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O pior pintor do mundo
O “pior pintor do mundo” mora numa casa pequena onde se acumulam pilhas de seus quadros. Encontrei-o, por acaso, na rua e não houve como não aceitar o convite para visitar o atelier dele. Enquanto íamos para lá fiquei sabendo que o pintor tem agora 77 anos de idade e preocupa-se com o destino da sua obra após morrer. O fato é que nunca conseguiu reconhecimento e tem certeza de que a grandeza da sua pintura será, infelizmente, reconhecida após a morte. Identifica-se com outros artistas reconhecidos postumamente, embora não siba citar nenhum deles. Quando pergunto sobre um caso de reconhecimento póstumo ele diz que certamente os há, afinal o mundo é vasto, a história longa e muitos gênios terão passado despercebidos nas épocas que viveram.
O atelier do pintor apresenta distribuição confusa de obras, segundo ele ordenadas em acordo com as épocas em que foram produzidas. Ele me explica que há algum tempo organizou um caderno com textos explicativos sobre cada quadro, isso para o caso de vir a morrer subitamente. Não quer que seus quadros fiquem desamparados após sua morte porque se trata de obras importantes, cada uma delas merecendo descrição detalhada que cabe ao artista deixar à disposição dos pósteros. É, pois, a posteridade que preocupa ao pintor que nela aguarda a glória que faltou a ele em vida.
Vejo na parede uma reprodução de um quadro da fase cubista de Picasso e, antes que eu diga algo, o pintor se apressa em me explicar que o deixa ali para compará-lo com os seus trabalhos, desse modo mantendo a linha de suas produções. Finalmente, depois que observo muitas obras, ele me pergunta sobre o que achei delas e respondo que me agradam muito, afinal ali se reúne o trabalho de toda uma vida do artista.
Houve um tempo, no passado, em que o pintor lutou por ser reconhecido. Entretanto, aconteceu a ele um infortúnio qual seja a visita de um crítico importante trazido por um amigo para avaliar a sua produção. O diabo foi que o tal crítico ao final de suas observações negou-se a um comentário, despedindo-se sem uma única palavra sobre a obra do artista. Entretanto, quando saia o crítico disse ao amigo do pintor que jamais vira algo tão absurdo e sem valor. Acrescentou que na opinião dele aquilo era mesmo uma grande porcaria, sem valor e que o auto daqueles quadros certamente seria o “pior pintor do mundo” acaso chegasse a merecer a classificação como “pintor”.
Infelizmente, o crítico disse isso sem reparar que atrás de si havia uma janela na qual justamente estava o pintor que ouviu integralmente o teor da crítica. Depois disso o pintor retraiu-se, deixou de pintar, só voltando a trabalhar quando sentiu cicatrizarem-se as feridas que tinham se aberto em sua alma.
Que eu saiba o pintor jamais vendeu um de seus quadros dado o desinteresse de quem os viu. Quanto a mim que pouco sei de arte, posso afirmar que jamais penduraria ao alcance do meu olhar uma das obras do pintor. São de fato estranhas, sem nenhuma linha, senão péssimas. Entretanto, não posso deixar de pensar se esse homem não seria alguém a produzir obras que daqui a talvez mil anos venham a ser reconhecidas com a arte daquele momento. Caso isso venha a acontecer - e os quadros do pintor não tenham desaparecido - ele finalmente terá atingido a glória que tanto espera na posteridade.