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Assombrações

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Na minha infância a presença de assombrações era coisa natural. Fulano de tal levantou-se durante a noite e, no escuro, viu-se diante do espectro de uma mulher. Assustado, retornou ao quarto de dormir, acordou a mulher e rezaram o terço para que a alma penada encontrasse a paz. Histórias como essa eram mais ou menos rotineiras daí o medo das crianças em ficar sozinhas no escuro.

Assim, a vida após a morte surgia como fato consumado. Alguns iam para o céu, outros para o inferno, outros ainda passariam por estágio no purgatório. Espíritos mal resolvidos perambulavam pelo mundo, vez ou outra assombrando pessoas.

Ver ou não espíritos não era para qualquer um. Certas pessoas nasciam dotadas da mediunidade que lhes permitia o contato com os mortos. Minha tia-avó teria sido dessas pessoas iluminadas. No mundo dela não havia separação clara entre vivos e mortos. Certa vez estávamos à mesa para o almoço e eis que ela passou a relatar a presença de nossos acompanhantes invisíveis. Fulana está ali, sicrana em pé junto à mesa… Os mortos nos visitavam e não podíamos vê-los. Mas, para a tia isso era comum, absolutamente normal.

Outra tia não tinha contato direto com os mortos. Entretanto, existia uma alma penada que a assombrava. Ela via um homem que surgia do nada, em geral ao lado da cama dela. Minha tia descrevia esse homem detalhadamente, a começar pelas roupas que vestia. Só que ela tinha um medo danado dele. Nas ocasiões em que a assombração aparecia ela se desesperava, gritava muito e perdia o controle sobre si. Era difícil acalmá-la. Como as visões em geral aconteciam durante a madrugada minha tia passava o resto da noite na sala com todas as luzes acesas. Em vão meu tio, o marido dela, tentava convencê-la a retornar ao quarto. Ela temia que a assombração ainda estivesse lá e não voltava de jeito nenhum.

Tudo isso para confessar que até a minha adolescência tive muito medo de assombrações, fantasmas, almas penadas etc. Minha vó morreu de câncer e sofreu muito em seus últimos dias. Na véspera do dia em que iria morrer eu estava ao lado dela. Deitada sobre a cama eis que, de repente, ela começa a apontar com o dedo e dizer o nome de pessoas que teriam vindo visitá-la. Todas aquelas pessoas que teriam entrado no quarto estavam mortas. O fato, no momento muito emocionante, serviu como prova aos presentes da existência de almas do outro mundo. Minha avó estava à morte e parentes e amigos já mortos teriam vindo para acompanhá-la na travessia. Horas depois ela faleceu.

Conheço um rapaz que trabalha no comércio. Tem seus afazeres e luta bastante pela sobrevivência. Consta que esse rapaz possui grande mediunidade. Uma vez ao mês ele reúne pessoas próximas e promove uma sessão na qual recebe o espírito de um caboclo que fala através dele. Na ocasião os presentes fazem perguntas ao espírito incorporado e recebem orientações, conselhos e até broncas pelo modo de viver.

Não posso dizer que acredito nessas incorporações espirituais. Tempos atrás perguntei ao médium se não seria algum traço desconhecido de sua personalidade que se exteriorizaria durante as sessões, permitindo a ele emitir voz diferente numa linguagem de caboclo velho, acaipirado. O amigo médium me disse que não tinha a menor noção de como as coisas se passavam. Relatou que quando incorporado não se lembrava de absolutamente nada. Seu corpo era apenas usado como veículo através do qual o caboclo se comunicava com os presentes. Nem mesmo se lembrava do litro de whisky que ingeria e dos charutos que a todo tempo fumava. Aliás, ao tornar a si não apresentava sinais de ter bebido e fumado.

No dia em que conversamos tive vontade de pergunta ao médium se toparia fazer um teste do bafômetro ao final de uma sessão. Mas, desisti e continuo seguindo por aí, torcendo para não dar de cara com alguma assombração.

Medos

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Quando menino tinha medo do escuro. Temia que de repente, das sombras, emergissem figuras fantasmagóricas. Mais especificamente receava ser visitado por pessoas já mortas. Seria possível ao apagar a luz e dar de cara com algum falecido?

Bem, o mundo era bem diferente naqueles tempos. A iluminação das casas muitas vezes precária. E corriam histórias e mais histórias sobre assombramentos. Na casa de minha avó, por exemplo, existiriam algumas almas penadas que, vez ou outra, davam as caras. A menina que assombrava o cômodo de passagem para os quartos fora vista por mais de uma pessoa. Minha tia acordara de madrugada e dera com um homem estranho em pé, ao lado da cama. Meu tio socorreu-a. Acendeu a luz e nada, ninguém no quarto onde a porta se mantinha trancada.

Casos como esses infundiam terror em crianças. Os antigos pareciam tratar sobre a morte com mais naturalidade. Uma tênue membrana separaria os mundos dos vivos e dos mortos. Outra tia seria vidente. Não era incomum estarmos à mesa para o jantar e ele nos comunicar que “alguém” estaria ali conosco. Esse alguém seria um espírito. Jantávamos com fantasmas.

Na casa de meu pai existiam muitos livros. Cresci ao lado deles e devagar fui me inteirando de seus conteúdos. Criança é criança. Tinha medo, mas, estranhamente, atraiam-me contos de terror. Durante muito tempo tive medo do Horla de Maupassant. Se bem me lembro o Horla era uma força maligna que isolava um cômodo e chegava a atar fogo às cortinas.

Li todos os contos de Edgard Allan Poe. Aos 14 anos já tinha devorado toda a obra do grande escritor norte-americano. Mas, tinha medo das personagens. A leitura de “Enterrado Vivo” despertou-me ao medo de vir a ser enclausurado debaixo da terra ainda vivo.

Das histórias de vampiros nasceu o receio de que viessem me atacar nas madrugadas. Os filmes em preto-e-branco sobre vampiros eram uma delícia no cinema. A face enigmática de Christopher Lee no papel de Drácula terá embalado situações nas quais a possibilidade de ser visitado por um vampiro parecia-me muito real. Daí que colocar alho junto a janela do quarto e crucifixo na guarda da cama passaram a ser rotina. Afinal, nos filmes esses recursos se mostravam úteis para afugentar vampiros.

Passadas décadas dos tempos de menino ainda olho para as sombras com algum receio. Não tenho medo, mas não acho de todo improvável que do escuro possa brotar algum ser vindo de outra dimensão. Dizem que isso acontece porque guardamos em nosso ser a criança que um dia fomos. Entretanto, não passam de impulsos que logo sucumbem à lógica de homem adulto.

Escrito por Ayrton Marcondes

14 julho, 2017 às 12:21 pm

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