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Religião e política
Num país de maioria católica o mais esperado é que as crianças convivam, em família, com a prática de religião de seus parentes mais próximos. Se hoje não é assim, se já não é possível generalizar, pode-se afirmar com toda a certeza que era assim. De fato, desde cedo aprendíamos sobre a existência de Deus, ouvíamos as palavras do evangelho e éramos convidados – ou intimados – a participar dos atos litúrgicos da igreja.
Deriva do procedimento anteriormente citado a religiosidade transferida de uma geração a outra, tendo se tornado importante, no país, o crescimento do número de adeptos de outras religiões que não a católica, entre as quais se destaca a verdadeira nação de evangélicos.
Os princípios religiosos recebidos na infância são marcantes. Existem pessoas que nunca os abandonam, jamais deixando de lado as crenças que adotaram; outras mantêm intacta a fé na existência de Deus, mas deixam de lado qualquer tipo de crença; outras, ainda, abandonam a fé se que é que algum dia realmente a tiveram. A muitos desses últimos geralmente acontece romper com a religião pela adoção de ideologias contrárias às doutrinas religiosas. O fato é que a palavra fé tem entre seus sinônimos confiança absoluta mesmo em relação aquilo que não se consegue explicar racionalmente. Por essa razão acontece a pessoas intelectualizadas deixarem de ter fé, não sendo incomum que voltem a tê-la e tornem-se praticantes na velhice. Aconteceu assim a Joaquim Nabuco sobre quem o escritor Graça Aranha afirmou serem “a sociabilidade no princípio e a religiosidade no fim os polos de seu espírito”. Nada de oportunismo, portanto, de adesão de última hora, como sucede àqueles a quem se acusa de adesismo à religião após uma vida de pecados, atitude tomada apenas pelo temor de que o inferno realmente exista.
Faço essas considerações num momento em que a religião é incorporada à pauta da campanha política que elegerá o próximo presidente da República. De fato, a defesa do direito à vida pelos grupos religiosos atingiu nesses dias proporções consideráveis, obrigando os candidatos à presidência a se posicionarem em relação a esse tema e outros de natureza semelhante.
Derivam daí atitudes de políticos atuantes que têm provocado apreensão popular e críticas a partir dos meios de comunicação. Trata-se de uma espécie de adesismo de última hora à religião, no caso da candidata do PT chegando à negação pública de seus posicionamentos anteriores. De repente a necessidade de não perder votos leva a candidata ao paroxismo de assinar carta na qual promete não mudar a legislação brasileira sobre o aborto, caso venha a ser eleita. Note-se que esse posicionamento contraria a conhecida posição da candidata, aliás, confirmada em vídeo que circula no You Tube no qual ela aparece afirmando ser favorável à descriminalização do aborto. Tal atitude tem favorecido o candidato adversário por levantar questões a respeito das verdadeiras convicções da candidata e, mais que isso, sobre como agiria ela ao ocupar cargo de suma importância para o país, qual seja o da presidência da República.
Por outro lado, assiste-se à campanha do PSDB que, obviamente, explora o fato ao valorizar a vida, indicando, claramente, aos eleitores que não se deve votar em alguém de duas caras e assim por diante.
Como já afirmaram alguns analistas não falta cinismo na campanha do segundo turno. Usam-se todos os meios para conquistar o eleitorado, mormente aqueles que tocam o sentimentalismo e a crença das pessoas. Temas de grande interesse público são deixados de lado e o uso indevido do nome de Deus escandaliza.
Volto à infância, às missas nas igrejas do interior, aos sinos que badalam profundamente, como aqueles das igrejas de São João del Rei. Aliás, no cemitério da Igreja de São Francisco de Assis, em São João del Rei, repousa Tancredo Neves para quem os sinos certamente tocam e tocarão.
Por quem tocarão os sinos das igrejas do Brasil no futuro, quando estiverem finalmente deitados os que hoje concorrem à presidência e aquele que agora a ocupa?
Certa vez ouvi de um senhor, em Mariana, Minas Gerais, bem ali na casa onde Alphonsus de Guimarães chorava, em versos, o toque do sino da igreja próxima a ele, que os sinos não tocam por qualquer um.
O que dirá, no futuro, a história sobre esta época de tanto cinismo e conservadorismo? Por quem tocarão os sinos?