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A morte de Salvador Allende
A minha simpatia pelo Chile tem muito a ver com um propagandista de uma empresa farmacêutica. Visitava-me ele, em consultório, toda semana e sempre batíamos um papo. Chileno, era torcedor fanático do Colo colo, colocolino como se diz naquele belo país. Chamava-se Victor e se mandara do Chile após o fim do governo de Salvador Allende, em 1973.
Victor presenciara os primeiros dias da revolta comandada por Augusto Pinochet. Vez ou outra se referia à enormidade da violência cometida pelas forças militares naqueles dias, quando inúmeras perseguições e assassinatos cobriram de luto o povo chileno. Contava sobre a invasão da casa de um seu vizinho, tido como esquerdista e que nunca mais foi visto. Demorava-se também em detalhes sobre o toque de recolher que muitas vezes pegava de surpresa pessoas ainda a caminho de suas casas, obrigando-as a encontrar lugar seguro para passar a noite e esperar o amanhecer. Seria de fato uma temeridade ser surpreendido em plena rua após o toque de recolher. Pessoas em tal situação podiam ser recolhidas ao estádio de futebol que serviu como prisão para pessoas suspeitas, sendo que muita gente jamais voltou de lá. No mais, todo mundo sabe que naqueles dias o terror e o arbítrio foram praticados livremente no Chile: o país foi fechado para o mundo, execuções sumárias se sucediam, corpos boiavam em rios, casas eram invadidas e direitos civis simplesmente estavam suspensos por tempo indeterminado.
Salvador Allende era um socialista e marxista que se destacou pela prática do socialismo em seu país, fato que incomodou os norte-americanos na época da Guerra Fria. A ideia que Allende tentou colocar em prática chamava-se “via chilena para o socialismo”. Allende acreditava ser possível uma transição pacífica para o socialismo no país, respeitando-se as instituições chilenas. Foi assim que iniciou sua política de nacionalizações, chegando-se ao controle estatal de cerca de 60% da economia chilena. Obviamente, tal política contrariou inúmeros interesses ganhando o governo verdadeira legião de opositores. Além disso, ao imperialismo norte-americano era intolerável a existência de um país não alinhado dentro do bloco das Américas. Por essa razão os EUA, particularmente com a intervenção da CIA, passaram a influir diretamente nos negócios chilenos, afetando dramaticamente a economia do país. Por ação dos EUA o Chile sofreu um bloqueio econômico informal que inviabilizou empréstimos no exterior. Com a economia sabotada, inflação muita alta, desvalorização da moeda e insatisfação gerou-se o clima para o golpe militar que poria fim ao governo de Allende.
No dia 11 de setembro de 1973 o general Augusto Pinochet deflagrou o golpe militar com apoio dos EUA. O Palácio de La Moneda, sede do governo chileno, foi cercado pelas tropas golpistas. Allende não se rendeu e sua morte tem sido objeto, ao longo dos anos, de especulações. Existem três versões: a primeira delas é a de que Salvador Allende foi assassinado pelos golpistas; outra é a de suicídio do presidente; uma terceira é a de que teria tentado se suicidar, não conseguindo e sendo morto por seus colaboradores.
Partidários dessas versões não abrem mão de suas opiniões. Isabel Allende, escritora e sobrinha do presidente, acredita no assassinato; a filha de Allende acha que o pai se suicidou.
Nesta terça-feira, uma equipe internacional de legistas divulgou laudo afirmando que o ex-presidente chileno se suicidou. Os médicos estão convictos de que o ex-presidente disparou contra si mesmo usando o fuzil AK-47 que foi dado a ele pelo líder cubano Fidel Castro.
Enfim, parece que o mistério está definitivamente solucionado. Quanto ao Victor, nunca mais o vi. Terá ele retornado ao Chile após o fim da ditadura de Augusto Pinochet? Não sei. Embora essa fosse a sua intenção, Victor casou-se com uma brasileira e parecia afinado com o modo de vida em nosso país. Tomara ainda esteja por aí, tão vivo e ágil como era, bom contador de histórias.