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Vem aí o carnaval
Boca aberta sem poder falar ouço o dentista me perguntar o que vou fazer no carnaval. Vai ficar aqui mesmo? Vai viajar? E acrescenta que, obviamente, participar do carnaval nem pensar.
Nem tanto. Não sei o que vou fazer durante o carnaval, se fico em casa, se viajo para me distrair. Não sei responder, portanto, às perguntas do dentista. Agora, quanto a participar do carnaval em si me preparo para dizer a ele que talvez sim, isso quando puder falar novamente.
Sempre gostei do carnaval. Vida afora frequentei bailes e mesmo segui, de longe, blocos de rua. Fui duas vezes ao sambódromo, no Rio, para assistir aos desfiles das grandes escolas de samba. Simpatizo com a Mangueira para quem torço no carnaval carioca. Emoção das grandes, inesquecível, a da bateria da Mangueira desfilando na Praça da Apoteose: os movimentos conferiam à bateria inteira um jeito de legião romana, aplicadíssima, organizadíssima, tudo isso no meio de um batuque primoroso, sensacional, ensurdecedor, vibrante e não sei o que mais.
Portanto, se aparecer oportunidade e as pernas ajudarem, ao samba. Não que eu reclame das pernas, embora nos últimos tempos elas venham dando leves sinais de já não serem as de antes. Ultimamente as pernas tem-se dado ao desfrute de se cansarem logo, desobedecendo-me, ignorando as ordens enviadas pelo meu cérebro. Aliás, o próprio cérebro vez ou outra se deixa perder na preguiça de lembrar-se de algo como nomes de pessoas, trajetos de ruas, coisas guardadas etc. Detectam-se falhas superficiais e algo difusas que não chegam a comprometer, mas são chatas, muito chatas.
Do que se conclui que afinal tudo não passa de um ingresso lento e irreversível no território da velhice. Mas, afinal, a partir de quando se é velho? A pergunta nos leva ao solo movediço das teorizações sobre fases da vida, idades etc. Entretanto, parece-me que para ser considerado “idoso” o cidadão deve ter passado dos 60 anos de idade. Passes gratuitos para viagens de ônibus e metrô só após os 65 anos de idade.
Mas, como dizia, o carnaval vem aí. Quando o dentista termina o seu serviço em minha boca e fico liberado para falar, acabo não dizendo nada. Na saída ele me pergunta se pretendo pular no carnaval. Olho para ele e respondo, com firmeza, que sim. Ele me olha desconfiado, arranja um sorriso maroto e se despede. Saio do consultório com a certeza de que o dentista está rindo nas minhas costas porque a última coisa que pode se passar na cabeça dele é a de que, ainda hoje, eu goste tanto do carnaval e me disponha a sambar, só um pouquinho.