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Dia da mentira

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No lugarejo de uma rua só havia um rapazote que atendia pela alcunha de “Coelho”. O Coelho não fazia nada, que se saiba nunca trabalhou. Errava pela rua em idas e vindas ao acaso, parando aqui e acolá para dois dedos de prosa. Sempre mal vestido, sujo mesmo, não regulava o hábito de cortar as unhas. Eram compridas as unhas do Coelho fato que fazia dele moleque temido caso houvesse alguma briga.

Da família do Coelho pouco se sabia. Tinha ele um irmão, o “Antônio Coruja”. Esse Coruja merecera o apelido por ser um sujeito soturno cujos olhos grandes demais faziam lembrar a ave noturna. Mas, o Coruja era bem mais composto que o irmão. Ajudava na construção, ora prestava pequenos serviços. Não destoava do grupo local de pessoas pelas quais era bem recebido.

Certo dia o Coelho correu de fora a fora da única rua, avisando que Frederico, o Velho, proprietário da loja de roupas, estava à morte porque engolira a dentadura. O Velho sufocara-se ao colocá-la na boca, de manhãzinha, logo depois de acordar. O Coelho parava de porta em porta e avisava sobre a morte iminente do Velho.

Dado o alarme, as pessoas acorreram à frente da casa do Velho em busca de notícias. Não demorou muito para que o Velho surgisse à janela, muito bem de saúde, e desfizesse a mentira do rapazote. Só então as pessoas se deram conta de que estava-se em pleno 1º de abril.

Consta que o “Dia da mentira” surgiu na França. No século XVI o novo era festejado em 25 de março e as festas só terminavam no 1º de abril. Quando da adoção do Calendário Gregoriano o ano novo passou a ser comemorado no dia 1º de janeiro. Entretanto, alguns franceses continuaram a seguir o antigo calendário pelo que gerou-se o hábito de enviar a eles presentes estranhos e convites para festas que não aconteceriam. Nasceu assim o “Dia da Mentira”.

Hoje vive-se num prolongado “Dia da mentira” que parece durar o ano todo. Diariamente recebemos notícias tenebrosas sobre a corrupção no país seguidas de negativas, obviamente mentirosas. Ninguém sabe de nada, ninguém participou de nada etc. Bilhões são desviados sem que existam responsáveis pelos desvios.

Mentir a granel, eis a nova fase do novo e prodigioso “Dia da mentira”.

Tempos de rolézinho

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Fui dos primeiros a me interessar pela internet. Aliás, quando os PCs começaram a ser vendidos no Brasil logo adquiri uma máquina – precária, mas era o que se dispunha na época. Na verdade utilizava-se o sistema DOS cujo aprendizado viria a me ser muito útil depois. Era a época pré-windows e quando se falava no programa da Microsoft não se entendia direito para que serviria. Uma plataforma na qual rodariam outros programas era coisa que não fazia muito sentido para quem nunca vira uma tela gráfica. Depois deu no que deu e aí vamos nós submissos aos computadores sem os quais parece que não sabemos mais viver.

A primeira vez que eu vi a internet foi no computador de um amigo. Era uma conexão DIAL-UP que deixava a linha telefônica ocupada durante o tempo de uso. Fazia-se um contrato de utilização com um provedor e passava-se a tentar conexões que quando se estabeleciam eram muito lentas. Na ocasião ele me falou maravilhas sobre a nova tecnologia e lutou muito no teclado para acessar o site museu do Louvre, sem conseguir. Achei aquilo algo desinteressante e pensei que jamais me meteria com a tal internet. Quem diria que hoje faço uso da rede durante boa parte do dia.

Obviamente, a internet é uma ferramenta e tanto e não é o caso de ficar aqui falando sobre suas conhecidas utilidades. Entretanto, nos últimos anos a internet têm estendido seus braços a toda sorte de usos, muitos dos quais perigosos. Basta lembrar de que qualquer pessoa corre o risco de ser vítima de um hacker ao utilizar seu computador pessoal. Números de cartões de crédito e senhas particulares são roubados por especialistas com alguma facilidade.

Entretanto, de tempos para cá a internet passou a ser o meio mais rápido e fácil de contatos entre pessoas. E-mails, Skype e muitos outros aplicativos permitem contatos instantâneos inclusive com a visão das imagens ao vivo das pessoas que se falam. Isso parece ser tão óbvio, mas não é para quem se lembra de que não faz muito tempo era-se obrigado a pedir à telefonista para que completasse uma ligação interurbana.

Em junho do ano passado a internet mostrou sua força com a eclosão de passeatas de protestos em várias cidades brasileiras. As reuniões eram marcadas através das redes sociais e milhares de pessoas compareciam aos locais de partida das multidões. Protestos, crimes e vandalismos misturam-se nas ruas, havendo vítimas. Pode-se dizer que sem a internet não teriam prosperado tantas manifestações simultâneas, muitas vezes umas inspirando-se nas outras.

Agora, eis que surge uma nova forma de arregimentação de pessoas. Trata-se dos chamados rolézinhos marcados pela internet e que consistem na reunião de muitos jovens, em geral mais de mil. Os rolézinhos acontecem em shoppings-centers onde de repente surge uma massa humana invasiva e incontrolável. O problema é que em meio aos bem intencionados misturam-se bandidos os quais muitas vezes depredam e assaltam postos de comércio.

Ninguém sabe ao certo o que fazer em relação aos rolézinhos. No fim de semana passado alguns shoppings impediram as reuniões de jovens com auxílio da polícia. Cenas lamentáveis de vandalismo e luta corporal foram vistas além da fuga desordenada da molecada que simplesmente não tinha ideia de para onde correr.

Eis aí um fato novo que tem na internet o ponto inicial de sua eclosão. Como agir diante de uma turba na qual se torna impossível separar o trigo do joio? Como assegurar o direito de ir e vir das pessoas e ao mesmo tempo coibir manifestações que tragam desconforto e prejuízos aos comerciantes e frequentadores de shoppings?

Não há resposta. Vi pela TV conhecido jornalista perguntando se a única solução não seria impedir que as reuniões fossem marcadas pela internet. Será isso possível? Ou se trata de algo impossível restando aos bons cérebros aplicar-se no sentido de coibir novos rolézinhos?

Talvez outra solução não exista além de esperar que a onda passe. Rolézinho parece ser moda e talvez daqui a pouco a turma se canse e parta para outra. Caso seja assim, espera-se que a “outra” não seja pior que a atual.

Namoro

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Um vizinho sempre perguntava quando via rapaz das redondezas acompanhado por uma moça: namorico ou namoro? Não chegava ao noivado, ficava entre o namorico, mais leve, e o namoro que seria mais compromissado.

Hoje em dia não sei dizer se ainda existe o tal namorico que seria uma espécie de intenção de namoro firme. Eram tempos nos quais as coisas andavam mais devagar. Moça queria casar-se ainda moça, quer dizer virgem. Havia isso do futuro marido querer ser o primeiro. Acontecia de casamentos serem dissolvidos por conta da pretendida virgindade não encontrada.

Namoro interessante foi o do Pereira, herdeiro de fazendas que não se sabe como perdeu tudo, terras e dinheiro. Conheceu uma professora oriunda de cidade distante, filha de pai fazendeiro. Namoraram nos conformes da época e casaram-se. Consta que o Pereira não contou à professora sobre estar falido, acreditando que do lado de lá viria boa recompensa, afinal o pai dela era fazendeiro. Entretanto, a professora também se casou achando que o Pereira seria porto seguro para se ancorar de vez que o pai dela também perdera tudo. E viveram como puderam, o Pereira e sua professora, sem fortuna, à custa do próprio suor e trabalho.

Mas, afinal quem foi que mudou as regras do namoro? Pois, antes, a molecada não tinha muito jeito de imaginar mulheres, ainda mais quando nuas. Não existiam essas revistas com mulheres mostrando tudo tal como hoje se vê nas bancas de jornal. Sobre sexo o máximo era se conseguir o empréstimo das historinhas do Carlos Zéfiro, desenhadas pelo autor para celebrar o tesão reprimido de toda uma população. De modo que uma namoradinha para pelo menos uns beijos era tudo o que a rapaziada almejava.

De repente o mundo mudou, as mulheres se libertaram pelo advento da pílula e os namoros chegaram ao que são hoje, sendo o sexo complemento imediato para futuros entendimentos.

Imagino que por este Brasil ainda exista muita gente aferrada ao velho jeitão, desejando o namoro sério que vira noivado e casamento. Mas, desconfio que de algum modo o namoro tenha perdido um pouco do velho encanto, daquele modo de ser que despertava paixões e desejos profundos de posse que quase sempre demorava pelo menos um pouco a se realizar.

Isso que está escrito acima foi o que eu disse a um rapaz de 17 anos de idade durante conversa descontraída e sem outro propósito que o de jogar papo fora. Quando terminei ele sorriu e me disse que não suportaria ter vivido nesse passado tão chato no qual as coisas não se resolviam logo e na cama. Pelo jeito o rapaz me achou muito “careta”. É isso, ele me chamou de careta, um cara de papo careta, mas para isso usou uma gíria recente que não cheguei a entender bem.

Há quem ponha a culpa de tantas mudanças na televisão.

Mentiras e desculpas

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Divulga-se que uma pessoa normal mente pelo menos três vezes por dia. Desde que li a notícia tenho me policiado para verificar a minha média diária de mentiras.

Mentira é o que não é verdade, não corresponde a ela. Há pequenas e grandes mentiras, algumas graves e com consequências. O marido que trai em geral não mente, mas omite. Se a mulher desconfia, se ela coloca o marido contra a parede, então surge a mentira que consiste na negação absoluta da traição, Às vezes o marido se entrega ao desempenho de verdadeira peça teatral no sentido de inocentar-se de uma acusação tão grave cuja confirmação pode até levar ao fim o casamento.

Conheci um mulherengo inveterado que sabia mentir como poucos. Era verdadeiramente um artista na arte de convencer a mulher de sua retidão. E ela acreditava. Até que compraram uma casa na praia para onde ele ia vez ou outra, dizendo participar de pescaria com amigos.

Aconteceu de uma noite estar ele com uma mulher em pleno ato quando a porta do quarto foi aberta pela esposa. A mulher que estava com o homem na cama fugiu, nua, levando consigo as roupas que vestiu no caminho. Ele?  Veterano na safadeza, artista sem palco, sentou-se na beira da cama, nu, pondo-se a socar a própria cabeça, chorando e exclamando:

- Eu tenho a cabeça fraca, eu tenho a cabeça fraca…

Boa desculpa. A esposa parece ter-se convencido e perdoou o marido, mas não por muito tempo porque, passados alguns meses, pediu a separação.  Depois de separados ele continuou seguindo a velha rotina, mulher aqui, mulher ali, agora sem precisar da invenção de álibis salvadores.

Confesso que não minto, apenas omito coisas que acho bobagem dizer. Chega-se a uma fase da vida na qual se descobre que as pessoas não querem saber a verdade porque a realidade pode doer. Nesta situação o que resta fazer é alegar ignorância sobre coisas que afinal pertencem à vida alheia.

Uma senhora me liga com alguma frequência perguntando-me sobre doença grave de pessoa a quem ela ama muito. Está ela na fase da vida em que as coisas pesam demais e o sofrimento pode tornar-se insuportável. Não minto para ela, apenas omito os detalhes da doença. Assim, segue ela os seus dias, acreditando nas descrições que faço a ela e que a consolam. Entretanto, às vezes tenho a impressão de que ela conhece muito bem a verdade, mas optou por viver melhor acreditando no que digo a ela. Mentimos um ao outro? Parece que sim.

O cafajeste

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Acho que dá para dizer que todo mundo já cruzou com algum cafajeste nessas andanças pelo mundo. Falo de cafajeste mesmo, não de imitadores baratos que mal dão conta do papel. Cafajeste de verdade, tirado a machão, corrente no pescoço, camisa aberta mostrando os pelos do peito. Sempre pronto para o ataque a alguma fêmea desprevenida.

Anos trás, em conversa com uma psiquiatra, ela me dizia que 90% de suas clientes eram mulheres e muitas delas admitiam casos com cafajestes. Uma delas, mulher de 40 e poucos anos, bem de vida, enviuvara e, tempos depois, acertara-se com um cafajestão. O cara era um resumo do inferno: levava dinheiro dela, batia nela, era um grosso na força maior da palavra. Só não moravam juntos porque os filhos dela nem podiam ouvir falar do tal namorado da mãe. A psiquiatra sentenciava: mulher quando bate o desespero da solidão é capaz de muita coisa. Será?

Tenho certeza de que historinhas assim, casinhos terríveis assim, são de conhecimento geral. Puxando a língua de alguém bem pode que ele(a) saque da goela um historinha de arrepiar os cabelos, coisinha como o caso do cidadão que namora a mãe para pegar a filha. E acaba pegando as duas, separadamente, claro.

Pois hoje recebi notícia fúnebre que me levou ao mundo dos cafajestes. Morreu um deles, sujeito terrível e danado como o diabo. Casou-se com mulher bem mais velha que ele, mulher que vivia com a mãe e tinha posses, casa boa, dinheiro, sabe como é. E o cafajeste entrou nesse mundo de conforto, ele um durango, arranjou-se bem, estabeleceu base para ações maiores. Eu o encontrava de vez em quando e lá vinha ele falando bem da minha camisa surrada que era o jeito de chamar a atenção para a camisa dele, de marca, presente da mulher que o vestia qual um príncipe.

Certa ocasião eu o vi meio nervoso, afobado. Contou-me que dava em cima de uma mocinha que resistia muito, não dava mole para ele. Acontece que a mocinha teve o azar de um furúnculo na bunda e ele, o amigão devorador, indicou a ela um médico, amigo dele, profissional de confiança. Agora o cafajeste esperava o momento de ligar para o amigo médico do qual queria descrição do corpo da moça, da bunda dela com a qual tanto sonhava. Aquilo me encheu de raiva dada a baixeza do ato e, ainda mais, imaginando a repulsa do médico quando a pergunta fosse feita a ele. Mas, eu não disse nada ao cafajeste. Se você conhece bem alguém desse ramo sabe que o cafajestismo é a natureza dele, está no sangue, mal incurável. Cafajeste roxo, profissional de verdade, não tem recaída, nem sentimentalismo, vale tudo, qualquer coisa quando uma mulher está sob mira.

Bem, a partir de hoje o mundo tem um cafajeste a menos. Baixa significativa no contingente dos cafas porque o que se foi era membro de elite, dedicado, ativo ao extremo. Entretanto, não me despeço dele sem alguma saudade. Agora mesmo me volta a imagem dele, o terno branco que muitas vezes usava, aquele charme grotesco de um cara que não deixava de ser bonito, o porte elegante acompanhado de maneirismos e palavras certas, decoradas para suas  cantadas.

Não era de todo mau sujeito, apenas um cafajeste, louco por mulheres, certa vez definiu-se assim, consciente que era da inutilidade do bom mocismo.

Escrito por Ayrton Marcondes

17 outubro, 2012 às 2:17 pm

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Sexo casual

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Aconteceu em Munique, Alemanha. Um homem chamou a polícia para livrar-se de uma mulher que exigia dele mais sexo. Ele, 43 anos e ela, 47 anos, conheceram-se num bar. Depois de umas e outras concordaram em ir a casa dela para a prática de sexo. Conta ele ter feito sexo com a mulher por várias vezes, até que se cansou. Entretanto, ela queria mais… Desacoroçoado e intimidado ele refugiou-se na varanda e pediu socorro à polícia. Agora a mulher pode ser processada por cárcere privado etecetera e tal.

Sites que tratam de sexo apontam vantagens e desvantagens do sexo casual para mulheres, mas nada falam sobre vantagens e desvantagens para os homens. No caso das mulheres cita-se como vantagens a livre escolha, o fato de ela experimentar mais e preocupar-se com o próprio prazer e não o do parceiro. As desvantagens ficam por conta do perigo de tratar-se de um homem anormal e o fato de mulheres que praticam sexo casual serem mal vistas. Isso sem falar na possibilidade do sentimento de culpa no depois do ato.

Bem, para o homem, pelo visto não existem desvantagens, pelo menos não se fala sobre isso. Mas, se não existem como classificar a situação desse alemão de Munique que se viu nas mãos de uma ninfomaníaca? E que dizer de surpresas como uma gravidez indesejada?

Meus amigos, o fato é que o alemão de Munique se meteu numa enrascada das grandes. Ele me fez lembrar um conhecido – amigo de um amigo - sujeito direito e de comportamento exemplar que se meteu numa baita encrenca justamente pela prática de sexo casual. Dessas coisas que acontecem, sabem? Ele tinha se separado da mulher há alguns meses e topou com uma jovem por aí afora. Não sei dizer como foram parar num barzinho, nem mesmo como se decidiram a ir ao apartamento dela. O que vale mesmo é contar que lá estavam eles na saudável atividade sexual quando surgiu do nada um sujeito dizendo-se marido traído e pronto para acabar com a festa na base da violência.

E deu no que deu, algumas porradas etc. Mas, o pior viria depois quando a moça o procurou, pedindo ajuda de vez que ele arruinara seu casamento etc. Bom samaritano o meu conhecido até que deu uns dinheiros a ela durante algum tempo. A coisa durou até ele finalmente sacar que estava sendo surripiado por um casal de malandros especializados no golpe do sexo casual.

Muita gente é fissurada na prática de sexo casual. Conheço pessoas para quem a simples ideia de viver a dois ou mesmo a de compromisso sério é impensável.  Além disso, as facilidades determinadas pela nova lei têm resultado no aumento do número de separações entre casais.  Então, caso você seja mulher veja lá o tipo que escolhe para o sexo casual. Caso você seja homem e esteja sozinho só precisa se cuidar para não cair nas mãos de uma mulher tarada como foi o caso do pobre alemão de Munique. Tudo bem se cansar, mas pagar o mico de ter que chamar a polícia…

Campo de batalha

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Há quem diga que em alguns países as relações humanas são mais pacíficas.  O respeito ás pessoas e ao espaço alheio está na base de comportamentos amistosos nos quais, antes da agressão, impõe-se o benefício da tentativa de entendimento entre as partes. Fora disso é a batalha, a guerra.

Batalha entre pessoas é ao que se assiste diariamente nas ruas. Razões existem e muitas, algumas delas até mesmo justificáveis. Não há que se negar que certas disputas servem como embrião a desentendimentos nos quais interesses conflitantes tornam impossível o consenso entre as partes. Entretanto, o que não se aceita e não se justifica é essa predisposição ao confronto que faz dos motivos mais fúteis pressupostos para agressões.

Acontece no trânsito, no trabalho, no condomínio, no campo de futebol, enfim em toda parte. Pelo motivo mais banal ofensas são trocadas muitas vezes evoluindo para ações inesperadas e perigosas. Todo mundo sabe disso, faz parte do senso comum que um pouco de paciência ajuda muito, mas na hora H a reação contra algo tomado como ofensa dita o tom das respostas. Muita gente morre por causa de um simples esbarrão. Ontem mesmo um homem foi morto a tiros numa agência bancária. A razão? Ora, três dias antes, na sexta-feira, esse homem foi ao banco e teve dificuldade em passar pela porta giratória. Esse fato gerou discussão com o segurança do banco e ficaria por isso mesmo se, na segunda-feira, o homem não voltasse ao banco para tirar satisfações com o segurança. O resultado dessa ação tresloucada foi que o segurança acabou atingindo-o com tiros pelas costas, pelo que veio a falecer.

Não creio que alguém possa encontrar algum nexo nessa história, algo que justifique a perda de uma vida. Aconteceu e pronto. Trata-se do tipo de fato no qual um pouquinho de bom-senso teria evitado a tragédia.

O fato é que as pessoas estão cada vez mais se afastando umas das outras, estabelecendo-se entre elas um muro de incompreensões. Parece andar solto por ai um estado latente de ódio, granada pronta para explodir ao menor toque. Falta urbanidade e amizade, talvez uma campanha que faça as pessoas se lembrarem de que, afinal, somos humanos daí pelo menos alguma solidariedade dever existir entre nós.

Tudo isso pode soar como bobagem, palavras ao vento etc. Tudo bem. Então que alguém arranje um jeito diferente de dizer que urbanidade traz felicidade e que os dias são bem melhores quando não se sofre algum tipo de agressão verbal ou física. O que não pode acontecer é uma coisa como essa do camarada morto a tiros porque se desentendeu com o segurança. Se você viu na televisão as imagens da execução do homem com tiros dados pelas costas certamente se terá se perguntado como uma discussão banal pode resultar em cenas tão grotescas e absurdas. Não custa também lembrar que, consumado o crime, a tragédia continua para as famílias que perdem entes queridos, um morto, outro recolhido à prisão.

A escalada do ódio

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Uma amiga me diz que as pessoas confundem sentimentos, amor e ódio se misturam. Para ela a falta de parâmetros está por trás de muitos comportamentos agressivos. Numa sociedade de regras frouxas o bem e o mal nem sempre são bem delimitados. Decorre daí a ausência de limites e respeito, mais que isso o convite a transgressões.

O ódio é sentimento que brota de muitas raízes, por vezes despertado por razões inconscientes. Existem seres com os quais a energia pessoal não bate e isso por si só gera atritos, senão ódio explícito. Também há pessoas que incomodam a outrem apenas por existir. E que dizer do batalhão de invejosos, mal resolvidos, fracassados, enfim de situações humanas que levam pessoas a descontar em outros as suas insatisfações pessoais?

Seria possível passar um dia inteiro tentando identificar as inúmeras razões que levam alguém a odiar o seu semelhante, começando pelas conhecidas paixões que, da noite para o dia, podem se transformam em ódios ferozes – dizem que nisso as mulheres são mais especializadas que os homens coisa muito, muitíssimo, discutível.

A intenção dessas mal traçadas não é a de listar situações que envolvam ódio entre pessoas. O que se busca é refletir um pouco sobre esse tal ódio que se esconde atrás do anonimato, ódio gratuito e disparado contra o que quer que seja. Esse tipo de ódio tem sido muito comentado ultimamente, sendo a internet veículo poderoso para que agressores potenciais descarreguem publicamente suas revoltas.

Odeia-se mais hoje que no passado? Impossível responder. O certo é que radicais, revoltados e desgostosos de todo tipo dispõem, atualmente, de meios eficazes para externar ódios. As ferramentas da internet como comunidades sociais e outras fazem a delícia dos que se comprazem em agredir anonimamente. De nada adiantam advertências sobre a possibilidade de identificação dos agressores, caso em que correm o risco de serem responsabilizados legalmente por ofensas. O manto de impunidade que cobre grande parte dos delitos praticados no país parece ser suficientemente grande para acobertar agressores.

Esse assunto tem sido notícia desde que o compositor Chico Buarque declarou-se perplexo ao constatar, através de comentários publicados na internet, o ódio dedicado a ele. Chico declarou:

Eu achava que era amado, porque as pessoas iam ao show, me aplaudiam, e, na rua, me cumprimentavam. Descobri, na internet, que sou odiado. As pessoas falam o que lhes vem à cabeça. Agora entendi as regras do jogo.

Trata-se de um caso no qual uma personalidade pública recebe agressões de desconhecidos. Além disso, não consta que Chico Buarque tenha lesado ou ofendido as pessoas que o odeiam. Ódio gratuito, portanto, ódio que se esconde atrás do anonimato. Ódio que tem os mesmos ingredientes de declarações homofóbicas e racistas que pululam nas seções de comentários a textos publicados na internet.

O mundo atual, violento e desigual, é caldo cultura para a proliferação de iconoclastas - quase sempre rebeldes sem causa. Que ninguém se engane, o ódio está em toda parte. Mesmo deixando-se de lado o ódio latente que viceja contra a sociedade e anima indivíduos à prática do crime, ainda assim sobra ódio demais no mundo. Dele deriva esse espírito de agressão que permeia hoje em dia as relações humanas, subtraindo-se do convívio a fraternidade e a urbanidade.

Nos dias atuais o respeito pelo semelhante está em crise. Confunde-se hierarquia com opressão. O sucesso incomoda e erige alvos a serem atacados. Inteligência e beleza são predicados que podem ser vistos como negativos.

Escreve-se muito sobre os lados bom e mau da internet. Há quem diga que existe gente demais no mundo daí os Estados terem perdido o controle sobre os rumos da sociedade. Campanhas que visam resgatar a urbanidade entre seres humanos – no trânsito, por exemplo – nem sempre apresentam resultados satisfatórios. Ninguém é capaz de prever o futuro. Enquanto isso ficamos com imagens de violência, muito ódio e desrespeito á vida e aos semelhantes.  

Perigo na cozinha

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Durante conversa entre duas mulheres, uma casada há pouco, a outra há vinte anos, o assunto gira em torno dos afazeres de casa. Ambas trabalhando fora elas ponderam sobre dificuldades em manter a casa em ordem, cansaço para preparar o jantar após um dia corrido e outras mazelas que a tradição destina mais às mulheres. Obviamente os maridos entram em pauta, sendo acusados de ajudarem pouco e não reconhecerem o esforço de suas mulheres para fazer do lar um lugar habitável. Ao tal “eles querem camisa limpa, mas não sabem quanto isso custa” emenda-se o comentário de que, entretanto, os coitados fazem o que podem, trabalham tanto, e assim por diante.

A certa altura a mulher mais jovem diz que, entretanto, está numa maré de sorte porque arrumou uma ajudante - leia-se empregada – que não é das melhores, mas preenche bem a maior parte das necessidades. Ela não sabe cozinhar, mas isso não tem tanta importância porque o casal não almoça mesmo em casa e à noite dá-se um jeito com um lanche, quem sabe uma sopa preparada que basta colocar na panela e esquentar. Ao que a mulher mais velha comenta que sorte ter uma ajudante assim, hoje em dia está difícil e há o problema da confiança, de deixar tudo na mão de alguém que afinal não se conhece bem, vejam-se os incontáveis casos em que pessoas subtraem coisas do lugar onde trabalham e simplesmente desaparecem.

A conversa vai bem até que a mulher mais nova diz que, entretanto, vai mandar a ajudante embora. A outra mulher imediatamente protesta, afinal é tão difícil arranjar alguém que faça o serviço e em quem se confie, veja lá o que vai fazer porque pode-se ficar sozinha, afinal por que se despediria alguém que está dando certo?

Segue-se um curto período de silêncio. Percebe-se algum constrangimento da mulher mais jovem em responder à pergunta. Mas ela termina por desabafar:

- O problema é que a fulana é jovem e tem um corpinho muito atraente. Não é bonita, mas tem dois enormes olhos azuis. Agora, o corpinho é de amagar, magra, peituda, bumbum arrebitado e tudo o mais.

- O seu marido?

- Não, nada, até agora, né?

- Isso é um perigo - pondera a mulher mais velha. E acrescenta:

- Ele tem chegado mais cedo em casa?

- Não, não, não que eu saiba. Mas já vi ele dando umas olhadas, disfarçando, claro.

- Então minha filha, como se diz por aí, demorou. Faça o que tem que ser feito e depressa. Homem é homem, sabe como é. Botar mulher vistosa dentro de casa não dá certo.

- Vou fazer isso.

- Faça logo.

No fim da conversa fica-se sabendo que a ajudante é separada, tem um filho pequeno e precisa muito do emprego. Dá pena, mas o casamento vem antes, homem é homem, sabe como é.

Amigos

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São coisa para se guardar dentro do peito, assim diz a letra da música. São muitos? Poucos? Verdadeiros? Como anda a amizade nesses tempos pós-modernos, loucos, invertidos, desagregadores? Pode-se confiar nela?

No grande isolamento imposto pela vida atual, na reclusão e marginalização dos seres humanos pressionados por fatores diversos e necessidades múltiplas, as pessoas se procuram, buscam pontes de acesso umas às outras, rebelam-se contra o isolamento ou conformam-se com a solidão, não sem protestar.

Pano de fundo de toda a situação, a confiança está na berlinda. Amizade não prescinde de confiança e algum desapego. Mas, como confiar dentro de uma guerra de interesses e colisões quase sempre inevitáveis?

Pois, estas mal traçadas estão aqui para dizer que a amizade tem resistido bravamente aos assédios a que é submetida. Conserva-se ela como valor do qual não prescindem os seres humanos, patrimônio inseparável da felicidade. Haverá quem veja nesses dizeres muito de pieguice e, talvez, tenham razão. Mas, vale o que disse certa vez o poeta Drummond em relação às cartas de amor:

Cartas de amor são ridículas. Mas, ridículos mesmo são os que nunca escreveram cartas de amor.

A afirmação se aplica inteiramente à amizade. Escrevo sobre isso após, em duas semanas seguidas, presenciar e participar de reuniões nas quais pessoas demonstram muita afeição entre si. Habituado à sisudez das relações comerciais e às imposições da etiqueta vigente no mundo dos mercados, não nego que me surpreendi. Na primeira reunião, jovens deram mostras de verdadeira amizade; na segunda, pessoas mais velhas valorizaram as relações desinteressadas e confessaram o prazer de contatos movidos, unicamente, por amizades duradouras.

Não entro em detalhes para preservar a identidade dos participantes das duas reuniões. Mas, não me furto a escrever sobre esse assunto. Quem sabe sirva ele a alguém que já não acredita na verdadeira amizade e a leve a rever seus conceitos. Acreditem: a vida torna-se bem mais fácil quando se tem bons amigos.

Escrito por Ayrton Marcondes

11 setembro, 2010 às 8:56 pm

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