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Mundo careta
Você se lembra do Long Dong Silver? Não? Era um “negão” que fez grande sucesso por aqui por ser portador de um pirulito enorme. Na época discutia-se sobre a quantidade de sangue necessária para preencher os corpos cavernosos e deixar o pirulito ereto. Haveria, quando isso acontecesse, falta de sangue no cérebro, gerando algum tipo de apoplexia?
O detalhe é que se podia falar sobre esse assunto a gosto. E escrever sobre ele. E podia-se grafar a palavra “negão” sem temer acusações de racismo. Em 70, o técnico da seleção, João Saldanha, referia-se a Pelé como “Negão”. Long Dong pertenceu a essa época. Se você duvida da existência dele entre no Google e digite “Long Dong Silver”. Aparecerão – e não “vão aparecer”, com o verbo auxiliar hoje tão na moda – fotos de um “colored” com um pirulito que alcança os joelhos.
Naquele espaço de tempo o mundo não era tão careta como hoje. Nem as famílias e mocidade tão conservadoras. Olha aí, vivemos hoje em dia num universo de conservadores, regulados por uma “regra” mais dura que aquela ditada por São Francisco de Assis aos seus seguidores. Se você não conhece a figura de São Francisco um ótimo caminho é começar com o texto de G. K. Chesterton sobre o grande santo protetor dos animais.
Aliás, você sabia que anos atrás as imagens de São Francisco traziam, numa das mãos do santo, uma caveira? E que por ordem papal a caveira foi substituída por um pombo? Quem duvida que visite as igrejas setecentistas de Minas Gerais: encontrará imagens de São Francisco segurando a caveira numa das mãos.
Voltando à caretice do mundo atual: os jovens dos sessenta, setenta e até oitenta faziam parte do jogo, acredite. Entediam as mensagens da maluquice e compreendiam a vida como processo aberto a muitas variantes de atitudes, até mesmo as aparentemente inexplicáveis. Na televisão brasileira, Chacrinha era um ícone do escracho bem nacional, continuidade do desrespeito ostensivo ao regular, ao imposto, ao monótono, à mesmice, ao federado, ao institucional, ao bem acabado. Esse era um mundo que vinha do rádio, da piada endereçada a todos e a ninguém, o riso sem ofensa ainda que ofendesse a algum incauto surpreendido em pleno ato de qualquer conservadorismo.
Hoje é diferente. Tudo é ofensa, tudo é interpretado como agressão, tudo é racismo, tudo vira processo e existem por aí causídicos que vivem à custa de impropriedades ditas ou escritas. Tempos caretas os atuais, tempos de normas, tempos de conservadorismo caústico no qual a defesa da honra não desonrada tornou-se um grande negócio.
É preciso reagir, recolocar as relações entre pessoas nos trilhos. É preciso devolver o riso fácil às pessoas para que possam agir com propriedade, sem medo de ofensa. É preciso devolver o sentido às boas piadas, reduto da alma nacional que costuma rir das desgraças, sem que se dê a elas conotações de agressão.
É preciso evoluir em direção ao passado e devolver a alegria ao dia-a-dia do povo brasileiro.
É preciso rir.
É preciso, é preciso… “Poema das Necessidades“ de Carlos Drummond de Andrade.
Abaixo o conservadorismo!