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O visitante
Está aí o Gê a quem há muito não via. Nem dá para dizer que ele é visitante periódico. Definitivamente, o calendário do Gê não bate com o meu. Somos assíncronos, portanto. Une-nos o acaso como o desta manhã em que o encontrei, como sempre empoleirado na antena de TV do prédio. Entretanto, o Gê não veio sozinho. Acompanha-o uma companheira - suponho que seja fêmea dados os trejeitos dele em relação a ela.
O Gê é um corvo. Não sei que tipo de atração o liga a mim. O fato é que passado algum tempo ele reaparece no lugar de sempre de onde parece me olhar diretamente. Na verdade trocamos olhares. Eu até que disfarço, mas não o perco de vista. Talvez veja nesse corvo um pouco daquele corvo de Poe. O Gê tem o jeito de quem retorna de lugares sombrios para me dar conta de que a vida é breve e nenhuma esperança poderá me salvar.
Minha mãe não gostava de corvos, animais que considerava agourentos. Os corvos, dizia ela, têm ligação direta com a morte. Na verdade são mensageiros da morte. Não se lembra do acontecido ao seu Otávio? - perguntava ela.
De fato o caso do seu Otávio fora bastante estranho. Seu Otávio, nosso vizinho, enlouquecera. Mas, não era desses loucos agressivos, violentos. Seu Otávio tornou-se um louco manso cuja loucura se manifestava nas pequenas coisas. Aquele hábito, por exemplo, de esperar que a mulher dormisse para, depois, enfiar alguns sapos debaixo das cobertas. A mulher era acordada pelo contato dos sapos com seu corpo e erguia-se da cama aos gritos, desesperada. Seu Otávio, sentado numa cadeira no canto do quarto observava a cena, indiferente, ausente. Era amigo dos sapos,sempre tinha um ou dois dentro dos bolsos da calça.
Certo dia apareceu na casa do seu Otávio um corvo. Entre o louco e o animal estabeleceu-se estranha relação. O corvo meteu-se dentro da casa e seguia seu Otávio como se fora animal de estimação. A curiosidade dos habitantes do lugarejo foi despertada quando seu Otávio saiu à rua, tendo atrás de si o corvo que parecia vigiá-lo.
A inusitada situação do corvo que seguia seu Otávio durou um dia e uma noite. Na madrugada seu Otávio faleceu e o corvo partiu. Durante mais de um semana pessoas reuniram-se na casa da viúva para rezar pela alma do falecido que supunham ter ido para o inferno, afinal era incomum receber aviso da morte trazido por um corvo.
Em Seattle, nos EUA, uma pesquisadora estuda a relação dos corvos com a morte. Valendo-se da ajuda de outras pessoas ela alimenta corvos numa praça, habituando-os a aparecer nela para comer. Enquanto os corvos comem um cúmplice se aproxima trazendo nas mãos uma ave empalhada. Um pombo empalhado desperta reação de uns poucos corvos que atacam o cúmplice. Entretanto, caso a ave morta seja um corvo, os animais que comem param de comer e atacam, em bando, o cúmplice. A pesquisadora supõe que os corvos observam atentamente os seus mortos, talvez pela necessidade de aprender sobre as circunstâncias da morte dele. Este comportamento é raro em animais como é o caso dos elefantes. Há pouco tempo noticiou-se que a família de um elefante parara num acampamento para acariciar as presas do parente que desapareça a já algum tempo.
Enquanto escrevia o Gê foi-se embora. Não sei quando reaparecerá por aqui. Espero que suas visitas não se relacionem com um fim próximo como aconteceu ao seu Otávio.