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A crise da Igreja
Aprendi com os militares que o Exército é um corpo orgânico, corda para vibrar em uníssono. Numa instituição dessa natureza a ideia de tempo é relativa: passado e presente se confundem em torno da mesma arma e da defesa dos mesmos princípios. Existe, por detrás da farda, uma ideologia que reveste a cultura particular dos homens que a vestem. O cidadão deixa parte de si e sua crença pessoal para trás quando sob o desígnio da farda que confere a ele o sentido de corporação. O corporativismo fala mais alto, sobrepõe-se à individualidade.
Esse modo de ser é também observado na Igreja. Instituição milenar, a Igreja atravessou períodos difíceis desde que Pedro se tornou o primeiro papa. Foi combatida e perseguida, mas sobreviveu. Penou e fez mártires sob o jugo do Império Romano, escondeu-se, mas não deixou de existir. Sobreviveu aos impérios, ditou regras e perseguiu durante as trevas da Idade Média, exercitou seu grande poder através de concílios e a história do mundo seria totalmente outra caso a Igreja não existisse.
Quando se fala sobre crise na Igreja os que a defendem respondem com segurança: vai passar, como passaram todas as outras. A intuição é maior que os homens e os momentos históricos em que eles atuam. Além disso, tem a seu favor a fé, os mandamentos e a tradição de sacrifício e verdade. Se em algum momento parte seus membros sucumbiram ao pecado, se existem papas no inferno como quis Dante, a instituição não se abalou com isso. Resistiu justamente porque esse foi o caminho previsto por Deus, sacramentado pelas escrituras.
Tudo isso é bem conhecido e soa muito lógico. Entretanto, hoje em dia não é demais perguntar sobre o que se espera do futuro da Igreja. Os muitos escândalos em que têm se envolvido membros do clero realmente constituem-se num desafio à estabilidade de tão antiga instituição. Nos últimos tempos inúmeros casos de pedofilia entre membros do clero tornaram-se públicos, combalindo a confiança dos fiéis. Agora, aos conhecidos escândalos dos Estados Unidos e da Áustria, vêm se somar a descoberta de casos na Irlanda. Um relatório aponta 488 queixas de casos de pedofilia, ocorridos entre 1950 e 1980, com terríveis consequências para as crianças, hoje adultas. Basta dizer que treze das pessoas que sofreram abusos por parte de padres suicidaram-se. Considere-se, ainda, que a pesquisa refere-se a casos passados e envolve pessoas adultas que só agora se dispuseram a falar sobre o seu sofrimento. Isso quer dizer que nada se sabe sobre a situação atual, sendo justas as preocupações de que casos de pedofilia continuem acontecendo.
São esses fatos lamentáveis que, trazidos à luz, nos fazem ponderar sobre a situação atual da Igreja. Por que a ocorrência de tantos casos de pedofilia no seio da instituição? Só o tempo nos trará respostas para essas e outras indagações sobre fatos que indignam a opinião. Enquanto isso se espera por muita vigilância e punições e não só nos cleros de países até agora declaradamente envolvidos em escândalos sexuais.
Esse é um caso em que orar para que não aconteçam desgraças parece não estar dando muito certo, daí a necessidade de ações rápidas e preventivas por quem de direito e responsabilidade.
A crise da Igreja
Nunca pensei viver o suficiente para ver a Igreja ser atacada frontalmente, inclusive com acusações diretas ao Papa. Esse tipo de acontecimento, nas proporções atualmente observadas, seria inimaginável há alguns anos. Discutia-se, sim, a atuação do Papa Pio XII a quem se atribuíam e atribuem omissões quanto ao nazismo. Vez por outra pipocavam acusações a padres, inclusive por casos de pedofilia. Entretanto, esses casos eram entendidos como atos de ovelhas que se afastaram do rebanho e que jamais poderiam manchar uma instituição milenar.
Nesse momento desencadeia-se em todo o mundo onda de protestos contra grande número de casos de pedofilia praticados por padres. A Igreja se encolhe, o Vaticano vê-se obrigado a se pronunciar sobre temas delicados, acusado que é de ter jogado para baixo do tapete casos vergonhosos e que exigiriam ação pronta e firme. Um prelado da Igreja discursa na presença do próprio Papa e incompreensivelmente compara as acusações que se fazem à Igreja às perseguições do nazismo. Pouco depois é obrigado a retratar-se: não é essa a Igreja que conhecemos.
A situação alcança o patamar em que o Vaticano finalmente apressa-se em afirmar que casos de pedofilia praticados por padres devem ser julgados pela Justiça comum.
E agora? Como fica a fé no meio dessa confusão? Difícil responder por que o que está em jogo é a credibilidade dos homens que atualmente dirigem a Igreja. Não se pode negar que a essa altura a figura de Bento XVI não conte com o prestígio – o enorme prestígio e credibilidade – de seu antecessor, o Papa João Paulo II.
Prognósticos? Ah, vai passar. Errado, absurdo, intolerável, mas vai passar e é fácil entender por que. Existem instituições que partem da premissa de que fatos momentâneos não interferem em algo que existe há muito tempo. Aprendi isso com o Exército. Não importa à alma militar que nesse ou naquele momento da História a corporação tenha sido afrontada por fatos que a desmerecessem. Derrotas não passam de abalos circunstanciais. Passa o tempo, novos homens revigoram a corporação e perdura a idéia de unidade que abrange o “desde sempre” que garante o orgulho de pertencer à instituição. Trata-se do amor e respeito à farda que une os homens que a vestiram em todas as épocas.
A Igreja foi perseguida desde os primeiros tempos, sua história é permeada pelo sacrifício de mártires que edificaram templo cujas bases nada têm de pés de barro. A idéia é a de que a Igreja está a sofrer mais um grande ataque de forças que sempre se uniram para destruí-la. Assim, a Igreja passará por mais isso.
A Igreja sobreviverá, ainda que na atual crise alguns dos homens que a dirigem estejam errados e tenham menosprezado a enormidade dos crimes cometidos por membros da instituição.
Simples assim? Nem tanto, mas muito provável.