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Cães e gatos
Há quem prefira cães, outros idolatram gatos. Gente que diz gostar dos dois em geral esconde a preferência. Mal comparando parece coisa do tipo mãe que jura gostar igualmente de todos os filhos e faz de tudo para disfarçar sua maior queda por um deles.
Prefiro o mundo dos gatos. Tive vários, hoje não tenho nenhum. Gato dá trabalho, mas é bicho amoroso, chegado ao dono nas pernas do qual se enrosca para agradar. Acusam gatos de abandonar o barco quando as coisas vão mal com a família. Aconteceu comigo numa época em que as coisas teimaram em não dar certo e tive que mudar de cidade. Dias antes da mudança o gato sumiu. Na época minha casa ficava num lugar isolado dentro de um condomínio fechado. Na véspera da mudança fiz de tudo para achar o gato que levaria comigo. De nada valeram os meus esforços, o gato sumiu e pronto. Fui embora sem ele, olhando para trás para ver se o danado não aparecia na última hora.
Um mês depois recebi telefonema de um amigo que morava nas redondezas. Dizia ele que o meu gato aparecia no começo da noite defronte a casa onde morei e miava alto, choroso. Evidentemente me procurava. Eu gostava do gato. Daí que me despachei em viagem de quase 300 km só para ir buscar o bichano. Não deu em nada. Por duas noites vigiei perto da casa fechada e nada do gato aparecer. Nunca mais o vi.
Não me dou muito bem com cães, mas tive alguns deles. No tempo em que morei na casa isolada comprei um filhote de capa-preta que em pouco tempo transformou-se num cachorrão. Não era lá dos mais obedientes, mas entre nós existiu amizade profunda. Naquela época eu gostava de correr, ao entardecer ,nas alamedas vazias do condomínio. O cão me seguia nessas corridas. Certa ocasião cheguei a casa já de noite e, junto ao portão, fui surpreendido pelo acendimento simultâneo de faróis de alguns carros. Antes que eu pudesse entender o que se passava um policial acercou-se com uma arma na mão, apontada para mim. O cão virou uma fera. Meteu-se entre mim e o policial, rosnando alto e foi difícil aquietá-lo. Fiquei sabendo que a polícia fora chamada numa casa do condomínio onde há pouco ocorrera um assalto. Explicado que nada acontecera comigo a polícia se foi e ficamos, eu e o cão, no escuro, debaixo de um enorme céu estrelado.
Conheço pessoas que têm adoração por cães, outras que amam gatos. Há gente que faz por animais coisas que nem passariam pela cabeça delas em relação a seres humanos. Um cão mancando na calçada é capaz de mexer com corações que ignorariam um ser humano em condições precárias.
Por isso mesmo o amor, seja pelos seres humanos ou por animais, é um mistério. Também misteriosas as preferências. Existem no nosso íntimo sentimentos inatos que não dominamos capazes de se manifestar de formas imprevisíveis. Talvez por isso, mesmo passados tantos anos, eu ainda sinta saudades do meu desparecido gato e daquele cão que se mostrou amigo na pior hora, arriscando-se para me defender.