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Armas de fogo
Meu pai tinha um revólver Smith-Wesson que herdou de meu avô. Vez ou outra se referia a essa arma que nunca chegou a usar. Ela tinha o significado de segurança de nossa família. Guardada numa gaveta repousava sempre pronta a entrar em ação caso fosse necessário. Mas, naquela época o mundo era mais tranquilo, a vida mais suave. Crimes aconteciam, mas não muitos. Se você lesse a Última Hora, jornal do Samuel Wainer, poderia ficar horrorizado com o noticiário sobre as violências de véspera. Diziam que se o jornal do Wainer fosse espremido sairia sangue…
Mas essas notícias soavam distantes. Na prática os assassinatos em cidades menores eram mais raros. Tanto que, quando aconteciam, geravam comentários generalizados. Usavam-se armas de fogo com parcimônia. Assim se passavam as coisas.
De modo que para quem carrega mais anos de vida em seu currículo as atuais mensagens divulgadas soam estranhas, senão incompreensíveis. Dias atrás 19 pessoas foram assassinadas em Osasco e Barueri. Outras 9 foram feridas. Banalizou-se o uso de armas de fogo e olhe que são proibidas. Novos tempos!
Já vão longe os dias em que armas de fogo permaneciam entre os guardados dos chefes de família à espera de um improvável momento de ação. Hoje moleques de 12 anos ou mais andam por aí armados e tiram vidas sem a menor cerimônia.
Há quem atribua mortes violentas a fatalidades. O sujeito estaria em lugar errado na hora errada. Creio que meu pai acreditava em destino e fatalidade. Acidentes não aconteceriam por acaso, estariam escritos na trajetória do acidentado. Aquele rapaz que passara pela nossa casa em direção a uma festa e que voltara morto após a cair da carroceira de um caminhão cumprira o que estaria previsto para ele. Nada mais.
Meu pai contava sobre conhecido dele que integrara as tropas brasileiras que lutaram na Itália no fim dafimbradounga Guerra. Terminado o conflito o soldado retornara à terra natal, trazendo consigo o trauma de vir a ser atingido por projétil de arma de fogo. Ora, isso seria impossível naquele final da década de 40 do século passado: cidade pacata na qual ninguém andava armado.
Aconteceu num domingo. O soldado que participara da guerra voltava da missa com a mulher. Ao passar defronte a casa de seu vizinho foi atingido por um tiro e morreu ainda na calçada. Naquele momento o vizinho limpava o revólver que dispara acidentalmente. A bala da qual o rapaz escapara na Itália viera encontrá-lo na cidadezinha onde vivia.
Fatalidade. Estava escrito.