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Paroles, Paroles
Aquela voz masculina que se ouve ao fundo da canção “Paroles, Paroles”, interpretada pela cantora Dalida, você sabe de quem é? Não? Olhe, a voz pertence ao ator francês Alain Delon.
Numa propaganda veiculada, tempos atrás, se dizia: o tempo passa, o tempo voa. Pois é, o tempo passa, o tempo voa. Acontece a todo mundo envelhecer, aconteceu também a Alain Delon que agora anda pelos 75 anos de idade.
O Alain Delon? Pois é, ele mesmo. O cara era proprietário de uma beleza incomum, lembra-se? Foi protaganista de filmes importantes, símbolo sexual nas décadas de 60 e 70, trabalhou com diretores de peso, foi casado com Romy Schneider e Natalie Delon. Fez o diabo por mundo afora até entrar aqui em casa hoje por meio de uma foto tirada ontem, durante a sua participação num programa de TV em Cannes.
E daí? Daí que não são justas as rugas no rosto e os cabelos brancos. Não no Alain Delon. Para ele deveriam ter aberto alguma exceção porque o Delon a que nos habituamos é o de “O Sol por Testemunha”, “ O Leopardo” e outros filmes.
Não que o atual Delon não esteja bem, pelo amor de Deus, não se trata disso. É que ele estava melhor no papel de ícone, no qual, aliás, continua vivo nas memórias. Então - parece estranho dizer - a verdade é que talvez seja melhor não entrar em contato com fotos recentes para que nas nossas lembranças permaneçam, intocadas, apenas as imagens do passado. Não é assim com Brigitte Bardot? Quem vai a Búzios e passa pela estátua da atriz francesa na calçada, sentada, vigiando o mar, de qual Brigitte exatamente se lembra? A de ontem? A de hoje?
Num de seus livros o escritor argentino Julio Cortázar inclui um conto cujo título é “A noite de Mantequilla”. A narrativa se dá em torno da luta entre o argentino Carlito Monzón, então campeão mundial dos médios, e José Mantequilla Nápoles. A luta foi realizada em Paris – fevereiro de 1974 – com a vitória de Monzón no sétimo round. Alain Delon foi o promotor do evento e Cortázar refere-se à arena montada pelo ator para a realização da luta.
A observação anterior prende-se a um leque de informações sobre um ícone do cinema do século 20. Mas, o tempo passa, o tempo voa, não perdoa ninguém, corrói ícones, destrói aparências até que, finalmente, reduz tudo a pó. É pena. Ainda bem que o cinema guarda, intactas, cenas do passado que subitamente se convertem em presente.Trata-se de um dos milagres da chamada grande arte, dos poucos meios de que dispomos para enganar a passagem do tempo.
Viva o cinema! Vivas aos ícones que preencheram e preenchem as lacunas da nossa imaginação! Eles são eternos, não envelhecem, nunca morrem, podemos revê-los a qualquer momento, na maioria das vezes na intimidade das salas de nossas casas. Basta um clique no controle remoto. Pronto: a fantasia suplanta a realidade e nos enche de esperança sobre a eternidade.
Breve notícia sobre Joaquim Nabuco
Joaquim Aurélio Nabuco de Araujo (Recife, 19 de agosto de 1849 – Washington, 17 de janeiro de 1810) foi um dos brasileiros mais influentes de seu tempo. Educado na infância por sua madrinha, proprietária do Engenho de Massangana, aí viveu os seus oito anos primeiros anos, ocasião em que mudou para o Rio de Janeiro, onde foi morar com seus pais. O pai, José Tomás Nabuco de Araújo, mudara-se para o Rio para exercer as funções de deputado e, mais tarde, de Senador do Império.
Hoje, 17/10/2010, completam-se 100 anos da morte de Joaquim Nabuco, ocorrida em Washington e ocasionada por uma congestão cerebral. Na época, Nabuco exercia a função de embaixador do governo brasileiro em Washington onde se tornara figura notável. De fato, granjeara respeito e amizade do presidente norte-americano Theodore Roosevelt e tornara-se, até mesmo, uma espécie de atração turística: por ser homem de rara beleza e perfil aristocrático conta-se que os cocheiros paravam defronte a casa dele para dizer que ali morava o homem mais belo da América. Pela beleza pessoal Nabuco era chamado de “Quincas, o Belo”.
Atrativos pessoais a parte, Nabuco notabilizou-se como diplomata, político, orador, poeta e memorialista. Foi importante líder abolicionista e amigo pessoal de Machado de Assis – as cartas entre eles foram reunidas em livro com um precioso prefácio de Graça Aranha. Quando da Proclamação da República Nabuco, ferrenho monarquista, desiludiu-se, entregando-se à produção de seus livros. Só anos mais tarde, a convite do então presidente da República Campos Salles, aceitou a função de advogado do Brasil, na defesa dos direitos do país na disputa com a Grã-Bretanha pela fixação das fronteiras da Guiana Inglesa.
Joaquim Nabuco terá sido um dos maiores intelectuais brasileiros daí, com muita justiça, ser considerado como um dos intérpretes do Brasil. As gerações mais recentes, para quem Joaquim Nabuco é desconhecido, muito têm a aprender com esse notável brasileiro que, entre outras realizações, deixou-nos obra da qual se destacam os livros “Minha formação”, “Um Estadista do Império” e “O Abolicionismo”.
“Minha Formação” foi publicada em 1900. Trata-se de um livro de memórias, intelectualmente muito rico e com reflexões políticas, principalmente sobre o liberalismo. A obra tem pretensões de ser autobiográfico. Entretanto, não fica só nisso, abarcando vasta temática ligada às inquietações intelectuais do autor, sua experiência e o contato com grandes personalidades de seu tempo. Critica-se no livro o deslumbramento de Nabuco com o luxo e o aparato, aliás, confesso. Mas, trata-se de obra escrita por um grande erudito, importante em vários aspectos, inclusive no que trata da participação do autor na campanha abolicionista no qual a obra se apresenta menos biográfica e mais histórica.
“Um Estadista do Império” apareceu, pela primeira vez, em 1898, impressa em três volumes. A obra é a biografia do pai, o Senador Nabuco de Araújo. Para escrevê-la Joaquim Nabuco valeu-se do arquivo do pai do qual faziam parte cerca de 30.000 documentos, distribuídos entre recortes de jornais, cartas, discursos etc. Em conjunto a obra aborda a História do Brasil através da participação do político, jurista e notável orador, Nabuco de Araújo. Obra de fôlego caracteriza-se pela isenção de seu autor que busca retratar um período da história do país realçando os perfis dos homens que dela participaram.
“O abolicionismo” foi publicada em Londres, em 1883, com a intenção de ser obra de propaganda não dirigida aos escravos, a quem não seria lícito incitar uma revolta , mas aos cidadãos brasileiros a quem cabia a extinção urgente do cativeiro. Outra intenção do texto era combater a idéia difundida no estrangeiro de que a escravidão brasileira seria mais branda que a de outros países da América. O livro não se esgota, entretanto, na proposta de colocar um fim ao regime escravista, considerado criminoso: Nabuco estuda e propõe as opções para o país depois da Abolição. Após apontar o monopólio da escravidão, interligado aos monopólios da terra e do comércio que impediu a formação de pequenas propriedades e de uma classe média, Nabuco propõe um novo modelo de país sem a escravidão. Trata-se de uma grande reforma, espécie de “revolução pacífica” que passaria por uma “democratização do solo”, a reeducação da elite política e a prática do verdadeiro liberalismo.
Uma “breve notícia” obviamente visa apenas chamar a atenção sobre uma grande personagem de nossa história e as obras que escreveu. No caso de Joaquim Nabuco, seus textos continuam vivos cem anos depois de sua morte. Vale a pena conhecer o escritor Joaquim Nabuco, um erudito como poucos, considerado por muitos estudiosos como o mais lúcido e inteligente entre os intelectuais brasileiros.
De “Minha Formação” existem edições de 2004: a da Martin Claret e a da Itatiaia Editora; “Um Estadista do Império” foi editado em 2v, pela TopBooks, em 1997; “O abolicionismo” tem uma edição de 2003, pela UNB. De todo modo, caso não sejam encontrados em livrarias, esses livros podem ser obtidos em sebos.
“Machado de Assis & Joaquim Nabuco, Correspondência. Organização, Introdução e Notas de Graça Aranha” está em 3ª edição pela TopBooks.
O poder das intempéries
Para desespero do governo o apagão teima em não sair dos noticiários. O falatório é grande: técnicos apressam versões sobre o incidente e até se contradizem. Como o governo atribuiu o apagão às intempéries tornou-se necessário comprovar a intensidade das chuvas em determinada região e, mais que isso, a incidência de raios na fatídica noite em que milhões de pessoas ficaram sem luz.
O INPE deu-se ao desfrute de produzir informações contraditórias. Primeiro os técnicos informaram sobre poucos raios e talvez uma tempestadezinha tropical na região onde se deu o corte da energia. Quando o governo forçou a mão, defendendo-se, o INPE voltou atrás: talvez a intempérie regional tenha sido mais forte e blá, blá, blá.
Como a ex-ministra das Minas e Energia é pré-candidata à presidência da República e atualmente está à frente da Casa Civil, os governistas trataram de blindá-la. Foi aí que o presidente Lula interferiu dizendo que “Freud afirmou que existem certas coisas que a humanidade jamais controlará: uma delas são as intempéries”.
Depois disso o presidente saiu-se com uma curiosa explicação sobre as intempéries, poluição, etc: tudo acontece porque a Terra é redonda; se é redonda gira; se gira, passamos sempre pelo mesmo lugar; fosse a Terra plana… e por aí foi.
Estranhei que os jornais da manhã e mesmo o noticiário da Internet nas primeiras horas do dia não fizessem referências ao pronunciamento do presidente. Como se diz por aí, ele estava tirando o bracinho da seringa, atribuindo, com direito à teoria e tudo, a culpa pelo apagão a fatores climáticos sobre os quais a humanidade não tem qualquer controle.
Eu? Ora dizer que me senti um idiota é repetitivo. Nessas horas me pergunto para que diabos me fizeram estudar aquelas chatices de geografia que, no fundo, parecem não servir para nada. O mesmo digo em relação a Freud e só não meto a boca naquele professor de psicanálise que me fez ler “Totem e Tabu” e “A Interpretação dos Sonhos” porque ele já morreu e bater em defunto pega mal.
Daí que o melhor é ficar aqui pensando no que aconteceu ao mundo e porque tudo deu no que deu. Digo isso com algum desconsolo e ciente da fragilidade do conhecimento que, vida afora, adquirimos a tão duras penas.
Mas deixa prá lá; Freud explica.
Vigiando o trânsito
Comprou um apito, vestiu um paletó surrado e foi para a esquina dirigir o trânsito: sinal fechado, apitos, aviso aos pedestres para atravessar; sinal aberto, apitos, mão ao alto proibindo a travessia de pedestres, carros seguindo pela avenida.
Era um mulato mais para magro, cabelos grisalhos, barba por fazer, apito vermelho na boca, desses de brinquedo. Esteve ali durante algumas horas, absoluto, mandando no trânsito, regulando o fluxo. As pessoas o viam, sorriam, fingiam que obedeciam, na verdade seguiam o ritmo dos sinais.
Às três da tarde uma senhora que atravessava a rua deixou cair um pacotinho. Pressuroso o homem do apito correu sem perceber que o sinal abrira. A meio caminho o carro grande o colheu com grande impacto.
Estava no meio-fio quando passei, estendido sobre o asfalto e coberto por folhas de jornal. Perto dele uma enorme poça de sangue emprestava à cena o tom escarlate da desgraça ocorrida.
Uma mulher de cerca de 60 anos dizia a outra que ele era um sujeito bom, gostava de ajudar. Um velhote que presenciara o acidente repetia sobre o perigo das ruas nos dias de hoje. Um policial desviava o trânsito, um fotógrafo registrava a ocorrência. Do outro lado da avenida o movimento na porta do supermercado era o de sempre para o mesmo horário.
Morreu assim, incógnito, sem nome nem nada, vigiando o trânsito. No fim da tarde choveu. O sangue foi parar no bueiro, as pessoas continuaram a atravessar no verde e os carros a correr pela avenida.
É provável que agora, nove horas da noite, ninguém mais se lembre do homem atropelado e morto defronte o supermercado. A vida tem disso, de vez em quando arranja um acidente e sacrifica alguém, talvez para avisar-nos sobre a sua brevidade e o modo como seremos rapidamente esquecidos.
Tragédia do Airbus: entre o público e o privado
O acidente ocorrido com o vôo AF 447, na rota Rio de Janeiro-Paris, suscita questões relacionadas às esferas pública e privada. Exemplo disso são as recentes declarações de um ministro de Estado brasileiro sobre o acidente: de um lado o ministro no exercício de sua função pública proferindo, em nome do Estado, palavras consideradas infelizes; de outro o contexto privado de vítimas do acidente e seus familiares.
Danièlle Sallenave escreve no “Le Monde” sobre esse assunto. Para a escritora francesa a homenagem nacional aos mortos, prestada na Catedral de Notre Dame e com a presença do Presidente da República, foi inoportuna. Sallenave não nega a extrema comoção gerada pelo desastre, a necessidade de compaixão pelas vítimas e conforto às famílias num momento de grande dor. Entretanto, entende que o acontecimento pertence à esfera do mundo privado daí inexistirem razões para a participação do Estado.
É para a confusão entre as esferas pública e privada que Sallenave chama a nossa atenção perguntando-se sobre a razão de ser do evento de vez que homenagens visam “manifestar a alguém seu respeito, sua deferência, por seu mérito, seu espírito de sacrifício, as qualidades iminentes que se mostrou, por exemplo, na realização de uma ação em vista do bem público”. E esse não é o caso quando da ocorrência de acidentes aéreos com vítimas.
Não para aí a articulista: para ela outro grande erro foi o de tratar-se de cerimônia religiosa assistida pelo chefe de Estado francês. Sendo ele o presidente de todos os franceses independentemente de suas religiões e governando um Estado laico não pode participar, enquanto mandatário, de cerimônia religiosa. Poderia, sim, mas como cidadão privado.
O texto de Sallenave é inquietante. Sem negar a coerência de seus argumentos fica-se com a impressão de que é exigente em demasia quando o tema é a comoção pública. Obviamente aqui, no outro lado do Atlântico, as coisas são vistas de modo um pouco diferente, talvez com maleabilidade exagerada quando comparada ao modo de ver de outros povos.
Creio que, no Brasil, dificilmente um articulista escreveria algo parecido com o texto de Sallenave: a leitura de uma homenagem aos acidentados, religiosa ou não, ficaria dentro dos limites da compaixão, da solidariedade, naquele “tudo o que podemos fazer” para abrandar a rude dor que se abate sobre as famílias dos acidentados. Certo ou errado, constitucional ou não, é assim.
Questão de temperamento, cultural talvez. Ainda assim, não se pode negar que as afirmações de Danièlle Sallenave dão muito que pensar.