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Mulher de boleiro
O título acima me causa estranheza. Primeiro tem essa coisa de chamar jogador de futebol de boleiro. Devo estar muito desatualizado, mas desde quando o sinônimo ‘boleiro” passou a ser usado? Para mim “boleiro” sempre foi o cara que fazia bolos. Mas, tem, também, esse significado de jogador que faz graça com a bola diante do adversário.
Mas, quanto a “boleiro’ vá lá, tudo bem. Agora o que acho estranho mesmo são as referências a “mulher de boleiro’. Explico: a mulher do boleiro é assunto dele, interesse dele. Então, fica esquisito essa história de as mulheres de boleiros serem distinguidas pela beleza, corpo bonito etc. A pergunta: “quais as mais belas mulheres de boleiros?” está na internet. Segue-se que você fica conhecendo as mulheres de craques de futebol, levando-se em conta a posição em que joga o marido. Lá está Shakira - mulher do zagueiro Pique -, Clarice Alves - mulher do lateral Marcelo -, Alex Curran - mulher do meio-campista Gerrad -, e por aí vai. Você pode admirar as mulheres dos boleiros, quem sabe sentir inveja deles ou até apaixonar-se por uma delas.
Não estou dizendo que isso seja errado, só afirmo que é estranho. Talvez porque eu seja de um tempo em que a mulher do outro é mulher do outro. Mais: com mulher do outro não se mexe, melhor dizendo: é bom não se meter. Então, nada de admirar a mulher do outro, se o fizer que seja secretamente.
Pois conheci um cara que não era boleiro, nem nada, um sujeito até mais pra feioso que casou-se com um mulherão. O Tal era até meio afetado porque perdera a mãe quando bebê e fora criado pela irmã. De modo que tinha ele lá os seus trejeitos, mas se querem saber, o bicho era bem macho. E quando se casou os amigos se espantaram com a mulher dele e, sabe como são os homens, ficava-se naquele ‘como é que pode um mulherão desses…?”.
Não havia se passado um ano e um admirador secreto que se achava o rei da cocada branca aventurou-se. O admirador era próximo do Tal e até arriscou-se a fazer comentário sobre a mulher dele, coisa que não foi bem recebida. Pra encurtar a conversa o admirador tentou cantar a mulher do Tal. Sabe no que foi parar essa história? Pois o Tal meteu uma bala no coração do admirador. Como se disse então, fez um “tec” nele.
De modo que o melhor é não gastar olhos na mulher dos outros, essa a regra. Mas, falando sobre esse caso das mulheres dos boleiros, um amigo me perguntou se eu por caso já vi algum desses maridos protestar por exibirem as esposas deles. Mais: no fundo aquela mulherada gostava de ver-se entre as belas.
Ouvi o que o meu amigo disse e só consegui comentar: talvez. Como eu ia dizendo, essa coisa toda é muito estranha. Verdade que o mundo mudou, hoje em dia parece que tudo vale. Mas, será mesmo que os boleiros gostam de ver as mulheres deles assim expostas aos olhares do mundo? Será que se trata do tal preço a pagar pela fama?
Sei lá.
A moça da praia
Olhe que ela era bonita. Nesse mundo tem gente que nasce com estrela, ainda que para não brilhar muito. É o tal jeito majestático que acompanha alguns desde o nascedouro. A pessoa atrai atenção, simplesmente por ser o que é.
Na moça da praia combinava-se a harmonia dos movimentos com a graça do corpo. Aliás, que se diga: corpo escultural. Desses de causar dor nos mais afoitos. Corpo imantado, esquadrinhado pelos olhares alheios, capaz de despertar sensações espasmódicas. Dirão que exagero: mas, não. Ela era assim, como Deus a fez num momento de pura inspiração, talvez cansado de criar tanta feira decidiu-se Ele a apelar para a regra da compensação.
Bem, não importam os motivos, nem ficar pensando na combinação ousada de genes que se agregaram para formar a moça da praia. O fato é que era ela uma mulher até simples, da simplicidade que não encobre a majestade. E você sabe como é a boca dos homens das quais sempre se ouvia que aquela mulher não era para qualquer um. Ali até um rei se renderia encantado por tanta formosura. Um milionário a cobriria de brilhantes, roupas caríssimas, enfim de tudo que o dinheiro pode dar. Mas, a vida é mesmo uma caixinha de surpresas, fenômeno estranho e inexplicável que resiste a toda lógica. Você não concorda?
Pois, digo que a beleza no fundo é ilógica. Senão a beleza, pelo menos quem a possui. Então, você conhece o Pedro, aquele a quem chamam de Pedrinho? Ele mesmo, aquele cujo pai tem a padaria, ali na esquina, numa ruazinha perto da praia? O Pedrinho, aquele baixinho, meio feioso, bom sujeito, amigão, gente fina, finíssima. Pois não é que a moça da praia viu no Pedrinho um encanto que não vimos e ficou com ele?
De novo a boca dos homens, boca maldita: Pedrinho, aquilo não é mulher para você; Pedrinho é muita areia para o seu caminhãozinho; cuidado Pedrinho, dia desses você pode ter uma surpresa.
O Pedrinho? Qual o quê. Vivia de encantamento. Você já viu aquelas najas encantadas pelo cara que toca flauta? Pois, o Pedrinho ficou que nem as najas. Para ele o céu estava sempre azul, o mar em calmaria. Caso ventasse tratava-se de vento suave, perfumado. No mundo em que ele vivia havia nitidez e lascívia. Espécie de sonho acordado dentro de um jardim mágico do qual ele se fizera prisioneiro.
Assim, passaram-se os meses. Em tanto enlevo se perdeu o Pedrinho que não percebeu que nessa vida o que é bom pode durar pouco e os sonhos não passam de sonhos que acabam de repente quando os olhos se abrem.
Até hoje ninguém sabe dizer que fim levou a moça da praia. A boca dos homens pronunciou-se dizendo que ele se fora com algum ricaço, talvez um príncipe seja lá o que for. Outros disseram que fosse quem fosse o homem com quem ela partira ele seria a próxima vítima. E houve quem aventasse a hipótese de ela fosse uma deusa do mar que viera divertir-se um pouco em terra e logo se cansara.
O Pedrinho? Chorou até seus pés ficarem mergulhados numa lago de lágrimas. Depois do caso com a moça da praia nunca mais foi o mesmo. Eu o vi tempos atrás e o rapaz me pareceu ter envelhecido muito. Cumprimentei-o de longe, ele respondeu com um aceno de cabeça, rosto sério, tristeza estampada.
Não era mulher para ele, não quis ouvir a boca dos homens, deu no que deu.
Ah, ia me esquecendo, há quem até hoje jure que a moça da praia na verdade nunca existiu, ela nada mais foi que uma simples miragem, coisa de imaginação da cabeça dos homens.
Conversa no táxi
Entro no táxi na esquina do canal. O taxista é um homem de cerca de 60 anos, muito sorridente. Mal me acomodo e lá vem ele com comentários sobre o calor e o inevitável papo sobre o campeonato brasileiro.
Atuação de juízes, resultados de jogos, classificação das equipes, pressão para o Flamengo ser campeão, sobre isso e muito mais fala o homem, pedindo a minha opinião. Até que passa uma moça bonita e o assunto muda para beleza e coisas boas de ver. É nessa altura que ele assume um tom grave e dispara alguns impropérios contra o destino.
É curiosa a teoria do taxista. Ele me diz que as mulheres bonitas são as mais sensíveis a problemas que afetem as suas aparências. Respondo que se isso for verdade talvez seja porque nas mais bonitas se percebe mais facilmente a ação do tempo sobre a beleza delas.
Ele não concorda e acrescenta que esse mundo foi feito para que tudo acabe lentamente, de modo que possamos presenciar a decrepitude. Nessa altura decido olhar para o espelho retrovisor, buscando a imagem do rosto do taxista: pode bem ser que eu esteja vivendo uma impossível experiência surrealista e tenha entrado num táxi dirigido pelo próprio Machado de Assis.
Machado ou não, o homem prossegue com a sua teoria:
- O senhor talvez não tenha prestado atenção, mas como explicar certos acontecimentos? Já disse ao senhor que o destino da beleza das mulheres é minguar dia-a-dia, irreversivelmente. Então, basta observar bem os fatos para concluir que algo de estranho acontece com certas pessoas, como se uma força maior quisesse afirmar a sua presença e o controle sobre todos nós. O senhor se lembra do João do Pulo? Ela era recordista mundial de salto triplo. O que aconteceu a ele? Ora um acidente no qual ele perdeu o que tinha de mais precioso: uma perna. Pode? E aquele locutor esportivo, o Osmar Santos? Pois num acidente de carro ele perdeu a voz que era o seu instrumento de trabalho. E quanto ao Lars Grael, campeão de vela cuja perna foi decepada durante um acidente em pleno mar? O que o senhor acha disso?
Eu ia dizer a ele que Jorge Luís Borges, cuja paixão era ler, ficou cego e um meu tio, matemático, sofreu um derrame que lhe roubou apenas a capacidade defazer contas. Também me ocorreu um amigo que casou-se com uma modelo lindíssima e sofreu irreversíveis problemas de natureza sexual, ele que sempre fora tão galante e mulherengo.
Mas não disse nada por que chegamos ao local determinado por mim. Já na calçada parei para olhar o carro se afastando e tive a impressão de que nada daquilo fora real, na verdade o motorista não dissera uma só palavra e eu imaginara toda a conversa.
Não sei dizer. Mas entrei no elevador pensando sobre a eterna discussão quanto à bondade de Deus. Lembrei-me das teorias que afirmam que Deus só seria realmente completo criando tudo o que existe, daí ter Ele criado também o mal ou não seria verdadeiramente Deus. Eu me interrogava sobre a bondade divina ao ferir pessoas tirando-lhes justamente aquilo que elas têm de melhor quando cheguei, finalmente, ao escritório e vi pela janela o mar, azul, lindo, maravilhoso, testemunhando com alguma insolência os contrastes deste mundo.