebria e é preciso avisar aos mandatários do país que a História existe, assim como os legados pessoais. Daí que é asneira achar que pouco importa o que se pense a respeito de alguém daqui a alguns anos porque esse alguém já estará morto. Ainda que não exista nada após a morte, ainda que tudo acabe definitivamente, nada de alma nem nada, o fato é que os verdadeiros homens são aqueles que constroem as suas legendas para serem lembrados no futuro pela sua dignidade.

Vai daí que não adianta ter uma trajetória de apelos pela ética para depois inebriar-se pelo poder e pactuar com tudo o que se negou antes com veemência. A História não costuma perdoar esse tipo de gente. Quando as sortes estiverem definitivamente seladas e o tempo houver decorrido, será sobre lápides empoeiradas que os historiadores do futuro escreverão a História dos homens desses tempos. E não existe saga pior que o julgamento dos pósteros sobre o caráter duvidoso de quem quer que seja.

Estaciono o carro na garagem do prédio onde trabalho imaginando o horror de ser lembrado pelo que se fez de pior na vida. Em breve encontrarei as pessoas de todo dia, falaremos sobre o futebol e alguém mais inflamado tocará no assunto política. Acontece todo dia, fala-se sobre tudo, discute-se a linha de impedimento, de vez em quando alguém se lembra de políticos e pergunta como algumas pessoas podem mudar tanto. Como sempre a conversa prossegue e em geral termina com alguém dizendo que fulano de tal não mudou nada, sempre foi assim, o fato é que antes ele disfarçava, esse que está aí é o verdadeiro.