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Cuba: traição entre irmãos
Estão aí as notícias sobre Juanita Castro, irmã de Fidel e Raul, que acaba de confessar ter sido agente da CIA. Ela escreveu um livro sobre o assunto que está sendo lançado com muito aparato: o título é “Fidel e Raul, Meus Irmãos - A História Secreta”. Por enquanto o livro está em espanhol e dando o que falar.
Também por esses dias vi nos jornais uma foto de estudantes cubanos jogando flores ao mar em homenagem ao herói nacional Camilo Cienfuegos, um dos líderes da revolução que depôs o ditador Fulgêncio Batista. Cienfuegos morreu precocemente num acidente de avião que desapareceu no oceano.
Confesso que de vez em quando tenho vontade de falar alguma coisa sobre Cuba, mas evito e escolho outro assunto. Acontece que sempre estive entre os que olharam a Revolução Cubana com ceticismo, não a Revolução propriamente dita, mas seus desdobramentos. Essa posição causava-me problemas em conversas com amigos porque se desenvolveu uma idolatria por Cuba, Fidel Castro e os outros, idolatria essa que no meu modo de entender cegava um pouco aqueles que amavam tanto a Cuba.
Creio que isso fica bem claro quando se trata de Che Guevara, mitificado que é, símbolo de resistência e liberdade em que foi transformado. Che virou o homem das camisetas, dos filmes que lotam sessões, do americano do hemisfério Sul que se opôs ao imperialismo ianque. Daí que sobre Che não existem dúvidas, ele é um herói e pronto. Se foi mesmo o herói que se supõe creio que nunca saberemos, mas estão aí as fotos dele morto após ser executado, magro e sofrido, cabelos longos, espécie de Jesus Cristo que foi imolado para que pudéssemos ter o continente que temos.
Entretanto, não é bem sobre Cuba e a Revolução que quero falar, nem sobre aquelas pessoas que visitaram a ilha e voltaram de lá contando maravilhas sobre um país que mantém uma frota de carros dos anos 50, tal o reflexo do bloqueio econômico imposto pelos ianques ao governo de Fidel.
Quero me referir ao modo como a Revolução Cubana entrou na minha vida. O fato é que nessas minhas andanças por esse mundo certa vez conheci um capuchinho que se dedicava a escrever peças de teatro. A grande criação dele foi uma peça sobre a Revolução Cubana, encenada por um grupo de jovens que se vestiam com as fardas dos revolucionários chefiados por Fidel.
Se bem me lembro, na peça Cuba era apresentada como um país governado pelo ditador Fulgêncio, sempre em acordo com os interesses norte-americanos. Os jovens que se reuniram em Sierra Maestra e fizeram a Revolução eram idealistas e libertaram o país de um regime de opressão. O enredo não tinha, com se observa, grandes novidades que ficavam por conta da trajetória de cada um dos principais revolucionários, todos eles candidatos a heróis que se tornariam ao vencer a Revolução.
A peça foi exibida em algumas cidades do interior, sempre com sucesso. Tempos depois foi inscrita num concurso de teatro amador em São Paulo, sendo honrada com o primeiro prêmio. Na ocasião um membro do júri - conhecido dramaturgo cujo nome infelizmente me escapa – referiu-se elogiosamente ao trabalho do capuchinho e ao desempenho dos rapazes por ele dirigidos.
Infelizmente a carreira de dramaturgo do frei e a própria peça foram encerradas no dia 31 de março de 1964, data da revolução que depôs o presidente João Goulart e deu início aos governos militares. Com a direita no governo falar em Revolução Cubana tornou-se perigoso, daí o encerramento das atividades do pequeno grupo teatral.
Vem desse fato a minha simpatia por Cuba e sua Revolução. Ainda hoje, sempre que leio algo sobre Fidel, Raul, Guevara, Cienfuegos e outros, eu os vejo como jovens idealistas fazendo uma revolução em cima de um palco, revolução sem consequências, sem dor, sem miséria, sem opressão, revolução redentora que termina com as palmas do público.
Talvez por isso eu tenha tanta dificuldade em falar sobre Cuba e prefira imaginar uma revolução que de fato não houve, uma peça de teatro escrita e dirigida por um frei que a mão de ferro do Estado Brasileiro teimou em silenciar.
De Heróis e Mitos
De que a humanidade precisa de heróis não restam dúvidas. O herói é alguém que suplanta as nossas limitações, faz-nos acreditar no impossível e celebra conquistas que gostaríamos fossem nossas.
Quem lê os informativos deste fim-de-semana encontra referências a um novo herói, o nadador brasileiro Cesar Cielo. Num país mais propenso a aberrações que verdadeiras conquistas, Cielo surge para o público como expoente da raça, protótipo do brasileiro comum que alcança a glória por todos os outros.
Não é todo dia que alguém se torna o nadador mais rápido do mundo e todos sabem quanto isso custa em termos de preparo, concentração e até obstinação. Daí ser mais que justo o clima de euforia que cerca a conquista do nadador brasileiro. Ainda agora vi as pessoas, no interior de uma padaria, voltaram-se para uma televisão quando o nome de Cielo foi pronunciado em um programa esportivo. Havia reverência, admiração e orgulho em suas faces.
O Brasil tem uma longa história de heróis ligados à área esportiva. Alguns são canonizados em vida, pelo menos momentaneamente com agora acontece com Cielo. Outros são adorados pelo público na época de seus feitos, mas a canonização ocorre após a morte, como aconteceu a Ayrton Senna. De qualquer modo, o importante é que existem heróis brasileiros e ponto final.
Do que temos falta por aqui é de mitos. Note-se que mitos de verdade são assim consagrados após a sua morte. Em geral trata-se de pessoas cuja vida é marcada por acontecimentos insólitos e não raramente termina de forma trágica. São mitos mundiais John Lennon, Che Guevara e Marilyn Monroe. Deles não se pode dizer que tiveram vida semelhante ao comum dos mortais. Além disso, comungam de circunstâncias obscuras ligadas às suas mortes: Marylin desapareceu precocemente em situação até hoje não completamente esclarecida; Lennon foi assassinado; Guevara notabilizou-se por atitudes extremas, ditas libertárias e foi morto nas selvas da Bolívia.
Mitos são pessoas que sobrevivem estampadas em camisetas acrescentando às pessoas que as usam, mais que reverência, um pouco de ousadia e sensações de glória e liberdade.
Charles Chaplin criou Carlitos, personagem mítica que sobrevive nas memórias com sua imagem irreverente, rindo de si mesmo e de todos nós.
A humanidade recorre a personagens míticos como forma de superação e de conquista de liberdade. Quanto aos heróis, não importa que o sejam por pouco tempo desde que ao sê-lo agreguem em torno de si o sonho das multidões.
Num país tão carente de heróis e atos heróicos é com alegria que recebemos a conquista de Cielo e a justa homenagem que a ele faz a revista “Veja” desta semana em cuja capa se lê a manchete:
“Enfim, um herói”.
PS: os jornais exibem na manhã de domingo a galeria dos heróis nacionais: Pelé, Ayrton Senna, Eder Jofre, Adhemar Ferreira da Silva, Maria Esther Bueno, Garrincha, Emerson Fitipaldi, Gustavo Kuerten, Torben Grael, Robert Scheidt, Oscar, João do Pulo, e Hortensia.
Há certa confusão entre herói e mito. Se o critério para mitificação for a morte Ayrton Senna e Garrincha tornaram-se mitos.