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Comidas e paladar

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Olhe, confesso que nunca fui um bom gourmet. Talvez a coisa esteja ligada ao paladar que não figura como o melhor dos meus sentidos. Ou, ainda, a essa obsessão incurável de comer depressa, como se algo terrível estivesse para acontecer justamente quando estou à mesa.

Sei lá. Todo mundo sabe que em geral detestamos algumas pequenas características que observamos em nossos familiares. O diabo é que com o passar do tempo descobrimos que se não somos iguais a eles pelo menos herdamos coisas que criticávamos. Bem, meu pai era um afoito à mesa, comia depressa, dir-se-ia um trator amassando e triturando o que via pela frente. Não chego a tanto, mas negar alguma semelhança seria bobagem.

Bem, não é tão dramático admitir certa incapacidade para saborear certas comidas. A primeira vez que me dei conta de que não seria um bom gourmet aconteceu quando um amigo me garantiu que, definitivamente, eu não tinha o “tesão” por pratos requintados. Isso ele afirmou porque adorava cozinhar e tinha feito um prato especial para que almoçássemos. Comi aquilo, achei gostoso, mas fui incapaz de notar detalhes, sabores especiais dados por temperos que ele usara. No fim da refeição disse a ele que gostara muito, mas ele não se furtou a fazer comentários não muito elogiosos sobre o meu paladar.

O que não quer dizer que eu não sinta o gosto das coisas. Pois tenho um muito bom - não chega a excelente - paladar para doces. A essa altura preciso dizer que pertenço a uma família na qual as mulheres primavam por terem especialidades. Tal tia era famosa porque sabia preparar tal prato como ninguém. A minha avó paterna tinha entre suas especialidades a de fazer um doce de banana inimitável, de cujo sabor até hoje tenho saudades. Minha mãe fazia seus doces de abóbora ou pêssego cozinhando-os num tacho em fogão de lenha. Delícias das delícias pelas quais eu daria tudo para provar mais uma vez. Isso sem falar na atmosfera da cozinha de outro tempo, lugar onde se preparavam comidas saborosas e simples.

A essa altura creio ser obrigado a me desmentir, afinal o meu paladar não é tão ruim. O problema - o grande problema - talvez tenha sido a familiaridade com os alimentos comuns da cozinha caipira na qual não podem faltar o arroz, o feijão, o macarrão, as fritas e a “mistura” seja lá ela o carne, peixe ou coisas próximas. Talvez por ter sido criado dentro de uma cozinha assim, nunca pude me dar bem com a comida japonesa na qual alimentos crus são verdadeiras iguarias.  Aliás, por falar em iguarias, tenho uma passagem realmente terrível em relação a elas. Certa ocasião fui ao casamento de um amigo que eu não sabia ser tão endinheirado e chique. Depois da cerimônia na igreja seguiu-se a festa num bufê. Logo na entrada os convidados eram recebidos ao som de trombetas e caviar. Ora, de há muito eu queria saber que gosto tinham os caviares dos quais tanto se falava. Então, eis que, afoitamente, enchi a boca de caviar e não houve meio de engolir aquilo. O problema era que não sabia como me livrar do conteúdo que levava na boca, até que me aproximei de uma grande vaso de flores e ali dei um jeito de safar-me do incômodo.

Imagino pessoas que adoram caviar ao saberem que alguém detestou a tão afamada especiaria. De modo que ainda hoje me pergunto se o problema não teria sido “aquele” caviar. Quem sabe o chefe de cozinha que o preparara não teria utilizado algum componente responsável pelo gosto desagradável que vim a sentir. Graças a essa dúvida ainda não desisti do caviar: caso algum dia tenha oportunidade, pretendo experimentá-lo novamente.

Minha mulher diz que o meu problema em relação à comida é que não gosto a priori daí a minha recusa em experimentar novos pratos. Talvez ela tenha razão porque muitas vezes ela me engana servindo-me coisas sem que eu saiba o que seja. Depois que como - e gosto - ela se diverte, dizendo que comi tal e tal coisa de que vivo a dizer não gostar.