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Chico Xavier, o filme
Assisti ao filme “Chico Xavier” e confesso que encontrei alguma dificuldade em caracterizá-lo como bom cinema. Em dúvida, fiz o que não se deve fazer: antes de escrever dei uma olhada nas críticas publicadas sobre o filme. Constatei o tom elogioso de todas elas, fato que me despertou a seguinte dúvida: focavam mais a personagem real ou o filme do diretor Daniel Filho?
“Chico Xavier” é a biografia cinematográfica do conhecido médium brasileiro. Daniel Filho tinha em mãos material rico, instigante, que tem despertado a curiosidade e atenção dos brasileiros. De fato, o fenômeno Chico Xavier continua aberto à investigação dado que envolve a crença na vida após a morte e, em grande parte, nos fundamentos da doutrina de Alan Kardec.
Em assunto tão controverso é fundamental a escolha do foco narrativo. O diretor Daniel Filho optou por uma linha de reportagem, baseando-se numa entrevista concedida pelo médium ao programa Pinga Fogo. Apoiando-se nas palavras de Chico Xavier - na ocasião respondendo a perguntas de entrevistadores - o diretor trabalhou com flashbacks com os quais remontou a trajetória do médium desde a infância até a morte dele.
Não é o caso de aqui se discutir se essa seria a melhor abordagem. O fato é que o diretor defrontou-se com uma enorme dificuldade, qual seja a de manter-se ou não isento em sua narração. Apresentar os fatos e deixar por conta dos espectadores a decisão sobre o real significado das atividades de Chico Xavier?
Talvez o diretor tenha partido da premissa de isenção. Entretanto, torna-se impossível negar que o diretor e sua equipe foram simpáticos a Chico Xavier, pendendo mais para o lado dele que para o de seus críticos. Creio que justamente aí reside o maior problema do filme: tratando de assunto controverso, que envolve questões de fé, fica difícil não tomar algum partido; nesse caso a proposta de isenção resulta na contenção daquilo que daria real beleza ao filme.
Talvez por essa razão se possa dizer que falta maior emoção a “Chico Xavier”. A história do médium é contada sem a intenção de julgá-lo, mas, ainda assim, pendendo para uma aprovação sempre contida.
Chico Xavier é filme que se assiste com interesse. Se não acrescenta nada ao que sabemos sobre o médium, leva-nos a refletir sobre algo que permanece sem explicação. Visualmente o filme agrada contando com as excelentes atuações de Nelson Xavier, Ângelo Antônio, Tony Ramos, Christiane Torloni e muitos outros . Por fim, há que se elogiar o diretor Daniel Filho: é preciso coragem para trazer às telas tema tão controverso, com grande risco de obra tendenciosa, quando não engajada a preceitos religiosos ou simplesmente piegas.
Abraços Partidos
“Abraços Partidos”, o mais recente filme do cineasta Pedro Almodóvar não pode ser incluído entre as suas produções mais iluminadas. De fato, a história de um roteirista/diretor de cinema cego – Harry Caine - em muitos momentos descamba para um artificialismo desnecessário.
Harry Caine é um diretor de cinema que logo de começo avisa-nos de que, no passado, foi Mateo Blanco. Essa divisão entre duas personalidades do protagonista sinaliza dois planos de narrativa. No primeiro deles, que transcorre no passado, Mateo Blanco dirige uma comédia, chamada “Garotas e Malas”. Para estrelar “Garotas e Malas” Mateo escolhe Lena (Penelope Cruz), mulher de um rico industrial que se torna o produtor do filme. No segundo plano narrativo está Harry Caine, o roteirista cego, cuja ação se passa no presente. Assim, a trama se desenvolve nos dois planos: é do presente que Harry Caine nos informa, por meio de vários flashbacks, o que aconteceu a Mateo Blanco e a razão de sua morte. A isso se acrescenta o conhecido recurso “filme dentro de um filme” que abre inúmeras perspectivas narrativas.
A intenção primeira de Almodóvar é a celebração de sua paixão pelo cinema, o que, aliás, faz através de várias referências a filmes e cineastas. Não por acaso Lena assume ares de Audrey Hepburn e Harry Caine tem esse nome provavelmente numa homenagem ao ator Michel Caine.
Pedro Almodóvar é antes de tudo um grande contador de histórias. Sua lente é sempre poderosa ao flagrar personagens em suas circunstâncias imediatas, adensando-se o drama vivido por elas em seu cotidiano. A habilidade de Almodóvar em expor, em toda intensidade e expressão, a tragédia vivida pelas personagens está definida com grande precisão em “Abraços Partidos”. É através de um verdadeiro meandro de pequenas histórias que chegamos ao fulcro de toda a trama, ou seja, a paixão de Mateo Blanco por Lena, paixão esta que embasa toda a ação do filme e confere sentido a ela. Aliás, diga-se, Penelope Cuz está exuberante no papel de Lena, vivendo intensamente o que pode ser definido como a desdita da personagem.
Colocadas as premissas anteriores é hora de justificar a afirmação de que “Abraços Partidos” não é das produções mais iluminadas de Almodóvar. Na verdade não se trata só de certo grau do artificialismo inicialmente apontado. Talvez seja o caso de dizer que se trata de uma história bem contada demais. De fato, existe no filme uma necessidade imperiosa de explicação de todos os detalhes. Desse modo, não se dá ao espectador muita chance de especular, isso quando certas conclusões não se antecipam por óbvias demais. A cena em que Harry Caine se reúne num bar, no dia do seu aniversário, com sua secretária e agente Judit (Blanca Portillo) e o filho dela, Diego (Tamar Novas) é emblemática: é preciso explicar tudo, esclarecer as razões de tantos acontecimentos do passado e não se pode dizer que isso seja feito com naturalidade. De repente é como se abrissem as comportas de uma verdade duramente represada e que vem à luz de uma só vez para definir o que será a vida dos protagonistas daí por diante. Tudo bem que seja assim, mas ressalte-se a referida falta de naturalidade. No fundo a cena nos lembra certas histórias policiais nas quais o final consiste numa reunião entre policiais, bandidos e o detetive protagonista que acaba esclarecendo o crime.
Mas, que não se retire de “Abraços Partidos” o fato de ser um filme acima da média. É preciso reconhecer que caso não fosse um filme de Almodóvar, talvez não se procurasse na trama os defeitos que apresenta. Entretanto, essa é a sina com a qual são obrigados a conviver os grandes cineastas: deles sempre exigimos mais e mais, exagerando um pouco quando não os vemos em plena forma.
Talvez também seja o caso de dizer que Pedro Almodóvar nos acostumou mal, daí cobrarmos tanto desse formidável cineasta.