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Punta del Este
Feriado é ocasião para pensarmos em lazer e programar viagens. Os jornais publicam cadernos de turismo e sugerem passeios, não raro a lugares exóticos. Há quem deteste viajar e odeie esses cadernos; existem os que aceitam sugestões, mas só viajam virtualmente; por fim há os que encaram a aventura e viajam mesmo.
Creio que a minha curiosidade sobre Punta del Este começou com a leitura de um desses cadernos. Em tempos em que ser rico relaciona-se com culpas, chamou-me a atenção a existência de lugar tão badalado, freqüentado por gente endinheirada - sem esquecer o jet set - que para lá se dirige no verão. Praias, hotéis luxuosos, cassinos, esportes náuticos, ancoradouro de lanchas, residências magníficas, mulheres bonitas e muito exibicionismo compõem um quadro agressivo de riqueza e esbanjamento que contrasta com um mundo onde a pobreza clama com brados cada vez mais altos.
Turista acidental, passei um dia em Punta del Este no início do outono. Talvez por me lembrar da “Suíte Punta del Este”, de Astor Piazzola, cheguei ao lugar esperando ouvir um tango. E ouvi, de fato, através de um rádio, sob o braço de uma moça, que reproduzia alguma coisa de Gardel. Isso foi no ancoradouro onde, ao lado de lanchas espetaculares, dois leões-marinhos se divertiam, recebendo comida e deixando-se fotografar.
Quem me mostrou a cidade foi um rapaz, motorista de táxi que me levou aos pontos turísticos. O que pude ver foi uma cidade praticamente deserta com mansões magníficas e de arquitetura ousada. Casas vazias, todas vazias, quase todas elas sem muros ou qualquer proteção porque, explicou-me o rapaz, em Punta não existe crime. As ruas ladeadas por casas imensas pareceram-me semelhantes a uma Beverly Hills deslocada para o Sul, banhada em parte pelo mar, em parte pelo Rio da Prata.
De repente uma grande avenida e, então, o Conrad, hotel onde funciona um famoso cassino. Mais à frente, Punta Brava, praia onde fica o monumento “dedos da mão” que emergem do solo. Não sei advinhar as intenções do artista ao esculpir os dedos, dizem que representam a presença do homem surgindo na natureza. Segundo o guia trata-se da mão de um afogado. Preferi imaginar uma mão imensa e um longo braço sob o solo, talvez tão comprido que viesse de outras terras, de povos antigos que povoaram a América antes de nós.
No final fui levado à Casa Pueblo, curiosa construção dividida em inúmeros cômodos, parte deles abrigando as obras do artista uruguaio Carlos Paes Villaró. A Casa Pueblo é lugar instigante e a obra de Villaró muito rica e variada. As fotos de Villaró com Picasso indicam a proximidade de interesses entre as obras dos dois artistas.
Punta del Este, fora do verão, é um balneário vazio que, por isso, carrega alguma tristeza. Ainda que não queiramos, a cidade nos transfere a impressão de alegria temporária e finitudes irreversíveis. As casas riquíssimas e fechadas durante quase todo o ano nos passam a sensação de coisa fora do lugar, talvez desperdício. Aquela riqueza sem movimento, o esplendor paralisado, figuram inúteis e até agressivos porque nos transferem a sensação de impotência ante o que é reservado para poucos e por eles espera.
Ainda assim Punta del Este não deixa de ser uma cidade maravilhosa, dessas em que a gente gostaria de morar. Entretanto, paira sobre a cidade vazia o tal desconforto com a riqueza, desconforto esse que talvez desapareça no verão. É quando os milionários, seres migratórios, retornam a Punta. Então as casas são reabertas e a vida, enfim, se espalha por todos os cantos, devolvendo alegria à cidade que renasce.