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Nas asas da traição
Encontrei ontem, por acaso, amigo a quem não via há alguns anos. A vida é assim, de repente nos traz situações esquecidas, mas que retornam à memória num instante. A princípio não o reconheci, a começar pelos ombros um tanto curvados e os cabelos grisalhos que então não tinha. Mas, foi ele quem veio na minha direção, mostrando alegria pela surpresa de nos encontrarmos tantos anos depois.
Em certa época fizemos, ele e eu, parte de um grupo de pessoas ligadas, casais que se reuniam com alguma frequência. Na ocasião eu vivia sozinho e foi através de outro amigo que acabei me juntando ao grupo, coisa que deve ter durado não mais que dois anos. Nas reuniões do grupo sempre trocávamos, o amigo a quem encontrei e eu, algumas palavras. Ele trabalhava - se não me engano - com vendas de motores e máquinas e tinha uma boa visão do mercado de negócios através das necessidades de seus clientes. Era casado com moça bonita sobre quem perguntei agora que o encontrei, tendo ele me respondido que tanto ela como os filhos estavam muito bem. Era ele no passado e continuava a ser agora apaixonado pela mulher e pela família.
O que não sei dizer é se ele jamais percebeu - ou fingiu não perceber - a ligação da mulher dele com um dos homens do grupo. Talvez porque na época eu estivesse com minha sensibilidade mais aguçada desde logo percebi que entre a mulher do meu amigo e o marido de uma de suas amigas, rolava estreita relação. Aliás, isso confirmei tempos depois em conversa com o fulano que traia o meu amigo. Estávamos em mesa de bar, conversando, quando inesperadamente o fulano se abriu. Contou-me sobre sua paixão pela moça casada e os encontros furtivos dos dois regados a sessões de muito sexo. Estava o fulano a pique de acabar com o próprio casamento para unir-se à moça. Era, também, a vontade dela - disse-me. Quando perguntei sobre o que, afinal, os impedia de seguir em frente o fulano me encarou e respondeu:
- Ela tem pena do marido dela. O cara é excelente, bom pai, cumpridor. Não merece que ela o traia, mas você sabe bem como essas coisas acontecem. Demais, há entre eles uma diferença de formação: ela é culta, ele homem de vendas que se esforça muito embora lhe falte conhecimento. Ele não a satisfaz intelectualmente e creio que nem como marido.
Não imagino quando tempo terá durado o caso entre o fulano e a moça casada . Quando ao meu amigo traído folgo dizer que tive, agora, à minha frente o mesmo sujeito de aspecto resoluto do passado. Confesso que tive vontade de perguntara ele se afinal pelo menos chegara a desconfiar da traição da mulher. Obviamente, a pergunta não teria sentido. Daí que conversamos mais um pouco e nos despedimos.
Já no carro, dirigindo, veio-me à cabeça o antigo ditado: o que os olhos não veem o coração não sente. Mas, será mesmo que os olhos do amigo a quem encontrei não viram nada?