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O cheiro da morte
Dirão que a morte não tem cheiro. Será? Pois, meu pai contava história de seus tempos de menino sobre o assunto. Na cidade do interior onde ele crescera havia um velho capaz de sentir o cheiro da morte.
Meu pai ilustrava o estranho fato. Contava que o velho morava num sitiozinho próximo. Dizia-se que no passado fora homem de posses. Casara-se com moça bonita e prendada e ficara imensamente feliz com a gravidez dela. Entretanto, a sorte lhe fora madrasta: a mulher e o filho morreram durante o parto difícil. Desde então desanimara. Passara a viver solitário e deixara perder a lavoura que, aliás, nunca mais replantara. Foi depois disso que se tornara capaz de sentir o cheiro da morte.
O velho era respeitado pelo seu estranho dom. Quando alguém da comunidade adoecia gravemente ele era chamado. Entrava ele na casa do doente e obedecia ao ritual de visitar todos os cômodos, deixando por último aquele em que repousava a pessoa que suscitara o chamado.
No derradeiro cômodo, junto ao leito, aspirava ao ar profundamente três vezes. Então saia da casa, meditava durante algum tempo e, só depois, compartilhava sua previsão: o doente faleceria em um, dois ou tantos dias.
O certo é que nunca errava. Tal fama granjeou que passou a ser chamado até em localidades vizinhas. Chegava a contrariar opiniões médicas como no caso de um rapaz dado como caso perdido e que ele anunciou que não morreria. Como sempre sua previsão se confirmou.
Certo dia o velho que cheirava a morte confidenciou a um vizinho que sentira o odor em sua própria casa. Como morava sozinho soube que iria morrer. Entretanto, estava bem de saúde e sua previsão da própria morte não se confirmou nos sete dias que previra.
Certo de que perdera seu singular dom, alegrara-se. Confessara ao vizinho que já não suportava a proximidade com a morte com a qual vivera ao longo dos anos. Entretanto, passado um mês desde que sentira o odor em sua casa o velho foi surpreendido por inesperado acidente. Voltava ao sítio em seu cavalo quando caiu da sela, ficando o pé preso ao estribo. Perdendo a consciência o cavalo seguiu naturalmente o seu curso, arrastando-o até a casa.
Encontraram-no desfigurado, imerso numa poça de sangue, ainda preso ao cavalo.
Meu pai contava essa história e sentenciava:
- Com a morte não se brinca.