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Os “Ulisses” de James Joyce
De vez em quando acontece a aquisição de um livro cuja leitura, devido ao seu alentado volume, vai ficando para depois. A verdade é que livros grandes parecem ser inadaptados à correria da vida atual. Não sei ao certo, mas creio que foi em relação à obra de Balzac que Hemingway afirmou ser extensa demais, supondo que o escritor francês nada mais tivesse a fazer que escrever livros.
No caso do “Ulisses”, do escritor irlandês James Joyce, ao grande número de páginas – 900 – acrescenta-se a reconhecida dificuldade de leitura. “Ulisses” não é obra fácil e se me refiro ao livro no plural “Os Ulisses” é porque existem, em português do Brasil, duas traduções: a de Antônio Houaiss e outra, mais recente, cuja autora é Bernardina da Silveira Pinheiro. Das duas li a de Huaiss; a de Bernardina continua na estante à espera de momento em que eu possa em entregar a ela.
Sobre o trabalho de Houaiss posso dizer que a erudição do tradutor resultou num texto algo empolado, mas ainda assim excelente. Parece que Bernardina adotou linha mais coloquial que, segundo li, aproxima mais o texto traduzido das intenções originais de seu autor.
De todo modo é sempre um grande encanto entrar em contato com a obra de um dos autores mais importantes do século XX, verdadeiro divisor de águas no terreno da literatura. Naturalmente críticos e leitores discordarão ao apontar pelo menos quatro autores mais representativos do modernismo literário, mas sejam quais forem os escolhidos Joyce sempre estará entre eles. O fato é que ele rompeu com os cânones que o precederam, introduzindo na literatura o chamado “fluxo de consciência”. De fato, na narrativa de Joyce privilegia-se o monólogo interior e dá-se mais espaço a aspectos psíquicos que fatores externos.
Em “Ulisses” Joyce associa sua fervilhante imaginação a grande domínio linguístico. Trabalha com tantas variáveis que correria o risco de criar uma massa informe e descontinua demais ao entendimento de seus leitores. Evita que isso aconteça socorrendo-se com a tradição literária, justamente ela a quem seu modo de escrever subverte. Joyce vai buscar na Odisséia a linha mestra de seu texto, se é que se pode falar em linha mestra. De todo modo, as personagens principais de Ulisses - Leopold Bloom, sua esposa Molly Bloom e Stephen Dedalus são paródias das personagens de Homero - Ulisses, Penélope e Telêmaco. A trama de “Ulisses” desenrola-se num único dia, 16 de junho de 1904, em Dublin, cidade natal de Joyce. Como acontece aos homéricos, as personagens de Joyce, passam pelas vicissutudes de suas vidas desencontradas ao longo de dezoito capítulos, cada um deles relacionado com um fato específico da Odisséia de Homero. Mas que não se engane o leitor: trata-se de uma paródia burlesca da Odisséia.
“Ulisses” foi publicado pela primeira vez em 1922, em Paris, pela pequena editora Shakespire and Company. Considerado obsceno, o livro só pode ser publicado eno EUA em 1933, após histórica decisão judicial.
James Joyce (1882-1941), viveu grande parte de sua vida fora da Irlanda, embora suas obras se ambientem em seu país de origem. São de sua autoria o livro de contos “Dublinenses”, o romance “Retrato de um artista quando jovem”, “Ulisses”, e “Finnegans Wake”, seu últmo trabalho. Sobre “Finnegans Wake” pode-se dizer que tem estrutura por demais complexa dado que as técnicas utilizadas em “Ulisses” são levadas a verdadeiro paroxismo.
A breve notícia sobre o “Ulisses” de Joyce num blog não pretende passar por mais que simples lembrança e sugestão de leitura aos interessados em modernismo e literatura. São inúmeros os ensaios e estudos sobre a obra de Joyce. Um deles, em especial, é o escrito pelo crítico norte-americano Edmund Wilson cuja leitura funciona como excelente introdução à obra do escritor irlandês. O ensaio “James Joyce”, de Edmund Wilson, faz parte do livro “O castelo de Axel”, publicado pela Companhia das Letras.
As duas versões de Ulisses podem ser encontradas nas livraraias. A traduzida por Antônio Hoaiss é publicação da Civilização Brasileira ; a tradução de Bernardina Silveira Pinheiro é publicação da Alfaguara Brasil.
Por último, uma licenciosidade: para os amantes da série “24 horas”, cuja ação se passa num único dia, vale lembrar que quase 100 anos antes, James Joyce produziu “Ulisses”, narrativa que começa às 8h da manhã e termina às 2h da madrugada.