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Os novos bárbaros
Minha avó lia diariamente o jornal “Última Hora” do Samuel Wainer. O jornal era o que era, tivera o patrocínio de Getúlio e esmerava-se no sensacionalismo. Dizia-se que caso se espremesse o jornal escorreria sangue de suas páginas. As letras garrafais da primeira página noticiavam crimes terríveis. E isso num mundo que, comparado ao de hoje, poderia ser considerado como muito tranquilo. Andava-se pelas ruas à noite sem grandes riscos, mesmo nas capitais. Nas cidades do interior raramente ocorriam crimes de monta. O fato é que a minha avó vivia numa calma e muito segura cidade do interior, mas entendia os perigos do mundo conforme noticiados pela “Última Hora”. Dai que quando saíamos à rua ela nos prevenia sobre os perigos de uma violência que, na verdade, inexistia.
Passados sessenta anos a situação é bem outra, como se sabe. Insegurança é palavra corriqueira e noticiais sobre a criminalidade brotam de todo lado. Acostumados a tal situação resta-nos torcer para que algo de mau não nos aconteça. Entretanto, ficamos a mercê da sorte porque ninguém está livre de vir a ser surpreendido por ações da bandidagem.
O assunto é tão falado que se tem a impressão de que nada mais há a se acrescentar sobre ele. Entretanto, não há como ignorar acontecimentos que chegam até nós e escandalizam, entre eles a crescente audácia da bandidagem. Os criminosos de hoje mais se parecem a personagens ficcionais, automatizados que são em práticas repetitivas, audaciosas e perigosas. A vida parece nada valer para o criminoso que se dispõe a matar ou morrer por quase nada. A morte faz parte do ofício e isso é tudo. De modo que assassinar alguém não passa de ato de rotina. Trata-se de um jogo de computador onde quem está à frente deve ser eliminado sem que isso custe nada à consciência.
No fim de semana dois crimes chamaram a atenção embora não muito diferentes de outros até piores. O primeiro aconteceu no Rodoanel em plena luz do dia: bandidos pararam o trânsito da estrada, obrigaram pessoas a deitaram-se na pista e roubaram os carros parados no congestionamento que se formou. Simples assim. Debaixo do sol. Sem consequências para eles que levaram o que quiseram. O outro crime ocorreu num congestionamento durante a viagem de retorno à capital. Um empresário, de 29 anos, dirigia o seu carro e pediu informações a um homem que, na ocasião, se mostrou nervoso. Minutos depois o nervoso voltou ao carro do empresário, acompanhado de uma moça de 15 anos, e anunciou o assalto. O empresário quis dialogar e a moça atirou em seu peito, matando-o. Simples assim. No carro a mulher do empresário e dois filhos que nada sofreram. O bandido e a moça desapareceram. Na maior.
Por mais que estejamos habituados a notícias desse tipo elas ainda nos causam estranhamento porque envolvem crise em relação a tudo que acreditamos e temos como correto. A criminalidade crescente e o desapego total à vida não condizem com o que entendemos como humano. No mundo globalizado onde a tecnologia se desenvolve com grande rapidez observa-se o avanço da barbárie. Não se trata de avanço surdo: os novos bárbaros formam uma nação que não compreendemos bem, são movidos por outras regras e existe o perigo de que cresçam cada vez mais diante de uma sociedade atônita que não sabe como lidar com eles ou resolver a situação.