Arquivo para ‘Cotidiano’ tag
Homem se fosse bom…
Conversa animada numa barraca de feira. Os rapazes das hortaliças caçoam com uma moça, também funcionária, por ela não ter namorado. Ao que ela responde, dizendo que não precisa de homem.
O papo furado chega ao âmbito das freguesas que passam a defender as mulheres e criticar os homens. No meio das queixas de costume uma das freguesas proclama a máxima:
- Homem, se fosse bom, era mulher.
Ao que as outras concordam, exceto uma que afirma:
- Podem falar o que quiserem, mas mulher não vive sem… Eu não posso reclamar. Só não tenho o meu porque ele mudou de plano, está lá em cima. Fui casada 26 anos com um homem maravilhoso e estaria com ele se estivesse vivo.
Todo mundo se cala por um instante até que uma das freguesas comenta:
- Não se nega que algumas de nós podem ter sorte.
A conversa para por aí. Leio nos jornais que os brasileiros(as) gostam da instituição casamento, preferem relações duradouras. Não me lembro dos números, mas dados estatísticos recentes revelam grande crescimento de matrimônios no país. Embora várias conjeturas possam ser feitas a respeito do fato não se pode olvidar que o ser humano é um animal gregário e, mais que isso, num mundo convulso como o atual, o medo da solidão talvez seja determinante nada desprezível.
Há quem diga que muita gente se casa só pelo receio de ficar sozinha. Conheço mulheres por volta de 30 anos de idade que se dizem na fase do vai ou racha. O mesmo acontece com rapazes de faixa etária semelhante, embora eles pareçam ter mais mobilidade que as moças nesse assunto. Existe quem defenda a teoria de que o mar não está pra peixe daí não ser momento para escolher muito: a busca do príncipe (princesa) encantado(a) pode se tornar interminável. Por fim, existem os celibatários e as muitas mulheres emancipadas para as quais o homem não passa de acessório muito útil.
O assunto é interminável porque, como bem finalizou uma senhora na conversa da feira, felicidade não se compra no mercado. No fim a felicidade é o que todos procuram. De um jeito, ou de outro.
Ah, chovia e os preços dos produtos vendidos na feira estão subindo.
Fim do recesso
Está aí a tal segunda-feira, 04 de janeiro, na qual a vida recomeça para muita gente. Termina o período de recesso de muitas empresas, volta-se ao trabalho, as festas estão definitivamente encerradas e, principalmente, desfaz-se a amnésia voluntária a que nos entregamos nos últimos dias. Isso quer dizer que as pendências temporariamente esquecidas reaparecem, com toda força, a partir do momento em que acordamos ou chegamos ao trabalho.
Acontece assim todos os anos, com maior ou menor intensidade para cada um, na maioria das vezes em acordo com as responsabilidades assumidas. O problema é cíclico, portanto, o que nos leva a pensar se não é possível, senão evitá-lo, pelo menos minorar os seus efeitos.
Fui levado a pensar sobre esse assunto porque justamente nesta manhã me perguntei se o modo de viver (sobreviver) atual não é muitas vezes mais complexo do que em décadas anteriores. De que o mundo mudou demais e o cotidiano passou a se impor com mais força não restam dúvidas. Isso não quer dizer que a vida fosse fácil no passado ou que as pessoas não enfrentassem problemas proporcionais às suas escolhas. Mas, não há como negar que existia anteriormente uma lógica cotidiana mais fácil de ser compreendida. Para ficar num só exemplo não havia, então, essa banalização do mal que hoje é praticado quase como uma forma de ativismo irreversível. Ao expectador de hoje o modo de viver há 30 ou 40 anos talvez pareça mais ingênuo que o atualmente verificado. Mais cordialidade, mais respeito, maior fraternidade e certa compaixão em relação ao outro a quem não se conhece faziam parte do modo de ser das pessoas.
É nesse ponto que voltamos a esta segunda-feira. A essa altura você já deve ter saído de casa e, se vive numa grande cidade, pode estar preso a um congestionamento, pensando que não pode se atrasar justamente no dia de volta ao trabalho. Não será preciso citar o que passa pela sua cabeça, as necessidades urgentes, o muito a fazer, o estresse a que está submetido e que faz o seu estômago voltar a doer após dias em que nem mesmo foi preciso tomar remédios.
Melhor seria, talvez, ter deixado o parágrafo anterior em branco, com uma indicação ao leitor para preenchê-lo em acordo com as ocorrências da sua rotina. De todo modo, sejam quais forem as circunstâncias, fica a pergunta: é preciso ser assim, não existe outro modo de viver?
Talvez seja impossível a uma pessoa desvencilhar-se por completo das amarras que a prendem. Em todo caso, vale lembrar de que não precisa ser assim, não tem que ser assim, existem opções menos sofridas para viver. Sabemos o quanto é difícil, mas tudo tem um começo que pode estar na simples vontade de mudar as coisas.
Utopia? Foi o que perguntei a um senhor com quem tomei o café da manhã hoje. Olhávamos para o mar revolto aguardando a baixa da maré que deverá acontecer em uma ou duas horas. O homem de mais de setenta anos é o verdadeiro autor desse texto, são suas as idéias expostas. Ele me disse muitas coisas, tentando me mostrar que a vida é bela e não precisa ser desperdiçada com querelas inúteis.
No fim eu o ouvi em silêncio. Quando terminei o café ele já tinha saído e fiquei pensando se realmente estivera ali comigo ou eu o inventara para me dizer coisas que talvez precisasse ouvir e, principalmente acreditar.
De qualquer modo eu não tinha ido trabalhar, ficara com o mar. Isso me pereceu um bom começo para o ano e dei-me por satisfeito.
Textos exorcizam, acreditem.