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A paz dos mortos
A paz depois da morte é uma certeza? Talvez nem sempre seja assim. Há pouco tempo fui ao enterro de um amigo realizado num cemitério vertical. Subimos pelos elevadores até o décimo andar e lá deixamos o amigo numa gaveta (lóculo) de onde ele nunca mais poderá sair. Tudo muito limpo, sem terra sobre o caixão que é colocado na gaveta e isolado do mundo pelos coveiros. Na portinhola externa o nome dos mortos, as datas de nascimento e morte, vez ou outra uma mensagem de saudades da família.
De outra feita fui ao mesmo cemitério por ocasião das exéquias da mãe de um amigo. Ela não foi enterrada porque os filhos optaram pela cremação. Ficamos num pequeno auditório de onde se via o caixão sobre um palco. Feitas as despedidas, o caixão foi abaixando até sumir. Dias depois o meu amigo recebeu as cinzas da mãe que atirou no mar.
Nos dois casos o “Requiescat in pace” parece ter sido para valer. Entretanto, há casos em que mesmo depois de muito tempo após a morte os restos mortais são exumados para estudo ou por razões de natureza legal. Quando moço, assisti a uma exumação feita cerca de um mês após a morte e até hoje continuo impressionado com a cena terrível presenciada no momento de abertura do caixão: um número incontável de baratas e outros insetos saíram às pressas, correndo para todo lado. Cobriam o corpo da moça ainda sob suspeita de erro médico na condução de seu malogrado tratamento.
Agora mesmo pretende-se exumar o corpo do poeta e Prêmio Nobel chileno Pablo Neruda. Consta que ele teria sido envenenado pela ditadura de Pinochet de vez que era contrário ao terrível regime que se instalara no Chile após a morte do presidente Salvador Allende. Neruda era amigo de Allende cujo suicídio até hoje é discutido. Pessoas próximas de Neruda afirmam que ele estava bem e teria morrido após receber medicação em uma unidade de saúde.
Mas, o grande assunto do momento é a exumação feita dias atrás dos restos mortais de D. Pedro I, Imperador do Brasil, de sua primeira esposa, a Imperatriz Leopoldina e de sua segunda esposa D. Amália. As costelas quebradas de D. Pedro e as joias falsas da imperatriz estão dando o que falar. Agora se divulga que o coração de D. Pedro está conservado em Portugal e pretende-se autorização para retirar dele material para estudo que poderá revelar, entre outras coisas, se o primeiro imperador do Brasil era sifilítico ou não.
Pois é, Pedro I morreu em 1834 e quase dois séculos depois está na boca do povo. Interrompe-se o seu eterno descanso, quer-se saber se era sifilítico e torna-se a afirmar que a Imperatriz Leopoldina teria sido agredida a chutes por ele, mesmo estando grávida. Entretanto, estranha-se que ela não apresente sinais de fratura em seus ossos dada a afirmação de que ela teria quebrado o fêmur ao cair.
Cá entre nós, deu uma tristeza danada ver os caixões das figuras históricas brasileiras serem devassados depois de tanto tempo que morreram. O que significa que o “Requiescat in pace” pode não ser para sempre.