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22 de novembro de 1963
No início da tarde de 22 e novembro de 1963 desci do bonde que cruzara a Serra da Mantiqueira, desembarcando em Campos do Jordão. Os que hoje ouvem falar sobre Campos como centro do turismo de inverno no Brasil talvez não façam ideia de que, em 1963, a cidade ainda tinha vários sanatórios para internação de tuberculosos. Campos era um grande centro de tratamento da tuberculose. Nada a ver, portanto, com o turismo que só se tornaria a realidade que hoje se conhece décadas depois.
Da estação da Abernéssia fui para o ginásio estadual cujo prédio localizava-se no alto de uma das colinas da cidade. Rapazote de 14 anos de idade eu cursava a quarta série do ginásio, último ano do ciclo que antecedia o que hoje se chama de Ensino Médio.
Entretanto, naquela tarde não teríamos todas as aulas. A certa altura entrou em nossa classe o diretor do ginásio e avisou-nos que as aulas estavam encerradas. Surpresos, guardamos os nossos cadernos e saímos da escola.
Lembro-me muito bem do trajeto de volta da escola. A massa de alunos - os rapazes vestidos como eu de uniforme cáqui - descia apressada, em silêncio só de vez em quando interrompido por alguém que perguntava sobre o quê, afinal, estaria acontecendo.
Quando cheguei à estação vi algumas pessoas no bar, silenciosas e ouvindo atentamente ao rádio. Só então fiquei sabendo que o presidente dos EUA, John Kennedy havia sido assassinado na cidade de Dallas. Era essa a razão pela qual fôramos dispensados das aulas.
Reinava no ambiente a atmosfera de apreensão. Falava-se sobre os desentendimentos de Kennedy com Nikita Kruschev , o Primeiro Ministro da Rússia. Em tempos de Guerra Fria aventava-se a possibilidade de uma guerra nuclear que levaria ao fim do mundo. Especulava-se, também, sobre a participação de Fidel Castro no desencadeamento do atentado que matara o presidente. Muito viva nas memórias, então, as lembranças do episódio da Crise dos Mísseis, ocorrida um ano antes, que quase deflagrara a guerra mundial.
Eram tempos nos quais o mundo parecia grande demais e notícias vindas de tão longe soavam muito ameaçadoras. Não nos dávamos conta de que vivíamos num interior ainda mal servido por estradas e recursos, infinitamente distantes dos centros onde se tramavam os rumos do mundo. O Brasil pertencia ao bloco dos países do terceiro-mundo, atrasados, e o que se discutia por aqui era a urgência de desenvolvimento.
Cheguei à minha casa à noite, após a viagem de retorno no bonde. Na época morávamos num distrito cuja população seria de pouco mais de 500 habitantes. Quando entrei, encontrei meu pai junto ao rádio da sala, ouvindo notícias. Ao lado dele um amigo que vez ou outra anunciava: agora mesmo é que o mundo acaba!
Mas, dormi tranquilamente e, como se sabe, até hoje os homens que mandam não conseguiram acabar com o mundo.
E dizer que são passados exatamente 50 anos daquele dia fatídico em que o mundo tremeu porque um atirador atingiu o seu alvo que desfilava em carro aberto nas ruas de Dallas.
Pelé, 70 anos
De vez em quando me ponho a pensar sobre os fatos mais marcantes acontecidos durante o período de minha vida. Um dos primeiros foi o assassinato de John Kennedy, na época em que eu iniciava aquele que então era chamado de curso ginasial. Lembro-me de que fomos dispensados das aulas e saímos da escola com a ideia de que algo muito grande tinha acontecido. Para nós era como se o mundo fosse acabar dado que não fazíamos a menor ideia da proporção, nem mesmo dos reflexos que poderia ter a morte de Kennedy sobre as nossas vidas.
Ainda hoje acho que o impacto sobre nós do assassinato ocorrido em Dallas prende-se mais à gravidade das palavras do diretor da escola quando ele nos comunicou que o mundo corria perigo. Era uma tarde fria e o ginásio estadual em que estudávamos ficava no alto de uma elevação à qual se chegava por ruas íngremes. Suspensas as aulas, descemos por aquelas ruas, uma turba de alunos em silêncio, avisados sobre um acontecimento muito grave e esperando, talvez, pelo pior que poderia acontecer ao mundo.
Outro fato muito marcante ocorreu antes da morte de Kennedy: foi a conquista do Campeonato Mundial, realizado na Suécia, pelo Brasil. Menino, eu ouvia dos meus parentes mais velhos inúmeras histórias sobre o futebol que sempre terminavam com comentários sobre a Copa de 50 quando o Brasil foi derrotado pelo Uruguai em pleno Maracanã. Um primo de meu pai, o Vicente, assistiu ao jogo no estádio, e contava inúmeras histórias sobre o episódio fatídico. Nomes como os de Obdulio Varela Gigghia , carrascos dos brasileiros na vitória uruguaia, eram moeda comum em todas as conversas. Falava-se sobre a desastrosa atuação de Bigode, se o goleiro Barbosa poderia ter evitado o segundo gol uruguaio, a cabeçada de Ademir que bateu na trave uruguaia no último minuto, o erro do técnico Flávio Costa que preferiu levar um parente dele, o Chico, para jogar na ponta-esquerda da seleção, e assim por diante. A essas histórias se juntavam as da Copa de 54 quando o Brasil foi derrotado pelo excepcional selecionado da Hungria, aquele em que jogava Puskas, que no final das contas perdeu a Copa para a Alemanha. Nomes como os de Castilho, Bauer e Humberto, jogadores da seleção de 54, eram sempre citados.
Por fim veio 58, o ano da redenção do futebol brasileiro. Entre outros significados a Copa de 58 serviu para ajudar a vencer, pelo menos em parte, o complexo de inferioridade terceiro-mundista do povo brasileiro. Ganháramos, éramos melhores que os outros em alguma coisa e o país estava indo para frente. Mas, 58 foi também o ano em que Pelé nasceu para o Brasil e para o mundo. De repente, um garoto de 18 anos de idade, sem a menor cerimônia, estraçalhava com os ferrolhos europeus e mostrava que o Brasil tem gente capaz. Os jogos transmitidos pelo rádio pela voz de Pedro Luís e Edson Leite gravaram-se nas memórias como documento e testemunho de uma época em que, inesperadamente, um povo sofrido tornou-se feliz.
Falando sobre fatos marcantes que muito me impressionaram, devo dizer que tive a sorte de viver na época em Pelé jogou futebol. Muitas vezes eu o vi jogar no Pacaembu que, na época, era muito utilizado pelo time dele, o Santos. Seria impossível traduzir em palavras as maravilhas que saíram dos pés de Pelé, certamente um agraciado dos deuses. Note-se que quando se fala de Pelé, no futebol, em geral destacam-se os seus gols, jogadas brilhantes e mesmo exaltam-se os seus dotes físicos invejáveis, certamente propulsores de toda a magia de que ele era capaz. De todo modo era isso e mais que isso porque vê-lo em campo, sua colocação e inteligência nata para o esporte, as previsões de jogadas, enfim o que fazia mesmo quando não estava com a bola, era simplesmente demais.
Ter visto Pelé jogar terá sido um dos prêmios que recebi e levarei desse mundo. Ter sentido a emoção de vê-lo no momento de suas realizações em campo é dessas coisas que não tem preço, fantásticas e insubstituíveis.
Pelé completa 70 anos de idade e recebe homenagens, mais que merecidas, em todo o mundo. Creio não ser demais dizer, em meu nome e da minha geração, muito obrigado Pelé. Você nos deu muita alegria, fez-nos acreditar que tudo é possível. No mais é fechar os olhos e retornar a uma noite de quarta-feira, Pacaembu lotado, e rever Pelé pegar uma bola no meio do campo, avançar driblando, até chegar perto do gol e colocar a bola nas redes. Depois, enquanto o Deus comemora, toda a torcida fica em pé, mesmo a do time adversário, batendo palmas, essas palmas que nunca sairão da minha cabeça, porque magia é para sempre.