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Atores se despedem
Não sei dizer com exatidão o tipo de sentimento que desenvolvemos em relação a grandes atores. Na verdade existe uma vasta gama de sentimentos que vão da simples admiração até mesmo à paixão de alguns aficionados tanto pelo teatro quanto pelo cinema. Quanto a mim sempre fui curioso por biografias de modo que tenho por hábito acompanhar carreiras de atores nas quais sucessos e fracassos tornam-se fatos marcantes.
É interessante o fato de que um ator pode participar até mesmo de um filme medíocre, mas, ainda assim, deixar nele gravado pelo menos um lampejo de sua grande arte. Não me esqueço, por exemplo, de Boris Karloff em uma história sobre vampiros na qual ele sai de casa para combatê-los e avisa aos filhos que, caso volte depois da meia-noite, não o deixem entrar. O roteiro não é bom, os clichês são exagerados, mas fica o momento em que o pai, passada a meia-noite, aparece defronte a casa onde estão os filhos. Neste único instante Karloof apresenta-se magnífico: o olhar do homem que se transformou em vampiro e vai matar toda a sua família ilumina o seu rosto, tornando a cena inesquecível.
Nesta semana faleceu o ator Ernest Borgnine de quem ficou a participação no filme “Marty” – o papel rendeu a ele o Oscar de melhor ator em 1955. Mas, para mim Borgnine será sempre o fantástico motorista do filme “Fuga em Nova York” no qual circula com seu táxi, aparecendo nas horas certas, numa cidade devastada. E hoje se noticia que o ator Peter O’ Toole anunciou, aos 79 anos de idade, a sua aposentadoria. O’Toole é desses atores inesquecíveis. Viveu no cinema papéis realmente grandiosos a começar como Lawrence da Arábia, no filme do mesmo nome. O último filme em que o vi em ação foi “Vênus” no qual sua interpretação valeu a ele sua oitava indicação para o Oscar. Em “Vênus” O’Toole é Maurice, um velho ator que se apaixona por uma jovem. A perfeição e fineza de O’Toole no papel do velho ator pertencem aos grandes momentos do cinema.
Os atores de cinema são personagens que fazem parte do nosso cotidiano, repartindo conosco a ilusão das vidas gravadas no celuloide e em aparelhos digitais. Tornam-se nossos conhecidos, pessoas familiares que entram em nossas casas através das imagens na televisão. Por isso os admiramos e sentimos a perda deles seja pela aposentadoria ou pela morte.
Meia-Noite em Paris
Não é que “Meia-Noite em Paris” foi indicado para receber o Oscar de melhor filme do ano? O filme tem sido muito elogiado, destacando-se o lado poético da narrativa e o eterno fascínio despertado pela Cidade Luz na qual toda a trama se passa. Assim, desde o seu lançamento “Meia-Noite em Paris” foi saudado como grande obra e caiu no gosto do público. Alguns críticos de cinema chegaram a apontá-lo como o melhor de Woody Allen, afirmando que o diretor recuperara a mão boa para fazer filmes. Mas, para dizer a verdade não sei se a indicação ao prêmio seria exatamente o esperado.
Com tantos elogios e recomendações fui assistir ao filme de Allen com expectativa dobrada. Sabe quando você entra na sala de exibição achando que vai assistir a um grande filme, ainda mais quando diretor é um cara de quem você gosta muito? Pois foi o que me aconteceu.
Dai? Daí que achei o filme óbvio demais, trama proposta para exaltar os conhecimentos dos espectadores, oportunidade para rever coisas sabidas e muito agradáveis. Allen insere o roteirista Gil, interpretado por Owen Wilson, numa Paris do presente na qual se abrem possibilidades de viagem ao passado. E esse passado é exatamente a época em que a cidade apresentou-se como mais glamorosa aos norte-americanos que, endinheirados, abarrotavam navios e se instalavam na capital francesa. Eram os anos 20 nos quais intelectuais se entrechocavam nos bares parisienses de modo que Gil se encontra com Hemingway, Scott Fitzgerald, Picasso e muitos outros. A era dos anos 20 é recuperada por Allen através de seu intérprete não havendo, entretanto, nenhuma novidade: os ícones da época continuam a ser o que sempre nos disseram sobre eles e o que se destaca é a idolatria de Gil pelos pelas personagens com quem se encontra.
Acontece que Paris é poética e Allen manipula muito bem a poesia da cidade, o aspecto dos bares e mesmo as idas e vindas de Gil ao passado. O filme é interessante, diverte, mas repisa algo conhecido sem mostrar aspectos diferentes, exceto a maravilhosa oportunidade de imersão em mundos desfeitos, habitados por personagens que participaram ativamente e ajudaram a construir a cultura do século XX. Assim, não é demais dizer que “Meia-Noite em Paris” é bom filme, ótima diversão, bom trabalho do excelente diretor Woody Allen, mas não o melhor dele como se tem afirmado. Daí ser possível supor que, mesmo sem ter assistido a todos os filmes que concorrem ao Oscar, o “Meia-Noite em Paris” dificilmente poderá ser o vencedor.
Confesso que sou fã de carteirinha do trabalho de Woody Allen. A primeira vez que tomei contato com a obra dele foi através do filme “Bananas”, de 1971. Ainda hoje me recordo do impacto que teve sobre mim aquele trabalho de textura inesperada, hilariante, muito divertido. Depois de “Bananas” Allen fez alguns excelentes filmes sempre brindando-nos com o seu olhar divertido sobre coisas sérias, desnudando faces do modo de ser humano. O fato é que Allen nos faz rir de nós mesmos através das suas personagens, nisso talvez grande parte da mágica que nos envolve ao assistir os seus filmes.
A jaqueta de Michael Jackson
O nome do lugar é Beverly Hills. É lá que se fazem leilões para vender pertences de gente famosa que, como se diz por aí, “já não estão entre nós”.
Tempos atrás foi aquele inesquecível vestido pregueado que Marylin Monroe usou no filme “O Pecado Mora ao Lado”. Todo mundo conhece a cena: o vento gerado pelo movimento de um trem passa pela grade da calçada sobre a qual está Marylin e levanta o vestido dela. Pronto: eis aí a eternidade surgindo de repente, sem aviso.
Milhares e milhares de fitas de celulose têm sido gastos para gravar – hoje tudo é digital - uma infinidade de filmes com cenas de todos os tipos. Entretanto, pode-se dizer sem medo de errar que a cena de Marylin na calçada, vestida de branco, sempre estará entre as melhores já filmadas, qualquer que seja o critério de escolha. E não é para menos: haja sensualidade, por isso Marylin foi, é e sempre será um mito.
Bem, esperava-se pelo vestido uma oferta de US$ 1 ou 2 milhões: foi arrematado por US$ 4,6 milhões. Só para constar: o vestido vermelho de Marilyn, de “Os Homens Preferem as Loiras” foi comprado por US$ 1,2 milhão.
Agora foi a vez de Michael Jackson. Lembra-se do casaco que ele usou durante a gravação de “Thriller”? Aquela jaqueta vermelha de couro? Ela mesma e sabe por quanto? Por US$ 1,8 milhão.
Quem arrematou a jaqueta do Jackson foi um empresário do ouro do Texas. Muito feliz com a aquisição ele declarou tratar-se de uma das mais importantes peças de memorabilia rock ‘n’ roll da história. No mesmo leilão foram arrematados outros objetos que pertenceram a Michael Jackson, entre eles uma luva de cristal que saiu pela bagatela de US$ 330 mil.
Tudo bem que o casaco usado pelo Michael Jackson é uma peça significativa da cultura pop como declararam os leiloeiros. Verdade, também, que, como foi dito, nenhum outro casaco é tão facilmente reconhecível ou tão relevante à história da moda. Mas, US$ 1,8 milhão?
Eis aí uma questão cuja profundidade escapa à maioria das pessoas entre as quais me incluo. Se perguntarmos a um adversário do imperialismo norte-americano sobre a venda do casaco é possível que ouçamos a velha ladainha dos males e deformações do capitalismo, críticas sobre a concentração da riqueza nas mãos das elites dominantes e por aí afora. Psicólogos encontrarão desvios na alma de pessoas que se entregam ao desvario de compras assim e haverá quem relacione a aquisição de pertences de celebridades a fetiches e coisas do gênero. Por outro lado, fãs de Michael Jackson dariam a vida para ter ainda que fosse uma meia suja usada pelo ídolo.
O que me leva a confessar um malfeito que fiz, muitos e muitos anos atrás. Uma prima adorava determinado cantor brasileiro que tinha por ídolo. Certo dia vi a assinatura do cantor na capa de um disco e fiz uma imitação razoável dela num guardanapo. Foi essa imitação que entreguei à minha prima, dizendo que por acaso vira o cantor e pedira a ele um autógrafo exclusivo para ela.
Era uma brincadeira que eu me propunha a esclarecer logo em seguida. Mas, a minha prima de tal modo ficou feliz com aquilo que não tive coragem de contar a verdade a ela. Era para ser um trote, ficou como verdade. Éramos muito jovens na época e não sei se ela ainda mantém nos seus guardados o tal guardanapo. Em todo caso eis que, via jaqueta de Michael Jackson, estou finalmente confessando o meu malfeito.
A minha opinião sobre o leilão da jaqueta do Michael? Cara, coisa estranha, muito estranha.
Os perigos da ironia
Foi quando assisti, por acaso, na televisão, ao filme Dogville que passei a prestar atenção ao trabalho do cineasta Lars von Triers. Foi ele, juntamente com Thomas Vinterberg, o fundador do movimento Dogma 95 que preconiza 10 regras para fazer filmes, entre elas a de não serem usados cenários.
Dogville é um filme que impressiona. Estrelado por Nicole Kidman e Paul Bettany, dele não se pode dizer que não tenha cenários. Na verdade Triers faz uso de cenários extremamente simples, bastando-se dizer que o filme foi inteirinho rodado dentro de um galpão localizado na Suécia. Dogville é uma pequena cidade que em realidade não sai do chão porque a delimitação entre as casas é feita por marcas no próprio chão, praticamente inexistindo cenários. Nesse ambiente, a um só tempo restrito e infinito, vive a população da cidade, destacando-se a falsa moral que dita as regras dos relacionamentos. Tudo isso é conduzido pela voz de um narrador onisciente que, num mundo propositalmente ficcional, conduz a trama de modo a revelar o perfil e comportamento dos cidadãos. Filme de atores, filme de diretor, aberto a interpretações, rico em referências – o teatro de Bertold Brecht é uma delas – chama atenção por suas inovações na arte de filmar e pela excelência das interpretações do elenco. O final é um ajuste de contas contra o falso moralismo e os descalabros cometidos pelas pessoas em nome da vida em sociedade.
Pois é esse Von Tries que acaba de ser expulso do Festival de Cannes. Desta vez a postura de rebelde do diretor de cinema não deu certo de vez que ele logrou atravessar a linha imaginária que delimita o chamado bom-senso: durante entrevista de lançamento de seu novo filme, von Triers afirmou identificar-se com Hitler e o nazismo fato que provocou justa revolta entre os jornalistas presentes à coletiva. Ato continuo houve a expulsão, seguida da proibição ao diretor de aproximar-se a distância inferior a 100 metros da sede do Festival.
Não deixam de ser interessantes as declarações de von Triers após ter sido expulso. Afirmando que se referiu ao nazismo por pura ironia – a inconfessável tentação de causar sensação e escândalo – reconheceu o diretor seu erro ao falar nos termos em que usou no momento em que se dirigia à imprensa mundial. Declarando que fizera uso da linguagem comum em contato com amigos von Tries deu-se conta de seu grande erro, indesculpável e sem remédio.
Do que se extrai alguma coisa sobre a metodologia dos irônicos e o perigo das ironias. Pano de fundo de participações pessoais infelizes é o descaso pela dimensão do meio onde se atua. Lars von Triers, aclamado diretor, deu uma tremenda bola fora ao se referir ao nazismo, ainda que ironicamente. Tipo da piada em hora e lugar errados, ato realizado para chamar a atenção com consequências bastante previsíveis.
Filme: Minhas mães e meu pai
O que acontece quando um rapaz de 15 anos de idade insiste em conhecer o próprio pai sobre quem apenas sabe que doou o esperma que o gerou?
Essa situação aparentemente banal serve como ponto de partida para uma trama complexa que envolve um conceito diferente de família. Um casal de lésbicas, Jules (Julianne Moore) e Nic (Annete Bening), que vivem juntas há 20 anos, fez uso do esperma de um mesmo homem, Paul (Marc Ruffalo) para engravidarem. Jules é mãe de Laser (Josh Hutcherson) e Nic mãe de Joni (Mia Wasikowska).
Joni e Laser são dois meios-irmãos, filhos de um mesmo pai ao qual não conhecem, criados por Jules e Nic. As relações estáveis entre essas quatro pessoas complica-se quando os dois jovens decidem procurar pelo pai. A entrada desse novo personagem no cotidiano da família desestabiliza a união de Jules e Nic. Paul é um sujeito interessante, dono de restaurante, que vê com bons olhos a chegada dos filhos cuja existência desconhecia. Para complicar Jules sente-se atraída por Paul que se apaixona por ela. Entre os dois estabelece-se uma relação íntima que acaba por ser surpreendida pela dominadora Nic, na verdade uma espécie de homem da família.
Como seria de se esperar a complexidade dos sentimentos que afloram tende a esgarçar as relações entre as pessoas, com desgastes inevitáveis. É em torno desses acontecimentos que gira o enredo proposto pela diretora Lisa Cholodenko cuja intenção, ao que parece, era de fazer uma comédia. Entretanto, o filme não faz rir, embora a boa dose de humor nas situações criadas. Na verdade o riso do espectador é contido por certo nó na garganta diante de uma situação que envolve a dramaticidade de uma relação comum, mas à qual não se está habituado. Visto de perto, o drama dos jovens que se ressentem da falta de pai sugere que a fuga da forma habitual de família pode ser problemática, sendo necessário muito jogo de cintura para que as pessoas envolvidas se adaptem à realidade que lhes é imposta.
Assim, paira sobre o filme o peso da família tradicional, também ela cheia de problemas, mas instituída como forma de relacionamento habitual. Laser e Joni, ao procurar pelo pai, mais que a um elo de suas existências, correm atrás do que é tradicional. Não são raros os momentos em que os jovens demonstram o seu estranhamento face ao casal de Jules e Nic. De fato, a união entre as duas não parece tão transparente ou aceitável a Laser que, por mais de uma vez, questiona detalhes do relacionamento.
Talvez realizado por ser mais leve “Minhas mães e meu pai” levanta questões que não resolve, deixando-as em aberto. Há muito de novo e inolvidável no modo de vida de uma família que foge ao padrão tradicional, mas que, nem por isso, deixa de ser uma família. Louve-se no filme a fuga a preconceitos e a liberdade de expressão que propõe reflexão àqueles que não aceitam formas diferentes de relacionamentos.
Por fim, importa dizer que acima de tudo está o amor entre as pessoas. A mensagem do filme parece ser a de que se as escolhas que fazemos nos fazem sofrer ainda assim compensam desde que exista o verdadeiro amor. É ele que mantém a família unida apesar das adversidades as quais, aliás, verificam-se em todas as configurações familiares, tradicionais ou não.
A agonia do Cine Belas Artes
Há quem fale em saudosismo quando pessoas protestam contra o fechamento de um cinema que, durante décadas, constituiu-se em polo cultural de uma cidade grande como São Paulo. O caso do Cine Belas Artes é emblemático no sentido de que o encerramento de suas atividades representa a submissão de um ponto de convergência cultural ao mundo dos interesses e negócios.
O Belas Artes de hoje é um sobrevivente dentro de um mundo de salas de projeção de rua desaparecidas e substituídas por outras mais modernas e localizadas em shoppings. De fato, a lógica comercial converge para o fechamento de um ramo de negócio para que outro, certamente mais rentável, ocupe o seu lugar. Obviamente, tal raciocínio não leva em conta qualquer escala de valores de modo que tanto faz que no tradicional ponto comercial, localizado junto à esquina da Rua da Consolação com a Av. Paulista, funcione um cinema ou uma loja. Entretanto, essa indiferença não se aplica quando o que está em jogo é parte da memória cultural da cidade e uma das importantes referências de seus habitantes.
Conheci o Belas Artes nos meus primeiros anos em São Paulo, então uma cidade em transformação e ainda sem essa insaciável sede de violência. Não faz tanto tempo assim. O centro da cidade era, digamos, mais respeitável, sem essas levas de desocupados, tantas vezes bandidos que nos ameaçam. Para ficar num só exemplo, a Rua São Bento tinha suas lojas chiques que se abriam na calçada sem qualquer constrangimento. Havia mais cuidado com as vestes; respeito e lhaneza no trato figuravam entre os hábitos dos paulistanos. Não era nenhuma maravilha, mas respirava-se mais civilidade.
Frequentei o Belas Artes nas décadas de 70 e 80. Ali assisti a filmes de grandes diretores como Michelangelo Antonioni, Akira Kurosawa, Alain Resnais, Ingmar Bergman e muitos outros. Era um cinema “cabeça”, mais preocupado com a qualidade e fugindo do apelo comercial dos filmes exibidos nas demais salas da cidade. Se há algo que me irritava um pouco eram as filas de espera entre uma sessão e outra: no espaço destinado à espera reuniam-se muitas pessoas, entre elas os tais intelectuais de plantão sempre prontos a exibir sua cultura através de uma enxurrada de opiniões, quase sempre superficiais. O lugar era propício ao surgimento de críticos de salão, opiniosos sobre diretores e filmes. Também não custa confessar que ali, no Belas Artes, assisti a um ou dois filmes que não compreendi muito bem. Em particular sai muito chateado de um filme de Bergman cujo sentido maior me escapou. O curioso é que mais tarde me empenhei em descobrir que filme fora esse: tornei a assistir a filmes de Bergman que vira no passado, mas não identifiquei aquele que desafiara a minha compreensão.
Como se vê o Cine Belas Artes está ligado à memória de muita gente que tem nele referência cultural e a ele dedica muito carinho. A notícia do fechamento no fim de janeiro logrou mobilizar muita gente e está sendo proposto o tombamento do cinema, coisa que está por ser decidida. Evidentemente, torcemos por alguma medida que impeça o fim do Belas Artes. Enquanto isso, o velho cinema que existe há quase 70 anos, vai vivendo a sua lenta agonia, agora com esperanças de salvamento.
Chico Xavier, o filme
Assisti ao filme “Chico Xavier” e confesso que encontrei alguma dificuldade em caracterizá-lo como bom cinema. Em dúvida, fiz o que não se deve fazer: antes de escrever dei uma olhada nas críticas publicadas sobre o filme. Constatei o tom elogioso de todas elas, fato que me despertou a seguinte dúvida: focavam mais a personagem real ou o filme do diretor Daniel Filho?
“Chico Xavier” é a biografia cinematográfica do conhecido médium brasileiro. Daniel Filho tinha em mãos material rico, instigante, que tem despertado a curiosidade e atenção dos brasileiros. De fato, o fenômeno Chico Xavier continua aberto à investigação dado que envolve a crença na vida após a morte e, em grande parte, nos fundamentos da doutrina de Alan Kardec.
Em assunto tão controverso é fundamental a escolha do foco narrativo. O diretor Daniel Filho optou por uma linha de reportagem, baseando-se numa entrevista concedida pelo médium ao programa Pinga Fogo. Apoiando-se nas palavras de Chico Xavier - na ocasião respondendo a perguntas de entrevistadores - o diretor trabalhou com flashbacks com os quais remontou a trajetória do médium desde a infância até a morte dele.
Não é o caso de aqui se discutir se essa seria a melhor abordagem. O fato é que o diretor defrontou-se com uma enorme dificuldade, qual seja a de manter-se ou não isento em sua narração. Apresentar os fatos e deixar por conta dos espectadores a decisão sobre o real significado das atividades de Chico Xavier?
Talvez o diretor tenha partido da premissa de isenção. Entretanto, torna-se impossível negar que o diretor e sua equipe foram simpáticos a Chico Xavier, pendendo mais para o lado dele que para o de seus críticos. Creio que justamente aí reside o maior problema do filme: tratando de assunto controverso, que envolve questões de fé, fica difícil não tomar algum partido; nesse caso a proposta de isenção resulta na contenção daquilo que daria real beleza ao filme.
Talvez por essa razão se possa dizer que falta maior emoção a “Chico Xavier”. A história do médium é contada sem a intenção de julgá-lo, mas, ainda assim, pendendo para uma aprovação sempre contida.
Chico Xavier é filme que se assiste com interesse. Se não acrescenta nada ao que sabemos sobre o médium, leva-nos a refletir sobre algo que permanece sem explicação. Visualmente o filme agrada contando com as excelentes atuações de Nelson Xavier, Ângelo Antônio, Tony Ramos, Christiane Torloni e muitos outros . Por fim, há que se elogiar o diretor Daniel Filho: é preciso coragem para trazer às telas tema tão controverso, com grande risco de obra tendenciosa, quando não engajada a preceitos religiosos ou simplesmente piegas.
Tony Curtis
Parem tudo: Tony Curtis morreu. O dia deveria ser de luto em todos os cinemas do mundo: nenhuma projeção de filmes.
Tony Curtis fez parte da cultura de uma geração. Há quem diga que não pertenceu à galeria dos grandes atores. É possível. Em todo caso sua simpatia e beleza física fizeram dele presença sempre marcante. Foi assim em seus filmes, mesmo nos piores. Quem não se lembra dele, ao lado de Jack Lemon e Marylin Monroe em “Quanto mais quente melhor”? Nas comédias? E de sua participação em “Spartacus”, ao lado de Kirk Douglas?
A morte de Tony Curtis lembra-nos de que os ídolos, por mais que permaneçam jovens e bonitos nas telas, envelhecem e morrem. Traz também a inquietante sensação de passagem do tempo, de irreversibilidade e mundos desfeitos. Com Curtis parte a atmosfera de uma época vivida, bem mais glamorosa, talvez até mais inocente. Curtis se vai como foram os velhos cinemas dos centros das cidades onde sua imagem fazia sucesso e atraia multidões.
Tony Curtis pertence ao mundo da magia no qual a realidade é sempre intrusa. Talvez por isso a notícia de sua morte surja como algo fora de lugar. O homem de 82 anos que acaba de morrer deixa-nos, como legado, imagens inesquecíveis que jamais serão olvidadas e enterradas. Deriva daí a sensação de que, afinal de contas, nem tudo é finito.
Asta la vista Tony Curtis. Até o nosso próximo encontro, provavelmente num filme exibido pela televisão.
Filmes em tela pequena
Ok, no cinema é sempre melhor. Tela grande, o saudoso escurinho das matinês, todo o encanto que o as salas de projeção têm. Mas, cá entre nós, é preciso sair de casa, enfrentar o trânsito etc. Em São Paulo – não sei se em mais quantas cidades – os ingressos podem ser comprados via internet, pelo menos para alguns cinemas. No interior o jeito é chegar antes e entrar na fila. Estou desinformado? Tá bem, mas que fazer se as minhas atividades de cinéfilo estão restritas a uma única região?
Por outro lado, há que se pensar na comodidade de assistir a filmes em casa. Uma televisão de 52 polegadas e um filme em boa resolução ajudam muito. Para quem tem TV a cabo e paga pelas transmissões em HD torna-se possível ver filmes com imagens perfeitas. Não é igual ao cinema, mas dá para enganar e muito bem.
O problema dos filmes pela TV é que são antigos e repetidos à exaustão. De tempos para cá novos canais HD têm sido acrescentados à programação, mas, infelizmente, a maioria só exibe filmes dublados. Há quem prefira isso às legendas; pessoalmente não gosto e acho que se perde muito da dramaticidade com a dublagem nem sempre bem feita.
Em muitas esquinas existem vendedores de filmes piratas. Trata-se do baixo comércio envolvendo a sétima arte. Deixando de lado o crime – se é que isso é possível – o fato é que os filmes piratas não têm boa qualidade de som e imagem. Numa época em que os avanços tecnológicos têm dado ao cinema grande poder de sedução através da imagem e do som é verdadeiramente um desperdício de prazer assistir a filmes piratas.
Outra coisa a ser considerada é a frequência de lançamento de filmes considerados bons. O que vemos é uma enxurrada de produções menores, algumas delas trazendo como atrativos atores de renome. De olho nas bilheterias os estúdios correm atrás do público, para isso abusando de clichês e efeitos especiais. Em geral, a chamada crítica especializada fecha os olhos para isso e assume o papel do Dr. Pangloss: os críticos tentam ver algo de bom naquilo que não presta.
Tal é a importância do cinema e tantos adeptos tem a sétima arte que não seria demais se as escolas ensinassem aos estudantes a pelo menos separar o trigo do joio. O cinema interfere, sim, na educação, modos de ser e condiciona jovens a situações ilusórias. Nada de mal se os jovens aprendessem a ver um pouco além da trama exibida, tirando conclusões além das ditadas pelos heróis cinematográficos a que tanto admiram.
Por fim, volto ao começo: nada melhor que uma sala de cinema, de preferência com poltronas confortáveis, ótimo som, tela enorme e - ia me esquecendo - público comportado. Nada daquele carinha que conversa o tempo todo bem atrás de você, das pessoas que gritam no escuro só para atrapalhar, dos bobos de sempre que têm prazer em interromper momentos de enleio dos outros.
Vamos ao cinema!
Matar ou Morrer
Matar ou Morrer é um faroeste de 1952, estrelado por Gary Cooper que recebeu o Oscar de melhor ator pela sua atuação. Do elenco participa a notável Grace Kelly, mais tarde princesa de Mônaco, cuja vida foi precocemente interrompida por acidente automobilístico.
Matar ou Morrer funciona de modo a dividir com o espectador a tensão de um xerife (Gary Cooper), próximo de se aposentar, que não pode escapar a uma situação insólita: exatamente ao meio-dia, chegará à estação de trem um inimigo mortal com o qual terá que de confrontar. O xerife está para se casar com a bela Grace Kelly, mas seu destino poderá mudar quando da chegada do criminoso - que acaba de sair da cadeia e vem acompanhado de dois comparsas. A direção é de Fred Zinnemann a quem se devem outras obras de relevo como O homem que não vendeu a sua alma.
Lembro-me quase sempre desse filme quando, diariamente, vejo, nas páginas de portais da internet, fotografias de lutadores que competem no Ultimate Fighting. A ideia de quem entra no cercado do Ultimate é exatamente a de matar ou morrer. Ali vale praticamente tudo. Diante da selvageria que ronda a barbárie, as proibições não parecem muito relevantes: não valem cabeçadas, enfiar os dedos nos olhos ou na boca do adversário, chutar a cabeça do adversário caído, golpear a virilha, golpear a nuca e umas coisas mais. Quem acha que as regras são suficientes para que a competição seja apenas uma peça esportiva, certamente não se deu ao trabalho de assistir a alguns embates do Ultimate. Reina dentro do ringue o clima das arenas romanas, onde a sedução dos espectadores não prescinde do sangramento dos competidores. É o sangue que confere maior realidade ao sofrimento, à submissão pela força. A diversão consiste em ver homens testados em seus limites de força e técnicas de luta, muitas vezes massacrados pelos adversários.
Não sou contra o Ultimate, mas confesso certo estranhamento com esse tipo de luta. Sempre fui um aficionado do boxe e isso me valeu uma discussão com um amigo que disse não ver diferença entre as lutas do Ultimate e o boxe. Disse-me ele que, em última instância, o boxe também é uma versão de matar ou morrer, afinal o sangue corre solto e as coisas se resolvem na porrada.
Não tive argumentos convincentes contra a argumentação do meu amigo. Daí que passamos a falar sobre cinema e o filme Matar ou Morrer pintou na conversa. Ele discorda, mas imagino que o nível de tensão dos lutadores do Ultimate seja o mesmo que o de Gary Cooper ao esperar o trem. No fim são todos humanos e para eles não difere muito se a vida é jogada numa arena ou numa estação de trem.