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La Chascona
Confesso que não queria ir a La Chascona, casa onde viveu o poeta Pablo Neruda com sua amante Matilde Urrutia. Entretanto, importa desde já dizer que a partir do momento em que se coloca o pé dentro da casa torna-se impossível fugir a um mundo mágico. Neruda está lá, ele vive em cada cômodo moldado segundo sua vontade e prazeres. Em La Chascona penetra-se num labirinto indissociável do homem que ali viveu e dos pertences pessoais que deixou. Trata-se de objetos que não morreram, antes continuam vivos como a testemunhar a falta de seu proprietário, o poeta chileno vencedor do Nobel.
Na grande casa de La Chascona não existe um só milímetro que não nos fale do poeta. Aqui um jardim com desenhos nas paredes pintados por artista chileno; ali o bar que pertenceu a uma embarcação, moldado segundo o movimento das ondas marítimas; à frente a estranha mesa de almoço mandada fazer estreita para que os convidados ficassem face a face; e o estranho armário no qual uma das portas abre-se a um pequeno ambiente de onde o poeta surgia inesperadamente para o convívio dos convidados que o esperavam. Depois a sala na qual um quadro de Ferdinand Leger mostra a face de uma mulher com os cabelos em formato do território chileno. Ao lado do quadro de Leger outro do mexicano Diego Rivera com as duas faces da Chascona. É bom que se diga, Chasonca era o nome dado por Neruda à sua amante, sendo que a palavra “Chascona” significa “descabelada”.
Paulo Neruda morreu em 1973, durante o período da ditadura de Pinochet. Seu corpo foi velado na casa por ordem de Matilde Urrutia. Então a casa havia sido praticamente destruída por ação do governo. Na casa há fotos do velório de Neruda em meio a uma casa devastada. O enterro do poeta foi o primeiro ato contra o governo ditatorial. Mais tarde Matilde Urrutia voltou a morar na casa onde viveu até o fim de seus dias.
Há muito que se ver na habitação do poeta. Ao circular pelas dependências da Chascona tem-se a impressão de que, de repente, Neruda possa surgir em carne e osso à nossa frente, tão vivo ele continua entre os pertençes que colecionou e amou.
Mas, de tudo que vi o que mais me impressionou foi a medalha concedida a Neruda por ocasião do recebimento do Nobel de Literatura. Dentro de um armário simples e protegida por vidro repousa o testemunho de um prêmio que confere a aura de gênio a quem o recebe. Então houve um dia em que o poeta chileno esteve em Estocolmo para receber o maior reconhecimento à obra de um escritor. A medalha que representa esse reconhecimento dorme em La Chascona, testemunho do triunfo de um homem que nasceu e foi poeta em toda a sua vida.