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O cordel
Adoro os livrinhos de cordel. Tenho muitos em casa. Pessoas dotadas para rima, poetas populares, narram “causos” impensáveis. Os temas não são lá muito variados. Personagens muito utilizados são os cornos, as mulheres que traem, feras como tigres, bundas de mulheres, boiolas, pavões misteriosos, padres, peidos formidáveis e assim por diante. Elementos inusuais em narrativas comuns entrecruzam-se numa prosa muito própria, rica em achados linguísticos e, principalmente, muito engraçados. Nas capas dos livrinhos títulos muito atraentes tais como: “Novos tipos de cornos do Brasil”, “O casamento do Boiola”, “A bunda da Chica boa”, “Discussão de seu Lunga com um corno” e assim por diante.
Pois aconteceu agora o 3º Encontro de Cordelistas da Paraíba. Na ocasião mulheres cordelistas se uniram para protestar contra o machismo no cordel. Isabel Nascimento, presidente da Academia Sergipana de Cordel, abriu a reunião, dizendo alto e bom som: “Atualmente, não cabe mais um cordel com viés do machismo, do racismo, da homofobia e de todas as formas de preconceito”.
A oradora recebeu apoio de outras cordelistas e ouviu protestos de alguns homens que disseram sobre a necessidade de todos cordelistas terem uma bandeira só. Terminada a reunião a presidente verificou as repercussões de sua fala. Os homens contrários à igualdade de gênero a malharam; mulheres saíram em sua defesa.
Como leitor de histórias de cordel confesso não ter levado em conta o terrível papel reservado à mulher naquelas narrativas. Talvez levado pelo hábito, “afinal o cordel é assim”, fruía as historinhas como se seus enredos se passassem, talvez, em outro planeta. Não pairava dentro da minha leitura, em busca de diversão, o aspecto do machismo e a profunda deselegância no trato com a mulher.
Fato é que não se pode negar razão à presidente dos cordelistas. Mas, fica a dúvida de que, se dentro das histórias a igualdade de gênero passar a ser respeitada, como passarão a se expressar cordelistas herdeiros de tradição em narrativas machistas que atravessam gerações.
O cordel faz parte do folclore popular e traz em si a inteligência poética que nele encontrou meios para se expressar. Mantê-lo vivo e exuberante é mais que uma simples obrigação. Para isso os cordelistas deverão se entender e achar novos caminhos nos quais o respeito à mulher deve ser considerado. Afinal, o mundo tem mudado em todos os setores, às vezes até assustadoramente. É preciso que o cordel se renove, com muita força e originalidade, coisa de que são muito capazes seus poetas e poetisas.