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A cabeça na bandeja
James Ensor (1860-1949), pintor belga, não é tão celebrado como Cézanne, Van Gogh e outros modernistas. Sua obra plena de expedientes macabros caracteriza-se pela presença de esqueletos em situações diferentes. Em “A entrada de Cristo em Bruxelas”, quadro mais conhecido do pintor, Jesus está montado em um burrico e tem a sua volta uma multidão. No alto há uma faixa onde se lê “Vive La Sociale” e no primeiro plano aparece um esqueleto usando uma cartola.
“Os cozinheiros perigosos” é outro quadro impressionante de Ensor. Nele se vê a cabeça de Ensor em uma bandeja, sendo carregada por um garçom vestido de branco que a servirá a estranhas pessoas sentadas ao redor de uma mesa. Sobre a cabeça de Ensor há uma etiqueta de identificação com o seu nome. “Os cozinheiros perigosos” é um auto-retrato horrível e macabro.
Lembrei-me de James Ensor ao receber a notícia de que o ex-ministro Antonio Palocci foi absolvido pelo STF acusado que foi pela quebra de sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa. Não sendo jurista e desconhecendo os meandros das leis, devo acreditar que homens do gabarito dos ministros do STF tenham agido acertadamente. Entretanto, caso me apóie no que a imprensa noticiou a respeito do assunto e na opinião de vários juristas, a decisão do STF estourou do lado do mais fraco. E não há porque se negar que o resultado não era o esperado pela população, daí somar-se no imaginário popular como mais um arranjo em torno da impunidade de membros pertencentes à cúpula que governa o país.
Mas foi a imagem do caseiro Francenildo, homem simples cuja palavra foi vencida no embate com a do poderoso ex-ministro, que me levou ao auto-retrato de James Ensor. Caso Francenildo fosse um pintor e se dispusesse a pintar um auto-retrato, como o faria? Pois me pareceu que desenharia algo como “Os cozinheiros perigosos”, pois seria inevitável que entendesse de modo diferente a sequência de fatos que deram a ele tanta notoriedade.
Fernando Rodrigues escreveu na “Folha de São Paulo” que o STF ministrou a caseiros, mordomos, secretários e motoristas de poderosos a lição de que as suas palavras não valem nada. Devem, portanto, tomar cuidado. Acrescento que não é nem um pouco difícil terem as suas cabeças servidas em bandejas por garçons vestidos de branco e a convivas inebriados pelo poder.