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A proibição da Devassa
Anos atrás, no aeroporto JFK de Nova York, um funcionário da imigração resolveu folgar comigo. Estávamos, eu e a minha mulher, apresentando os documentos exigidos pela imigração quando ele disse umas gracinhas a mim, mas relacionadas à minha mulher. Tratava-se, tipicamente, do preconceito disseminado contra a mulher brasileira, apresentada que é por aí como uma mulata de curvas generosas e sempre pronta a dar muito prazer.
A minha situação em relação ao funcionário da imigração norte-americana era muito delicada. Obviamente ele esperava por um revide que seria suficiente para tirar-me da fila e, provavelmente, criar sérios problemas para entrar nos EUA. Ainda assim, pareceu-me que as coisas não poderiam ficar tão mal-paradas, afinal corre sangue na veia dos homens, não? Mas foi aí que prevaleceu o bom-senso da minha mulher que foi me dizendo, em bom português, que afinal era só um funcionário da imigração, um sofredor, ele que se… Então mordi a língua, fingi não entender nada do que o cara dizia e, horas depois, estávamos nós no Village Vanguard, assistindo a uma excepcional noitada de jazz.
Pois é, acontece nos filmes, acontece na vida.
Há poucos dias vi na internet uma propaganda de uma agência de viagens estrangeira, claramente ofensiva à mulher brasileira: uma cena de café da manhã em família é invadida por uma mulata a caráter, para escândalo da dona da casa. Sempre a mesma coisa, não?
O fato é que à imagem da mulher brasileira impregnou-se um exotismo desrespeitoso, como se o Brasil fosse terra de plenas facilidades sexuais, para isso muito contribuindo o infeliz turismo sexual que atrai ao país toda sorte de pára-quedistas em busca de prazer.
De qualquer modo, mesmo internamente estamos habituados à associação da imagem da mulher a qualquer coisa que sugira prazer. Creio que, nesse terreno, as campanhas publicitárias das marcas de cerveja tenham lugar de destaque. Os anúncios comerciais das cervejas sempre descambam para uma comemoração na qual uma bela mulher surge no meio de muitos homens que tomam a sua cerveja favorita. Quem não se lembra dos comerciais de cerveja com a Juliana Paes?
Por essas e outras ainda não consegui entender bem a proibição do comercial da cerveja Devassa no qual um voyer observa a socialite Paris Hilton. Verdade que não se trata de nenhuma mensagem subliminar, as coisas são explícitas mesmo. Mas, sinceramente, não vejo lá grande diferença com outros comerciais nos quais se exploram dotes femininos, dando ênfase especial à chamada “la derriére” dos franceses. No fundo todos os comerciais de cerveja exploram a mesma matéria que, certa ou errada, trata-se da associação entre o prazer do sexo e os goles da bebida bem gelada.
Ontem os 12 conselheiros do Conar (Conselho de Autorregulamentação Publicitária) mantiveram a proibição ao comercial da cerveja Devassa. Se você ainda não viu, entre no You Tube e veja. Depois me diga se é muito diferente dos outros que são rotineiramente exibidos. Não nego que seja sensual até em exagero. Paris Hilton veste uma roupa sumária, mas não tira a peça, não exibe o corpo com um biquíni, por exemplo. Tudo fica na base de sugestão e talvez aí residam as razões da proibição: o grande pecado é o do pensamento, da sugestão que não se consuma, mas faz pecar. Coisa anacrônica, mas ainda em voga em muitas religiões.