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Macunaima
Macunaima faz parte daquela terrível lista de livros condenados a serem lidos por obrigação. O livro é indicado em escolas e aparece como leitura obrigatória em vestibulares.
Li Macunaima há muito tempo. Depois assisti ao filme em que o Grande Otelo fazia o papel do “herói sem nenhum caráter”. Confesso que me perdi um pouco no desconjuntado dos textos do Mário de Andrade, mas ainda trago comigo o prazer de uma leitura que me fez rir e entrever, nas aventuras tantas vezes absurdas do herói, o perfil de toda uma gente oriunda da mestiçagem e que se entendeu com os trópicos de modo bastante peculiar.
Não pretendo acrescentar uma só linha ao que já foi escrito sobre Macunaíma, livro de resto esmiuçado por críticos de várias gerações. Críticas à miscigenação, indianismo moderno, ausência de cronologia, surrealismo eivado de fantasias e lendas, oposição ao romantismo, desvinculação do português do Brasil daquele praticado em Portugal, aspectos folclóricos: o leitor encontrará textos sobre tudo isso e muito mais em inúmeras obras críticas sobre o livro de Mário de Andrade.
Como se sabe, as metodologias críticas empregadas ressentem-se de certo modismo crítico inerente às épocas em que são utilizadas. Não é o caso de analisar aqui abordagens possíveis para a análise de obras literárias, partindo-se do ideário crítico do romantismo, defendido pelo grupo fluminense que tinha por mentor Gonçalves de Magalhães. A esse sucederam outros perfis críticos como a crítica naturalista, impressionista, nova crítica…
A posteridade acrescenta novos olhares a obras que mereceram atenção crítica no momento de suas publicações. Entretanto, não deixa e ser muito interessante ouvir a voz dos chamados críticos de plantão que se debruçam sobre textos ainda frescos e abertos a toda sorte de novas interpretações. No caso de Macunaíma a crítica de momento ganha relevo porque retrata a transição entre o romantismo/naturalismo e o movimento modernista iniciado em 1922. O livro de Mário de Andrade foi publicado em 1928 caindo, por assim dizer, num meio ainda impregnado pelo romantismo. Teve ele, portanto, o condão da novidade novidadeira o que nos leva a imaginar o porte de estranheza do texto de Mário sobre público e críticos habituados a textos, digamos mais bem comportados.
Tenho em mãos um texto crítico, sobre Macunaima, de autoria de João Ribeiro, publicado no Jornal do Brasil, em 31/10/1928. Nesse texto, escrito no calor da hora, Ribeiro define o livro como “um conglomerado de coisas incongruentes no qual o autor utilizou materiais conhecidos das nossas tradições, e se não conseguiu dar harmonia ao conjunto, em todo caso concertou o mais que pode ideias e noções objecionáveis e contraditórias em si mesmas”. Acrescenta que Mário de Andrade é capaz de asneiras, mas asneiras respeitáveis, de talento, daí a delícia de ler um livro cuja graça transpira em todas as paginas e nos faz rir. Depois termina, dizendo:
Para nós é evidente que o autor, ainda contra a sua própria crítica, quis-nos pintar o homem brasileiro, indolente, mas astuto (em poucas coisas, na política por exemplo), sem caráter definido, perturbado pela heterogeneidade de seus elementos formativos, ignorante mas audaz, pobre mas fanfarrão de liberalidades, presumido como a mosca do coche, vassalo arrotando soberania…
Macunaima inseria-se, como obras anteriores a ele, num universo de cansaço intelectual e desgaste abusivo do romantismo. Rebeldia contra o passado, mas fase de instabilidade cujo futuro se constituía numa indagação para os contemporâneos do movimento modernista.
Do que veio depois, temos notícias nós, os pósteros.