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João Gilberto
Não sei se é correto dizer que João Gilberto não é amor à primeira vista. Pelo menos foi assim comigo. Como todo mundo ouvi no rádio “Chega de saudade”, pela primeira vez, em 1958. Longe de mim ter percebido a famosa nova batida de João ao violão. Lembro-me apenas de um cantor que me pareceu desafinado e num tom de voz ao qual ainda não me acostumara. Até então vivíamos sob os acordes do samba-canção sob as vozes poderosas de Orlando Silva, Ângela Maria, Cauby Peixoto, Dalva de Oliveira e tantos outros.
Aliás, 58 foi ano de muitas surpresas, para nós destacando-se a conquista da Copa do Mundo na Suécia na qual Pelé revelara-se para o mundo. Lembro-me bem de encontro casual, na rua, com o Lico no qual ele justamente se referiu a João Gilberto, dizendo: aquilo não é música.
João eliminara o vibrato e fazia-se acompanhar ao violão com acordes diferentes que permitiam alongar ou reduzir o tempo da voz. Utilizava dois microfones, um para a voz, outro para o violão o que era novidade. Assim, não só estabelecia o novo ritmo da bossa nova como, depois, recriaria antigos sucessos da música brasileira.
Do cantor que se apresentava em boates chiques do Rio nos anos 50 Gilberto converte-se num ícone da música mundial. De início apresentando-se no Brasil, logo iniciaria a carreira mundial, apresentando-se em várias partes do mundo, inclusive nos EUA onde sempre foi reverenciado. Desde o começo João Gilberto influenciou grandes nomes do jazz e até hoje esse gênero musical deve a ele importantes inovações rítmicas. O lançamento do disco “Chega de Saudade” ao lado do saxofonista Stan Getz tornou-se divisor de águas no mundo musical. Isso sem falar nos novos cantores e músicos que a partir daí surgiram em nosso país, tais como Caetano Velloso, Gilberto Gil, Ellis Regina e tantos outros. Ao lado de João Gilberto também florescia a carreira do maestro Tom Jobim que, a parir dos acordes propostos por João, criaria standards da bossa nova.
Apresentando-se nas mais sofisticadas salas do mundo e diante de plateias exigentes, sendo agraciado com prêmios e reconhecimentos, seguramente nenhum outro artista brasileiro terá alcançado projeção mundial equivalente à de João Gilberto. De modo que para seus fãs soa constrangedora a notícia de que o grande artista, aos 86 anos, encontra-se em situação financeira delicada e, talvez, incapacitado para gerir seus negócios. Publica-se que a filha de João acaba de conseguir na Justiça a interdição do pai para gestão pessoal, patrimonial e financeira. Declara-se, assim, o artista incapacitado para atos da vida civil.
A velhice é período de complexa transição para os seres humanos. Para nós, a quem João Gilberto conquistou a aura de imortal, entristece-nos a revelação de sua atual condição. Embora verdadeiro o fato de que a velhice e a própria morte chegam para todos existem casos nos quais somos levados a pedir alguma consideração do destino em relação a alguns mortais. Seria esse o caso em relação a João Gilberto. Mas, como se disse, a regra vale para todos, ninguém escapa.