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Velhos natais
Natal sempre igual? Quase. Com pequenas variações na noite de natal reproduzem-se cenas habituais que passam pela troca de presentes e a reunião da família para a ceia. Come-se e bebe-se além do habitual - os gordos entregam-se à comilança prometendo-se entrar num regime na manhã do dia 25 -promessa quebrada quando o grande e irresistível almoço do dia seguinte é servido para alegria dos apetites vorazes.
Promessas de natal são feitas para serem quebradas. Não duram até a passagem de ano quando em geral dedicamos olhar complacente ao ano que finda e juramos nova vida no que começa. Um parente, já falecido, tinha o hábito e abrir uma garrafa de espumante quando faltava exatamente um minuto para a passagem de ano. Falante como era, tornava-se reflexivo. Deitava o líquido no copo e ficava observando as bolhas que se formavam. Quando o líquido serenava jogava-o na pia e só então se servia do segundo que ingeria de um só gole. Explicava-se: o primeiro copo pertencia ao ano que findava; o segundo representava o novo ciclo que se abria. Ao novo! – dizia. Cada um tem direito a fins e começos segundo suas convicções.
Da noite de natal fica o momento em que os presentes são trocados, particularmente a distribuição de brinquedos. Hoje em dia a facilidade de acesso a toda sorte de brinquedos faz com que crianças recebam muitos presentes e se percam na escolha daquele que será o seu favorito. A indústria de brinquedos, nacional e importada, já não sabe mais o que inventar daí que bebês de seis meses acabam ganhando engenhocas eletrônicas que desfiam as suas ainda incipientes capacidades para aproveitá-los. Mas, nem sempre foi assim. Há cerca de 60 anos os bons brinquedos estavam ao alcance de famílias melhor situadas economicamente e, se bem me lembro, não existiam em tão grande variedade. Pois eu teria uns sete anos de idade e morávamos numa cidadezinha na qual a principal atração de natal para as crianças era a distribuição de presentes na casa paroquial. O padre da cidade conseguia brinquedos junto a empresas e, no dia 25, as crianças formavam fila para recebê-los. Chegada a sua vez a criança entrava na casa e escolhia o brinquedo que lhe aprouvesse.
Aconteceu-me o milagre de ser o primeiro da fila daí a possibilidade de escolher o melhor brinquedo. Quando entrei vi um carro grande, desses com pedais que permitiam à criança sentar-se e dirigir. Era o melhor brinquedo e, obviamente, eu deveria escolhê-lo. Entretanto, cismei com um carrinho pequeno, do tamanho da palma da mão. Ao que me acudiu o padre mostrando o carro de pedais, dizendo-me que faria melhor em ficar com ele. Mas, criança é criança e fiquei com o pequeno que enfiei no bolso da calça e fui embora. O segundo da fila era um meu amigo que não pensou duas vezes para apoderar-se do carro de pedais.
Ainda hoje guardo a imagem daquele carro vermelho que eu não quis sabe-se lá por que. Era o melhor entre os melhores, mas desdenhei dele trocando-o por um minúsculo carrinho do qual logo me esqueci. Creio que foi a partir daí que passei a desconfiar das escolhas que fiz na vida. Algumas foram boas, deram certo, outras não e com consequências sobre as quais o melhor é calar.
Outro dia sonhei que era menino e estava em primeiro lugar na fila de escolha de brinquedos. Quando entrei vi o carro vermelho e tive a chance de corrigir o erro da primeira vez. Não sei dizer o fim do sonho, mas creio que na hora “H” é possível que eu tenha visto o carrinho que cabia na palma da minha mão e, por motivos insondáveis, tenha ficado com ele. Afinal, não é nenhuma novidade o fato de que somos como somos, tantas vezes incorrigíveis.
Vésperas
Amanhã à meia-noite as famílias estarão reunidas para a ceia de natal. Trata-se de momento de intimidade entre pessoas ligadas por parentesco que se sentarão à mesa para comer e beber, deixando de lado problemas, desafetos, enfim as mazelas do cotidiano.
Desconfio que, ano a ano, o natal venha perdendo parcelas de seu encanto. Nesses dias fui, como todo mundo, às compras de presentes para entes queridos e não percebi nas pessoas o entusiasmo que o natal em geral provoca. Vi pessoas na maioria das vezes fazendo o que tinham que fazer, levadas talvez pelo hábito, mas não pude encontrar os sorrisos fartos de felicidade. Culpa da crise mundial, mundo confuso demais, receio de recessão futura? Não é possível dizer, talvez os números a serem publicados depois do natal sobre o movimento do comércio nessa época possa nos dar uma ideia da influência da economia sobre o ânimo das pessoas.
O que está em andamento agora é a grande circulação de pessoas. Como acontece em todos os anos o trânsito de fim de ano está caótico e o movimento nas estradas cresce assustadoramente. Para o final do dia desta sexta-feira espera-se grande movimento nas estradas com o fluxo de veículos que abandonam as capitais com destino ao interior. Em São Paulo espera-se muito trânsito nas vias de acesso ao interior, particularmente nas que conduzem às regiões praianas.
Tudo isso traz a sensação do já visto, do já acontecido, repetição de quadros que ocorrem em todo fim de ano, daí a nostalgia ligada aos natais passados, emoções vividas e assim por diante.
O fato é que já estive em muita ceia de natal e sentei-me à mesa com pessoas diversas, algumas das quais não mais me encontrei e outras que simplesmente morreram. Onde aquela gente toda que frequentava as casa de minha avó? Onde os meus tios dos quais guardo tão boas memórias? Todos mortos, deixando na memória tantos anos terminados, com natais e festas que sobrevivem apenas nas lembranças daqueles que eram crianças e jovens naquele tempo, os poucos que restaram.
Então, se amanhã será comemorada a noite de natal, a passagem do dia 24 para o dia 25, com ceias acontecendo nas mesas do Brasil, quero dizer que não irei à Missa do Galo e confessar que desde os meus tempos de menino deixei de comparecer a essa missa. Talvez porque minha mãe tivesse envelhecido e adoecido e eu não fosse mais à igreja com ela, talvez por descaso meu, talvez por vacilações da minha fé, talvez por tudo isso e muito mais eu tenha deixado de ir à Missa do Galo.
Enfim, amanhã será a véspera do dia de natal. É possível prever como as coisas se passarão amanhã, como as pessoas se comportarão e mesmo as notícias que receberemos através da mídia sobre as comemorações do natal. Ninguém fará, entretanto, menção a natais passados, aqueles perdidos na memória, nos quais minha mãe servia à mesa o frango assado que fora criado no próprio quintal da nossa casa. Aquele natal, assim como tantos outros perdidos no passado me pertence e tem o condão de fazer reviver os meus mortos, dar a eles a brevidade de retorno à vida ainda que apenas dentro de um jato de memória.
24 de dezembro
Nem adianta prometer que o dia será de comedimento em relação a comidas e bebidas. Você acorda mais tarde e faz um acordo consigo mesmo: deixará os problemas de lado. Passará o dia em plena paz enquanto espera a chegada da noite, da ceia, dos abraços, dos presentes, do carinho retribuído pelas pessoas a quem ama.
Num dia desses o melhor é nem ligar a televisão, não assistir a nenhum noticiário, isolar-se o quanto possível da rotina a que está habituado.
Ainda não é hora do almoço quando liga o primeiro dos amigos: ele mora longe, no interior, mas não pode deixar passar em branco uma ocasião como essa. Vocês conversam, trocam confidências e se desejam, mutuamente, muitas felicidades. Quando você desliga fica com a sensação de elo perdido porque distante, de vida calhorda porque não o deixa estar com os amigos nesse dia em que o melhor seria a companhia de pessoas espiritualmente ligadas a você, tal como o amigo com quem falou há pouco.
Durante o café da manhã você acaba ligando a televisão, justamente num noticiário, e fica sabendo que o presidente da República pronunciou-se na noite de ontem, ele que está para sair do governo. Um comentarista destaca a dificuldade do presidente em afastar-se dos holofotes, dando a entender que ele incensa a si mesmo. Outro comenta que em sua fala o presidente inflou dados estatísticos, coisa que sempre faz para vangloriar-se.
O fato é que presidente da República está a dançar a valsa da despedida. Ele roda pelo salão, abraçado consigo mesmo, observando-se numa galeria de espelhos. Há nos passos do presidente sinais de ruptura incompleta. Ele valseia como os velhos que se recusam a envelhecer e os doentes terminais que não aceitam a morte. Experimenta o presidente o desencanto dos artistas que insistem em ficar na ribalta, ainda quando o espetáculo terminou e o público já se recolheu. Isso tudo é muito dele, não se pode tirar do homem o que ele é em essência, o que nasceu para ser e fazer. Dói para ele a despedida, talvez mais que para outros, menos apegados, quando deixaram o cargo. Mas, não há como evitar que seja assim, a vida não passa de uma coleção de realizações efêmeras, cada uma delas com fim mais ou menos previsto.
Outra notícia chama a atenção: aos 72 anos, Orestes Quércia morreu. Ex-governador e senador, antigo radialista, Quércia fez parte do jogo político brasileiro, ainda quando não ocupando cargos eletivos. Recentemente desistiu de sua candidatura ao Senado: já a doença, câncer de próstata, avançava irreversivelmente. De todo modo a noticia, em dia como hoje, soa como despedida precoce realçando a sempre desinteressante constatação da brevidade da vida e das coisas.
Mas, é véspera de natal. Em poucas horas as famílias estarão reunidas, fazendo força para não reativar velhas discussões que poderão acontecer, novamente, depois de uns goles. Aquele seu cunhado, o cara que adora os seus bons vinhos e é exigente, estará mais que inspirado na noite de hoje. Com sorte ele não puxará aqueles assuntos que provocam constrangimento.
Mas, não se apoquente. O importante é que todos estarão juntos e há que se aproveitar esses momentos porque tudo é efêmero, a vida também, lembra-se?
Então, esqueça as recomendações médicas e aproveite o dia comendo, bebendo, fazendo o que lhe der na telha porque existem amanhãs para fazer regime. Afinal é véspera de natal e só por estarmos vivos temos muito a comemorar com aqueles a quem amamos.
Depois da ceia
A comilança e a bebedeira de ontem à noite ainda estão pesando? O jeito é seguir as orientações dos médicos para esse caso: beber muita água e chás, consumir alimentos ricos em potássio (água de coco e bananas) e doces à base de frutas. Além disso, descanse porque muito antes do que você pensa chegará aquele seu amigo ou parente que virá só para dar um abraço e a formalidade exigirá uma(s) cervejinha(s). Isso para não falar nas mulheres da sua família que desde ontem já têm o cardápio pronto para o tradicional almoço do dia de natal (eventuais sobras da ceia farão parte da refeição).
Trata-se da rotina de todos os anos, meu caro, daí que não adianta resistir. As preocupações com o seu peso, os alimentos que não fazem bem a você, a bebida que o médico desaconselhou ou proibiu, isso fica para depois, afinal tudo o que fazemos tem conseqüências e estamos habituados a elas.
Daí que você está aí empanturrado, estudando a capacidade do seu estômago para ver o que mais cabe dentro dele sem que ocorra alguma tragédia. É a rotina do natal.
O que saiu da rotina foi aquela mulher que burlou a segurança e derrubou o Papa durante a Missa do Galo. O Papa caiu, você viu? Agora estão dizendo que a mulher apresenta sinais de deficiência mental e tentou fazer a mesma coisa no ano passado, sem conseguir.
O que leva uma pessoa a avançar sobre o Papa durante uma das maiores cerimônias da Igreja, transmitida pela TV para o mundo todo? Para mim só existe no Brasil uma pessoa capacitada para responder corretamente a essa pergunta: o Beijoqueiro. Afinal, um cara que beijou Frank Sinatra no meio de um show no Maracanã lotado é uma autoridade nesse assunto.
Falando em agressão, você já viu o tal vídeo que circula na internet tentando demonstrar que o ataque a Berlusconi foi uma farsa? O vídeo mostra que logo após o impacto do objeto, atirado contra o primeiro ministro italiano, não houve sangue. Só quando Berlusconi leva um saco plástico ao rosto aparece o sangue. Há quem acredite na farsa, mas a maioria das pessoas, inclusive autoridades italianas, acha o vídeo um absurdo.
Que razões existiriam para que o ataque a Berlusconi fosse uma farsa? A personalidade controversa do primeiro ministro, entre outras acusado até de ser mafioso, tem rendido a ele perdas significativas de popularidade, além de ataques de seus adversários políticos. Levando-se em consideração esses fatos, a agressão de que foi vítima o primeiro ministro foi-lhe muito favorável: segundo o jornal Corriére de La Serra o nível de aprovação de Berlusconi, que estava em 48,5%, subiu para 60% após a agressão.
Natal é assim, às vezes recebemos presentes inesperados. Veja o caso de Berlusconi: um objeto atirado por um agressor contra o rosto dele transformou-se num belo presente de natal, traduzido em aprovação do povo italiano. Vá lá que Berlusconi teve que perder dois dentes, mas todo mundo sabe que aprovação não é coisa que se conquiste facilmente.