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Time Out
Nesses dias completam-se 50 anos desde o lançamento do disco “Time Out” do “The Dave Brubeck Quartet”. Inesquecível.
Só não sei dizer quando ouvi o LP pela primeira vez. No máximo me recordo de uma esquina em cidade do interior e o som de “Take Five” vindo da janela aberta de um prédio de três andares. Se bem me lembro a janela era a do consultório de um dentista que, em seu momento de folga, deliciava-se com o piano de Dave Brubeck.
O quarteto de Brubeck formou-se em 1951, em São Francisco, Califórnia. A gravação de “Time Out” aconteceu no meio do ano de 1959 numa antiga Igreja, em Nova York. Na ocasião o quarteto era formado por Brubeck ao piano, Paul Desmond ao saxofone, Joe Morello na bateria e Eugene Wright no contrabaixo. A música “Take Five” teve estrondoso sucesso, embora suas inovações rítmicas através da arrojada utilização de um tempo 5/4.
O disco saiu o pela gravadora Columbia que, segundo consta, não estava muito a fim de levar o projeto adiante porque as músicas eram novas e entre elas não havia nenhum “standart”. Mas, ao contrário do que acreditavam os homens da gravadora, o público estava preparado para receber as inovações que fizeram o quarteto ser conhecido mundialmente.
Ainda hoje se ouve “Time Out” com grande prazer e interesse. Se com o passar do tempo as inovações rítmicas deixaram de impressionar, persiste a beleza dos solos dos músicos, entre eles Paul Desmond. O sax de Desmond tem um som puro, sendo tocado longe do microfone. Desmond definia o seu estilo cool de tocar dizendo que ele sempre quis soar como um martini seco.
Dave Brubeck sempre foi um caso a parte. Exímio pianista tem tocado com diversas formações, gravando com os principais nomes do jazz. Foi aluno do compositor e professor francês Darius Milhaud, um dos artífices da politonalidade. Dos estudos e inovações de Brubeck nasceu o estilo arrojado que pode ser ouvido nas inúmeras gravações disponíveis que trazem o seu nome.
Pessoalmente, vi Dave Brubeck em atividade uma única vez, isso há muitos anos. Apresentou-se ele em São Paulo com um quarteto no qual figuravam dois de seus filhos. Na época Paul Desmond não estava mais no grupo. Aliás, Desmond morreu em 1977, aos 52 anos. Como não tinha descendentes, o saxofonista destinou os royalties de suas gravações à Cruz Vermelha norte-americana que, graças a isso, recebe cerca de 100 mil dólares por ano.
Dave Brubeck está com 88 anos de idade e ainda se apresenta com invejável energia. Através da Internet pode-se comprar ingressos para um show que ele fará, no dia 24 de março de 2010, no Wells Fargo Center, Santa Rosa, Califórnia.
Vida longa ao grande Dave Brubeck que, com sua música, tornou os nossos dias mais agradáveis nos últimos cinquenta anos.
Human Nature
28 de julho de 1985, Theatre St. Denis, Montreal, Canadá. Miles Davis começa a tocar no seu trompete a música Human Nature, de Michael Jackson. É acompanhado por Bob Berg no saxofone, Robert Irving III no sintetizador, John Scofield na guitarra elétrica, Daryl Jones no baixo elétrico, Steve Thornton na percussão e Vincent Wilburn na bateria.
Miles é considerado um dos mais influentes músicos do século XX, tendo passado pelo bebop, pelo cool jazz, pelo jazz modal e pelo fusion. Nos últimos tempos tem avançado, solitariamente, para uma combinação entre o jazz, o funk e a música pop o que tem valido a ele críticas por não estar tocando o verdadeiro jazz. Mas ele está no auge de sua popularidade e buscando novos caminhos para chegar ao seu público.
Miles tem agora 59 anos de idade e está acima de tudo isso. Na verdade o grande Miles alcançou o invejável pórtico no qual pode tocar o que quiser. É dentro dessa perspectiva que inicia os seus solos de Human Nature. A partir daí o que se segue é impressionante. Lá está Miles Davis com seus óculos escuros, vestido com uma estranha e bela roupa negra que apresenta símbolos desenhados. Ela anda no palco entre músicos e instrumentos, curvado sobre o seu trompete vermelho que emite notas profundas e maravilhosas.
Miles está no palco e, de repente parece não estar. Na medida em que se entrega à melodia ele caminha dando a impressão de que atravessa regiões desconhecidas, avançando cada vez mais no insólito e levando-nos com ele. Homem e trompete tornam-se um só corpo que vibra em notas musicais apaixonantes. A essa altura Miles prendeu-nos com toda a sua magia e nada pode livrar-nos da imantação a que estamos submetidos, exceto o momento em que a alegoria se desfaz e Miles para de tocar.
Não é um bem um homem aquele que toca no palco do Theatre St. Denis, em 1985. Há no músico que vemos e ouvimos uma parceria com a divindade, o afastamento pouco nostálgico da condição humana, a transcendência do semi-Deus que governa os sentimentos e nos encanta com a sua música.
Já não importa mesmo o que Miles toque. Ele segura o trompete como um gato retém a sua presa, com movimentos delicados e precisos. Seus dedos se movem sobre os botões como gatilhos que disparam sobre nós sonoridades inesperadas.
Miles Davis morreu em 1991, mas continua tocando, revelando-nos muito sobre a as possibilidades da natureza humana enquanto sopra em seu trompete as notas da música de Michael Jackson.
PS: impressões recolhidas ao assistir a apresentação de Miles Davis, incluída no DVD “Miles – Live in Montreal”.