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Getúlio
Assisti pelo “Now” ao filme “Getúlio” do diretor João jardim. Não havia no enredo nenhum fato que não fosse do meu conhecimento. Na verdade antes de ver a fita me perguntava como teria se saído o diretor ao abordar período tão marcante da história brasileira.
Acompanhei as nuances do drama de Getúlio sempre intrigado. Sabia quais seriam os próximos passos e o desfecho com a multidão acompanhando o caixão com os restos mortais do líder desaparecido. Ainda assim, me senti preso à evolução da tragédia anunciada.
Tony Ramos no papel de Getúlio é o filme. No rosto do ator, no modo como observa o desmoronamento do mundo à sua volta reside todo o fascínio que a personagem nos desperta. Interessante acompanhar a profunda solidão do homem mais poderoso do país, recluso às paredes do Catete, dialogando consigo mesmo, surpreso diante da corrupção que se escancara nos porões de seu governo. Gregório Fortunato trai Getúlio de forma inaceitável e o presidente assume integralmente a responsabilidade sobre o que acontece. Lacerda, “o Corvo”, demagógico, brilhante e enlouquecido, acende todos os estopins que resultarão na explosão. Mas, Getúlio, como bem o disse mais tarde Tancredo Neves, prorroga com seu suicídio por mais dez anos o golpe ansiado pela classe militar.
Mas, como terão sido aqueles últimos dias de Getúlio no poder? O revolucionário de 30, o ex-ditador, o presidente eleito pelo voto popular, o defensor dos trabalhadores, o homem que aprovou o controle do petróleo pela Petrobrás, o grande articulador político, como realmente teria ele vivido seus derradeiros instantes?
A morte do Major Vaz no infausto atentado da Rua Toneleiros deu início ao precipício de Getúlio. O filme gravita em torno da pergunta que Getúlio faz a todo instante: quem foi o mandante? É ao descobrir que a ordem para o atentado partiu de seus próprios subordinados que Getúlio finalmente sucumbe. Mas, não se entrega. “Eu vos dei a minha vida, agora vos dou a minha morte”.
Um tiro no peito. Getúlio saída vida e entre para a história. O filme faz jus à grandeza do momento.
Norma Benguell
Sou do tempo da chanchada. Você que é jovem não viu, não riu. Ría-se do absurdo, de piadas que se espalhavam pelas ruas, caiam no gosto e na boca do povo. Oscarito e Grande Otelo: que dupla. E não adianta os intelectuais virem a público para dizer que chanchada é sinônimo de lixo. Tinha chanchada ruim, sim. Mas, as da Atlântida eram boas. E vieram o Ankito, o Zé Trindade e aquela mulherada que fazia a delícia da homarada sequiosa. Aliás, que tipo o Zé Trindade, não? Baixinho, meio esquisito com aquela voz estranha a repetir os bordões dele. Um deles era o tal “mulheres cheguei”, pode?
A primeira vez que vi a Norma Benguell foi na tela do cinema, numa chanchada em parceria com o Oscarito. Que mulher! Bonita como ela só, corpo escultural, delícia de se ver. Não se passou muito tempo para que ela ganhasse notoriedade nacional ao trabalhar no filme “Os cafajestes” do diretor Rui Guerra. Era um tipo de cinema diferente que antecipava o que viria a ser o cinema novo. Vinha na linha dos “Cahiers do Cinema” que nos anos 60 ditavam o modo de ser do cinema embora “Os cafajestes” não fosse inteiramente fiel às regras. E trazia a majestade do primeiro nu frontal do cinema brasileiro. Inesquecíveis as cenas de Norma Benguell nua correndo enquanto Jece Valadão dirigia o carro entre as ondas que quebravam na praia. Fazía-se ali história. Desafiava-se a moral vigente, a censura, o modo solene de ver a vida, jogando-se para baixo dos tapetes as perversões como se não existissem. O mundo era outro, era preciso manter as aparências a qualquer custo.
Agora que Norma Benguell morreu com mais de 80 anos de idade foi-me possível refazer, em parte, as emoções de principiante diante de uma inesperada nudez que contrariava o meu modo de ver o mundo naquele início da década de 60. Era outro o Brasil, outro o mundo, muito diferente deste em que hoje vivemos. Ainda não havíamos chegado à ditadura, a bossa nova caia no gosto das gentes e encantava. No país em que tudo parecia estar por acontecer aparecia a bela Norma que depois espalharia sua arte e encanto em filmes italianos e franceses.
Li que Norma Benguell reclamava da solidão no fim de sua vida. Os poucos amigos dela que compareceram ao velório censuraram a ausência de artistas, de tanta gente que trabalhou com ela e a conheceu. Na mídia fez-se questão de frisar a confusão econômica em que ela se envolveu com dinheiros que recebeu para produzir um filme. Nem todo mundo a tratou com o respeito devido a uma diva brasileira que fez parte do cotidiano e imaginário nacional ao longo de décadas.
Por isso, prefiro não levar em conta o último momento de Norma, este em que a doença corroeu seu copo e a morte a levou. Para mim Norma Benguell será sempre aquela mulher nua na praia e eu, se possível, o rapazote encantado com os olhos imantados à tela do cinema.
A música segundo Tom Jobim
Impossível assistir ao documentário assinado por Nelson Pereira dos Santos sem se emocionar. “A música segundo Tom Jobim” nos permite uma emocionante viagem ao passado através de uma sequência de clipes diante dos quais não há como não se lembrar de nós mesmos, impulsionados pelas composições do maestro Jobim.
O sonho começa quando surgem as imagens do avião da Panair sobrevoando a cidade maravilhosa, trazendo-nos de volta o pulso da vida dos cariocas naquela época. O veículo que percorre as ruas, passa pelo túnel e chega a Copacabana onde milhares de pessoas se movimentam em torno dos prazeres oferecidos pela praia converte-se num mergulho em nosso próprio passado. Não seriam em banco-e-preto as imagens que guardamos na memória sobre o tempo desfeito do qual também participamos?
Mas, as lindas imagens do Rio funcionam apenas como a introdução a um mundo no qual paulatinamente se revela o talento e a genialidade de Tom Jobim. Através de uma sequência de apresentações de suas músicas, interpretadas por artistas renomados que nos deixaram tantas saudades, podemos acompanhar a trajetória do maestro brasileiro que levou ao mundo a grandeza de sua arte. Desde logo se torna preciso dizer que Tom Jobim foi muito grande, grandíssimo. Suas composições avançaram pelos quadrantes do mundo, sendo interpretadas em várias línguas e por grandes personalidades do mundo musical.
Tom Jobim viveu para a música e conferiu ao mundo horas de prazer que ainda hoje prosseguem e talvez jamais se esgotem dado que suas composições continuam a ser interpretadas. Mas, quanta emoção ao rever e ouvir vozes, algumas delas hoje esquecidas. Como resistir aos encantos das interpretações de Agostinho dos Santos, Alaíde Costa, Silvia Telles, Maysa, isso para citar alguns dos nossos? Meu Deus que é aquilo, que ponto mágico Nara Leão atingiu com sua memorável interpretação de “Dindi”?
Não há como conter lágrimas diante das emoções revividas nesta narrativa sem palavras, dirigida por Nelson Pereira dos Santos. Em “A música segundo Tom Jobim” o diretor subverte a técnica narrativa das biografias cinematográficas. Não existem diálogos, não nos importa se Tom Jobim nasceu e morreu, nem quantas vezes se casou e mesmo quantos filhos teve. Dentro de tal ritmo, que seria impessoal, surge diante do espectador a mais profunda narrativa personalizada, aquela que apresenta a face do artista diante da grandeza de sua obra. Técnica narrativa perfeita que leva à tela toda a grandeza de Tom Jobim, mostrado em várias fases de sua vida, mas sempre em apresentações, tocando, cantando, sendo Jobim.
Este é um documentário que não poderia nunca terminar embora seja da vida colocar em tudo um termo. Dele permanecem as majestosas interpretações de Oscar Peterson, Ella Fitzgerald, Henry Salvador, Errol Garner, Dizzy Gillespie, para citar apenas alguns nomes maiores do cenário internacional que se renderam à música de Tom Jobim.
Fica Tom Jobim, ao lado de Frank Sinatra em memoráveis apresentações. Fica o Tom junto de Vinícius de Moraes, o grande poeta que tantas letras escreveu para as músicas do maestro. Fica, ainda, o fantástico Jobim ao lado da não menos fantástica Ellis Regina naquela esplendorosa de “Águas de Março” que o crítico Leonard Feather classificou entre as dez maiores gravações de jazz da história.
O Brasil não tem o hábito de homenagear seus filhos exponenciais. Tom Jobim foi um gênio reconhecido internacionalmente. Nelson Pereira dos Santos, Miúcha e a família de Tom Jobim em tempo prestam inesquecível homenagem ao grande maestro brasileiro.