Chicago at Blog Ayrton Marcondes

Arquivo para ‘Chicago’ tag

A festa do vizinho

escreva o seu comentário

O vizinho do lado está dando uma festa. A música é dos anos 70 e, pelo ruído das batidas dos pés, as pessoas dançam. O som é alto e os Bee Gees estão arrepiando. A pessoa que comando som, o DJ da festa, volta e meia repete “Stayng Alive” e “Night Fever”.

A gritaria invade a madrugada. Imagino o meu vizinho, homem que usa sempre gravata e normalmente tão contido, metido nessa algazarra. A mãe dele, a senhora da cadeira de rodas que toma sol de manhã na área dos fundos do prédio, como estará agora?

Penso em ligar para a portaria para pedir silêncio, afinal são duas horas da manhã. Chego a tirar o interfone do gancho, mas desisto: em 364 dias por ano não ouço um só suspiro no apartamento do lado. Isso é assim todos os anos, excetuando-se a noite de 8 para 9 de setembro. Nessa noite tudo se transforma. De repente, começam a chegar flores, funcionários de um bufê trazem comidas e bebidas e, lá pela nove da noite, aparecem os convidados.

Já cruzei com muitos convidados do meu vizinho no elevador. São pessoas circunspectas como ele, homens de terno e gravata, mulheres com roupas de noite, pintadas e usando jóias. Nunca vi jovens, mas é provável que existam alguns no meio da gente que chega. A presença dos convidados, todos os anos na mesma data, significa que vai rolar a festa. Aliás, um detalhe me intriga: a festa sempre termina, religiosamente, às 3h30min da madrugada ao som do “Danúbio Azul” de Strauss.

Não sei o que isso significa. Por que justamente o “Danúbio Azul”? E às 3h30min da manhã? E com as pessoas de repente em profundo silêncio? Não sei. O que sei é que, depois disso, as pessoas vão embora, muito quietas e, a partir daí, não se ouve mais nada.

Como não consigo dormir nessas ocasiões, fico matutando sobre a possibilidade de o meu vizinho fazer parte de alguma confraria, talvez uma organização secreta, um novo tipo de maçonaria, sei lá. Pode até ser que essas pessoas sejam membros de um clube satânico como aquele do filme “O Bebê de Rosemary”. Nesse caso o meu vizinho teria alguma ligação com as regiões infernais e estaria a serviço do mal. Será?

Por volta das três da manhã a agitação aumenta. O DJ toca músicas do “Queen” e da banda “Chicago”. Depois repete “Stayng Alive” e pode-se perceber uma grande animação. Às 3h22min há um minuto de silêncio e aí começa o “Danúbio Azul”.

Quando a valsa de Strauss termina, a cena de todos os anos se repete: os convidados vão embora e nada mais se ouve.

É possível que de manhã, quando eu sair de casa, encontre o meu vizinho, como acontece em quase todos os dias. Ele estará com o seu terno, a gravata escura, e me desejará bom dia, circunspecto como sempre. Será assim durante todo o tempo, até a noite de 8 para 9 de setembro do próximo ano. Então o ritual se repetirá, haverá uma festa para os convidados que terminará as 3h30min da madrugada, pontualmente.

Não me surpreenderei se um dia vier a descobrir que o meu vizinho é o próprio diabo que, uma vez por ano, recebe seus asseclas para uma sessão pop de satanismo.

Vou ficar de olho nele.

William Faulkner

escreva o seu comentário

WKD WILLIAM FAULKNERNos próximos dias comemora-se o aniversário de nascimento do escritor norte-americano William Faulkner.  Ele nasceu em 25 de setembro de 1897 e morreu em 6 de julho de 1962.

Enquanto Faulkner esteve vivo, nunca ouvi falar dele. A minha geração praticamente começou a pensar racionalmente quando Faulkner já se despedira desse maravilhoso mundo. Aliás, sobre pensar, um amigo me recomenda a leitura de um livro do filósofo Karl Popper, intitulado “A sociedade aberta e seus inimigos”, no qual, ainda segundo o meu amigo, Popper ensina a pensar. Trata-se de uma obra em que autor visa destruir, pedra sobre pedra, o marxismo. Popper escreveu na década de 50, bem antes da queda do muro de Berlim, e apontava falhas grosseiras na filosofia de Marx que, por isso, não poderia dar certo.  As previsões de Popper se realizaram. Não li, vou ler, mas “A sociedade aberta e seus inimigos” foi publicado em dois volumes pela EDUSP e ainda pode ser encontrado por aí, se você estiver interessado.

Mas, voltemos a Faulkner. Não sei se você visitou New Orleans, antes de ser destruída pelo furacão Katrina. Era uma cidade e tanto, muito além das ruas povoadas pelos bares de jazz. Uma loucura! Anos antes, uma amiga tinha me falado sobre os músicos que tocavam nas esquinas deixando à sua frente um chapéu para a caridade pública. Eram mesmo maravilhosos como pude confirmar, anos depois. Mas, não eram só eles. Nos bares da Bourbon Street podia-se ouvir o melhor jazz, variando os temas tocados de bar para outro. Até que se parava no Preservation Hall onde uma banda formada por caciques musicais do lugar nos remetia às origens musicais da cidade, em show curto e de rara beleza.

Não sei se ainda é assim. Vimos pela televisão imagens terríveis de uma cidade inundada, pessoas presas em suas casas, ladrões explorando a tragédia ocasional, assaltos a lojas com parte de seus produtos sob a água. Lembra-se? Pois o que você viu não era New Orleans, não era o Rio Mississipi, não era a Bourbon Street, nem era o cemitério onde foram feitas algumas locações do filme “Entrevista com o Vampiro”, estrelado por Tom Cruise. Aquilo tudo era só uma grande beleza inundada pelas águas do Mississipi que, segundo consta, saiu do seu leito por distração do então presidente Bush que, gastando muitos dólares na perseguição a Bin Laden, não destinou verbas para a barragem do grande rio.

É ao mundo do Estado da Lousiania  e todo o sul dos Estados Unidos que pertence William Faulkner.  O seu universo é o dos senhores e dos negros que para eles trabalham, das grandes fazendas, da violência das cidades onde predominam ódios impossíveis de serem cessados. Não importa que muito tempo antes o presidente Abraham Lincoln, mais tarde assassinado num teatro, tenha dado liberdade aos escravos e provocado a Guerra de Secessão. O sul é o sul e ele está inteiro nas páginas de Faulkner que, aliás, não era bem visto pelos seus concidadãos sulistas.

Como disse anteriormente, nunca ouvi falar de Faulkner enquanto ele esteve vivo por aí. O meu encontro com ele se deu ocasionalmente, através de um livro chamado “Santuário”. A história desse livro de Faulkner é interessante. Consta que na época em que o escreveu o escritor estava muito aborrecido com a recepção do público às suas obras, consideradas complicadas demais. Para desfazer essa impressão Faulkner trancou-se numa garagem com muitas garrafas de uísque ao seu alcance, disposto a escrever um livro fácil e a gosto do público. Assim nasceu, em 30 dias, “Santuário” que é, de longe, o melhor livro do escritor.

“Santuário” é um livro que subverte o modo de contar histórias. As alternâncias de focos e tempos narrativos, as mudanças bruscas, situações desesperadas das personagens e a força do texto tiveram grande influência sobre o modo de pensar e escrever de gerações de escritores, daí recomendar-se a leitura do livro a todos aqueles que se interessam por literatura.

Faulkner havia recebido o Prêmio Nobel de Literatura quando esteve no Brasil, em visita a São Paulo. Era então um figurão de renome mundial e bebia muito. Hospedou-se no antigo Hotel Esplanada, localizado bem atrás do Teatro Municipal, no centro da cidade (hoje o hotel já não existe e ali funcionam os escritórios de uma grande empresa).

Por algum motivo William Faulkner odiava Chicago e consta que a vista do Vale do Anhangabaú, a partir das janelas do prédio do antigo hotel, reproduzia imagens da metrópole norte- americana. Vai daí que Faulkner, tendo bebido mais que o normal, foi à janela de seu quarto de hotel e achou que estava em Chicago. Consta que, na ocasião, começou a gritar que odiava Chicago e a reclamar pelo fato de o terem trazido àquela cidade.

Se você gosta de literatura, vale a pena procurar nas livrarias o “Santuário” do escritor norte-americano William Faulkner. Outro livro do escritor, mais facilmente encontrado, chama-se “Enquanto Agonizo”, uma leitura de primeira plana.

Salve William Faulkner que dia 25 de setembro completaria 112 anos de idade.