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Colecionando figurinhas

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Dizia um pensador que o mundo não oferece grandes surpresas. Baseava-se ele no fato de que todas as coisas já teriam acontecido em essência, mudando-se apenas a forma de ocorrência que estaria adaptada às circunstâncias de momento. A opinião do pensador – não me lembro o nome dele – está muito próxima da teoria do eterno retorno de Nietzsche para quem as coisas acontecem ciclicamente: estamos sempre presos a um número limitado de fatos, fatos esses que se repetiram no passado, ocorrem no presente, e se repetirão no futuro.

colecionando-figurinhasNão sei em que teoria devemos inserir o hábito de colecionar figurinhas. O que se pode dizer, sem margem de erro, é que no momento o antigo entretenimento renasceu das cinzas, retornando gloriosamente. De fato, da noite para o dia, adultos e crianças passaram a colecionar as figurinhas do “Álbum da Copa”. Note-se que na frase anterior a palavra “adultos” precedeu “crianças” e não por acaso: diz-se que o maior empenho em obter as figurinhas é o de pessoas adultas.

Dei-me conta disso dias trás quando presenciei uma secretária reclamando de que o marido dela chegaria mais tarde à casa porque iria trocar figurinhas com amigos. Coisa de criança – disse ela – ao que protestei, entrando na conversa sem ser convidado.

O que essa jovem não sabe e nem poderia saber é o quanto amamos as figurinhas. Trata-se de uma febre que fez a diversão de adultos e crianças num passado não tão distante, no qual não existiam computadores nas casas e a televisão engatinhava no país. Naquele mundo as figurinhas destacavam-se pela importância que tinham – conferiam estatus a quem possuía as mais difíceis e carimbadas – e poder de troca. É preciso destacar, para quem desconhece o assunto, que no mundo das figurinhas vigora uma rígida hierarquia de valores que varia das mais difíceis às mais fáceis. Basta lembrar do desespero de algumas pessoas para quem faltavam umas poucas delas para completar o álbum, justamente as mais difíceis, para se ter idéia do que estamos falando.

Assim, não há nenhuma surpresa nesse novo boom de figurinhas que de repente arrasta multidões à prática do velho hábito. Que me perdoem as mulheres, como a secretária a quem ouvi reclamando, mas colecionar figurinhas sempre foi diversão mais masculina que feminina. Trata-se de prática salutar que aproxima pessoas e as une por um laço de grande cordialidade. Se há algo a espantar talvez seja justamente o retorno de uma coisa assim em época aparententemente pouco propícia a ela, dada a existência de formas mais recentes e lúdicas de entretenimento.

Mas, que se saiba: o hábito de colecionar figurinhas está de volta porque faz parte do contingente de coisas que a vida adulta acaba soterrando na alma humana. Entretanto, soterrado e esquecido, o hábito cotinua vivo e pronto para redespertar em adultos  as crianças que eles já foram. Mais que isso, o hábito persiste pela sua força inerente de conqusitar de imediato novos adeptos, garantindo a sobrevivênciade uma atividade inocente e sempre benvinda.

Se alguma mácula pode ser lançada à alegria atual de colecionar figurinhas é a que fica por conta da ação desses meliantes que ontem roubaram 135 mil figurinhas da Copa, em Santo André. O crime que esses infelizes perpetraram é muito maior do que o do roubo em si. O que eles ousaram fazer foi interferir na lógica de um procedimento relacionado ao sonho e ao prazer das pessoas. Não tinham eles o direito de alterar as regras de colecionamento, inundando o mercado com figurinhas a menor preço e por aí afora.

Mas, não tem importância: as figurinhas sobreviverão a isso, adaptando-se a um mundo violento que insiste em agredir pessoas e burlar a felicidade.