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Os novos heróis nacionais
Noite de domingo. A frente fria que fez cair temperaturas nos Estados do Sul chegou à região Sudeste. Ontem choveu, hoje tivemos tempo bom e frio.
Não só porque é noite de domingo – amanhã, bem cedo, a rotina nos espera – mas, também, porque faz frio, não saímos de casa e o jeito é ligar a televisão e dar uma olhada no que está acontecendo.
O grande assunto é a Copa do Mundo que está para ser iniciada. Reportagens transmitidas diretamente da África do Sul caracterizam-se pelo esforço em apresentar o país sede da Copa aos brasileiros. Como não poderia deixar de ser o apartheid é a toda hora lembrado e as notícias giram em torno do contraste entre a minoria bem de vida e a maioria que vive em extrema pobreza. É sempre citado o esforço do governo sul-africano para melhorar as condições de vida da população. Brancos de ascendência inglesa mostram-se céticos quando entrevistados; negros dizem que o apartheid continua vivo.
Por vezes o assunto é a natureza, com ênfase para a fauna da África do Sul rica em animais como elefantes, girafas, rinocerontes etc. Entretanto, o grande destaque das reportagens transmitidas da África do Sul resume-se aos acontecimentos relacionados ao dia-a-dia da seleção brasileira. Mais que isso, engendrou-se na mídia uma forma de endeusamento dos jogadores que são apresentados como modelos de sucesso e verdadeiros heróis nacionais.
Sendo a maioria, senão a quase totalidade, dos jogadores oriundos de famílias pobres ou no máximo remediadas, não é difícil compor a trajetória de ascensão dos ídolos populares que defenderão a honra verde-amarela dentro das quatro linhas. Isso é feito com a participação das famílias dos jogadores, pessoas do povo, chamados a relatar a luta e o esforço de seus filhos ou parentes para chegar a jogar na seleção. Também importa a escalada a um status financeiro invejável: pessoas pobres e boas de bola que saíram de condições quase miseráveis para hoje jogar em grandes clubes da Europa, sendo pagos a peso de ouro pelos seus chutes ou defesas.
Nada haveria contra esse tipo de reportagem não fosse ela a exploração banal de sucessos merecidos, mas que não servem como exemplo aos milhões de deserdados que nenhuma oportunidade têm - ou talvez nunca terão - de modificar, ainda que minimamente, suas situações financeiras.
Afinal, a quem interessa a história pessoal desse ou daquele jogador que hoje ganha rios de dinheiro e transitoriamente foi convocado para jogar pela seleção nacional? O que se está a ver, não passa da exploração da imagem de ídolos populares que, por mais que se queira, continuam sendo jogadores de futebol, excelentes em suas profissões, mas jogadores.
O Brasil passa por fase de ufanismo excessivo e perigoso, fato verificado em várias áreas. É como se tudo estivesse se ajeitando depressa e problemas tão conhecidos deixassem de existir. Uma corrente de ufanismo é sempre boa quando nascida de expectativas naturais; entretanto, esse movimento goela abaixo, a forma descabida de apresentar o que se faz em prol do país como realizações espetaculares nada têm de sério e produtivo.
Por fim, o futebol nada tem a ver com isso tudo. Resumindo: jogador joga; nós torcemos. O resto é figuração ou exploração pura e simples da paciência dos espectadores.
Do que mais se fala
De futebol; e de política. A coisa é tanta que, momentaneamente, o assunto mulher caiu para o terceiro lugar. Verdade que “mulher” está em terceiro, mas pegando rebarba em futebol que hoje ocupa o primeiro lugar. É que entre umas e outras “mulher” sempre aparece no discurso dos homens. Não é?
Pois está todo mundo correndo atrás de comparações entre as estratégias adotadas pelo técnico da Argentina – Maradona – e o do Brasil – o inimitável Dunga. Enquanto Maradona declara que, nas folgas, os seus jogadores poderão praticar sexo, beber vinho e comer churrasco, Dunga se sai com uma das suas. Assim falou Dunga:
- Nem todo mundo gosta de sexo, nem todo mundo gosta de tomar vinho ou de sorvete.
Ele disse isso se referindo ao que os jogadores da seleção brasileira poderão fazer nas suas folgas. Notem que se trata de uma declaração e tanto porque nos leva a supor que alguns dos valorosos craques da seleção nacional talvez sejam extraterrestres. Não que não seja possível a existência de gente que não aprecie sexo, vinho e outras boas coisas da vida. Convenhamos, porém, que esses rapazes estão, como se diz, na força do homem. Daí…
A colunista Barbara Gancia ataca o assunto na “Folha de São Paulo” de hoje e declara que vai torcer pela Argentina, seleção muito mais glamorosa. Não se pode concordar com extremismo de tal porte: torcer pelos arqui-rivais hermanos é simplesmente demais. Mas concordo que a cada dia vai ficando difícil torcer pela seleção brasileira. A verdade é que não está em formação a tal “corrente pra frente” e Dunga surge à frente da seleção como aqueles monges radicais de certos filmes que correm o risco de levar seus seguidores a um grande desastre.
Não vou torcer pelo Brasil, pela primeira vez na minha vida. Conservo bem vivas na memória as imagens de descaso da seleção de 2006 que mais parecia ilhada nas presunções pessoais dos jogadores, naquela época assemelhando-se a mercenários contratados, a peso de ouro, para uma missão que absolutamente não interessava a eles. Pois a isso se soma, agora, a “Era Dunga” que, cá entre nós, é demais para qualquer um.
Bem, torcer pela Argentina nem pensar. Em assim sendo escolhi uma seleção que me pareceu simpática e cuja vitória se revestiria de grande importância para o seu país: a seleção da África do Sul. Cheguei a essa conclusão após assistir ao filme “Invictus” dirigido pelo Clint Eastwood. Em “Invictus” Eastwood recompõe o período inicial do governo de Nelson Mandela na África do Sul. Recém saído do regime de apartheid - e estando muito vivo do ódio inter-racial - tinha Mandela a difícil missão de unir o seu povo. A saída encontrada pelo então presidente foi justamente a união do país através do rúgbi, esporte nacional da África do Sul. Grande filme, grande diretor, excelentes atuações de atores destacando-se Morgan Freeman no papel de Nelson Mandela.
Foi a partir de “Invictus” que escolhi a África do Sul como a minha seleção na Copa. Continuo firme na minha decisão de não mais torcer pelo Brasil. Entretanto, confesso que tenho receio de alguma recaída. Como ficarei quando a seleção entrar em campo? Será que naquela hora suprema, hora entre tantas nas quais nas nossas cabeças se passam os filmes das participações do Brasil em todas as Copas, as grande vitórias, as derrotas que tanto nos abalaram, será que naquela maldita e bendita hora conseguirei ficar indiferente?
Quem sabe, não?
Que nada. Avante África do Sul!
Agonia de Baleias
Está acontecendo na África do Sul, perto da Cidade do Cabo. Eram 55 baleias; 20 delas foram devolvidas ao mar, uma morreu e para as 34 restantes não há remédio: serão sacrificadas.
Há pessoas que sofrem pela dor do mundo, tomam por suas desgraças alheias de qualquer tipo. Não pertenço a esse grupo, mas desde sempre fui capaz de sentir a dor das baleias. Fotografias desses animais encalhados chegam a mim impregnadas dos caminhos por eles percorridos. Imagino a força descomunal desses seres que percorrem longitudes e desafiam as correntes marítimas, poderosos, absolutos, régulos em um mundo de barbárie competitiva.
De que latitudes vieram os animais estupendos que agonizam nas praias da África do Sul? Que desafios terão conhecido e que força os subjugou? Por que o destino da liberdade nas águas lhes foi subitamente negado? Por que a morte inglória numa prisão de areias, pequena demais ante a colossal imensidão dos mares tão próximos e que as fariam viver?
Especialistas terão respostas práticas para tais perguntas. Identificarão a origem das baleias e suas rotas até chegarem ao local onde agora agonizam. Também as sacrificarão em nome da humanidade de evitar-lhes maior sofrimento. Mas não poderão deter essa dor que vem de tão longe e me atinge, a dor da espera do sacrifício, a dor da potência que deixará de ser, a dor terrível da morte num cárcere sem água junto ao oceano.