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O Smartfone
Não me envergonho de dizer que jamais me adaptei bem aos telefones celulares. São muito úteis, sim: não sou mais capaz de imaginar o mundo sem eles. Mal me lembro de alguns anos atrás quando éramos obrigados a encontrar um orelhão ou central de telefones para fazer ligações interurbanas. Isso já nos bons tempos porque antes o jeito era pedir a uma telefonista que fizesse as ligações. Então esperávamos sem reclamar porque o mundo era assim e nós estávamos em sintonia com ele, com a época em que vivíamos. Daí que a idéia de carregar no bolso um aparelhinho que nos permitisse a comunicação com outras pessoas não passava de ficção muito imaginosa. Do que se conclui que as ficções se tornam realidades e imprimem velocidade ao mundo obrigando-nos, pobres mortais, a acelerar o passo para nos integrarmos ao sempre admirável novo mundo que se renova a cada manhã.
Então, salve a tecnologia que imprime mais velocidade ao mundo e nos faz mais rápidos. Salve os celulares sobre os quais se sabe até que podem causar câncer se os mantemos muito próximos a nós. E viva o smartfone (smart phone), nova febre no mundo da telefonia. Eles representam um grande avanço dado que acrescentam à função primária dos telefones – contatos de voz, ao vivo – inúmeras outras funções, tantas outras que, sinceramente, fica meio difícil saber para que sevem de fato.
São interessantes esses tais smartfones, isso não se pode negar. E vêm até equipados com coisas para distrair seus proprietários em momentos de solidão. Vi num deles um joguinho no qual uma bolinha circula num labirinto. Pois cada vez que a bolinha bate numa das paredes do labirinto o jogador pode sentir na sua mão a vibração da colisão. No mesmo smartfone existe o desenho de um chicote que permite ao proprietário mover os braços e a dar chicotadas que são acompanhas pelo som característico delas. Assim, você pode descarregar o ódio que sente por alguém, o seu chefe, por exemplo, chicoteando-o com o seu smartfone. Para isso, basta movimentar agressivamente os braços e bater forte nele. E importante: é possível fazer isso em qualquer lugar, no metrô, por exemplo, enquanto se dirige ao trabalho. E que dizer da telinha que se transforma num recipiente cheio de cerveja que você pode consumir virtualmente, levando o smarfone à boca e observando o nível da bebida diminuir enquanto ingere bons goles de “nada” bem gelado? Eis aí um brinquedo que talvez seja útil em crises emocionais nos momentos de sede em desertos.
Meninos, eu vi. E olhe que estamos apenas no setor de divertimentos. Depois dele passei ao bluetooth que, uma vez acionado, transforma o seu celular numa espécie de controle remoto com o qual você pode se conectar a outros telefones, computadores, aparelhos de TV etc.
Paro por aqui quanto às características dos smartfones, mesmo porque não fui capaz de absorver nada mais daquilo um paciente amigo me mostrou. Mas confesso que a apresentação do smartfone me deixou um pouco deprimido. A presença de tanta tecnologia concentrada numa caixinha me fez sentir enorme e inútil, como um monstro que tivesse ao seu alcance um controle remoto mágico e não soubesse fazer uso dele. Dessa sensação me defendi achando que há nesses aparelhinhos algo de sofisticação abusada, que me perdoem por dizer isso as novas gerações para quem todo esse reboliço tecnológico é tão atraente.
Enfim, adorei o smartfone do mesmo jeito e com a comovida admiração com que um índio, em 1500, teria recebido um presente qualquer de um português que viera parar nessas plagas, após a tresloucada travessia do Atlântico. Ao índio certamente não escaparia a noção de que aquele valor não pertencia à sua civilização; a mim que o smartfone talvez seja uma evolução que eu não esperava alcançar, aviso de que o meu tempo vai se convertendo, depressa demais, em passado.