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O último cangaceiro
Morreu neste domingo José Alves de Matos, aos 97 anos de idade. Era funcionário público aposentado. Também era o último cangaceiro de Lampião que teimava em resistir vivo. No cangaço José Alves era conhecido como o Vinte e Cinco dado ter entrado para o bando de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, no dia 25 de dezembro de 1937. Quando entrou tinha seis parentes no bando, entre eles o cangaceiro José Sereno.
Em 1997 publiquei um livro sobre a Guerra de Canudos intitulado “Canudos, As Memórias de Frei João Evangelista de Monte Marciano”. Esse livro resultou de alguns anos de pesquisa e estudo da guerra ocorrida no sertão baiano. Se bem me recordo foi em 1994 que decidi conhecer a região e me inteirar do meio tão magistralmente descrito por Euclides da Cunha em “Os Sertões”.
Aconteceu-me desembarcar em Salvador e ir de ônibus até Monte Santo - antiga Cumbe - onde me encontrei com alguns companheiros com os quais empreendi a viagem aos sertões. Perambulei pela região por cerca de um mês, passando por lugarejos e trilhas, algumas delas há muito abandonadas. Seria demasiado a esse espeço esmiuçar os detalhes daquela incrível viagem na qual pude conhecer outro Brasil, bem diferente desse ao qual estamos habituados. O sol inclemente da caatinga, a vegetação de cactáceas e outros vegetais de regiões secas, a falta de água e a desolação de um meio no qual as pessoas são condenadas à sobrevivência difícil, compunham um quadro de pobreza e falta de recursos realmente inimaginável a quem nasce e vive nas cidades do sul.
Embora o meu interesse fosse sobre Canudos a presença dos cangaceiros de Lampião permanecia viva na memória das gentes do sertão. Em cada lugarejo em que parávamos sempre encontrávamos alguém disposto a contar histórias sobre o bando de Virgulino. Falei com pessoas mais velhas que conheceram o rei do cangaço nas vezes em que ele e seu bando passaram pelos lugarejos onde viviam. Para muita gente era como se Lampião ainda estivesse vivo, errando com seus cangaceiros nas regiões desérticas do sertão. Uma tropa de justiceiros perseguida pela infatigável Volante que um dia cercou-os e matou-os.
A nós que vivemos num ciclo no qual o tráfego de informações é vertiginoso fica difícil compreender que para os sertanejos habitantes de regiões isoladas as memórias da Guerra de Canudos e do bando de Lampião permanecem vivas. Fatos envolvendo o bando de Lampião ocorridos nas décadas de 1920 e 30 do século passado continuam vivos nas narrativas locais como se acontecidos mais ou menos recentemente. A tradição oral na qual os mais velhos transmitem histórias narradas aos descendentes permanece ativa entre as populações dos lugarejos distantes do sertão.
A morte do último cangaceiro do bando de Lampião me devolve as lembranças de um mundo para nós desfeito, mas que continua vivo num Brasil que tão pouco conhecemos. Brasil pobre, zona de caatinga, carros pipa trazendo água, répteis esgueirando-se em meio à vegetação escassa, homens vestidos com trajes de couro de repente assomando-se nas trilhas como se vindos de outros tempos ao nosso encontro.