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Os poetas bissextos
Há casos nos quais fazer uso das idéias dos outros não é pecado. Acontece quando nos deparamos com algo que nos parece interessante demais e somos levados pela vontade invencível de compartilhar o que vimos com outras pessoas. Esse é, seguramente, o caso dos poetas bissextos cujas poesias Manuel Bandeira recolheu em antologia.
No prefácio que antecede autores e suas poesias Bandeira aconselha-nos a não procurar a expressão “poeta bissexto” em dicionários. Depois, define como bissexto “aquele em cuja vida o poema acontece como o dia 29 de fevereiro do ano civil”. Ou seja: “bissexto é todo poeta que só entra em estado de graça de raro em raro”.
Em seguida Manuel Bandeira reproduz o que escreveu Vinicius de Moraes sobre poesia brasileira contemporânea para a revista argentina Sur, no número de setembro de 1942. Disse Vinicius:
“…poetas que nós, seus íntimos, chamamos cordialmente de bissextos – poetas sem livros de versos – bissextos pela escassez de sua produção, cuja excelência sem embaraço os coloca ao lado dos mais citados.”
Vinicius exemplificou:
“Bissexto é um Pedro Dantas cujo poema “A cachorra” passou a ser uma obra-prima da literatura brasileira. O mesmo se pode dizer de “O defunto” de Pedro Nava, uma das peças mais belas e mais sinistras da nossa poesia. Bissexto é um Aníbal Machado, escritor esporádico, em quem o verso é uma espécie de estado de graça que assoma entre largos períodos de sombra; um Dante Milano, notável pela unidade da sua forma poética, de grande pureza; um Joaquim Cardoso, cuja produção se recusa à intimidade dos que lhe são mais chegados, tão íntima quer ser; um José Auto, poeta que se tem dez poemas, terá muito, mas em quem a poesia é uma fatalidade de condição. Bons poetas que futuramente figurarão, estou certo, ao lado da melhor poesia brasileira.”
No mais Manuel Bandeira alonga-se sobre características dos poetas bissextos, chamando—nos atenção a temática que é pobre, quase sempre reduzida a dois temas: o de certa dor nos acidentes passionais e o que Mário de Andrade chamou, com tanta felicidade, de “tema da vida besta”.
A antologia organizada por Bandeira reúne várias obras de poetas bissextos. Não deixa de ser uma curiosidade uma passada de olhos no índice onde encontramos nomes que não suporíamos ligados à produção poética, ainda que de quando em quando. Para se ter idéia fazem parte da relação: Aurélio Buarque de Holanda (mais tarde o “Aurélio” que conhecemos pelo seu dicionário), o pintor Di Cavalcanti, Gilberto Freyre, autor de “Casa Grande e Senzala”, Euclides da cunha, autor de “Os sertões”, o cronista Rubem Braga e muitos outros. Sobre Pedro Nava é interessante notar o fato de ele ter atravessado décadas na condição de bissexto, escrevendo ocasionalmente artigos na imprensa. Só em 1972 – oito anos antes de morrer – Nava iniciaria a série de publicações englobando os livros – “Bau de Ossos”, “Balão Cativo”, “Chão-de-Ferro”, “Beira-Mar”, “Galo-das-Trevas” e “O Círio-Perfeito” – com os quais logrou traçar um painel completo da cultura brasileira no século XX.
A “Antologia de Poetas Brasileiros Bissextos Contemporâneos”, de Manuel Bandeira, foi publicada pela Livraria Editora Zelio Valverde S. A., Rio de Janeiro’, em 1946. Existe uma 2ª edição revista e aumentada, publicada em 1964 por Organização Simões (Rio de Janeiro). Nas livrarias encontra-se uma edição da obra, publicada pela Editora Nova Fronteira, em 1992. Leitura indispensável.